Isabelle Tozzo e Leonardo Oliveira
Provavelmente 2009 foi um dos anos mais importantes para a música pop. Foi neste ano que ouvimos o álbum The Fame Monster da Gaga, em que Rihanna lançou o disco que viria a ser um dos mais significativos de sua carreira, Rated R; quando Black Eyed Peas nos apresentou a sonoridade eletrônica de The E.N.D. e que dançamos com a chiclete Tik Tok da Kesha. Grandes sucessos da época, depois de anos de saturação, hoje já nos traz um gostinho de nostalgia e até nos faz pensar “o pop era incrível e a gente não sabia”.
Neste mesmo ano, a crítica britânica só tinha olhares para uma pessoa: Lily Allen. E não à toa. Com It’s Not Me, It’s You, a inglesa nos mostrou como ser crítica, engraçada e única. Seu som conseguiu passar pelos anos sem tanto desgaste e isso o proporcionou a primazia de não ficar datado.
Lily tem a língua afiada como a espada de um samurai, e isso não fez o início de sua carreira mais fácil, porém foi e ainda é a pedra fundamental para seu sucesso como artista. Quando apenas era uma jovem adulta, trouxe ao mundo um álbum de estúdio que mesmo muito tempo tendo se passado, suas letras ainda se mostram pertinentes e muito atuais.
Antes de lançar seu segundo disco, Lily declarou que iria reinventar sua carreira. A afirmação foi controversa, já que, até então, a cantora possuía apenas um álbum. It’s Not Me, It’s You não modificou o que Allen fazia até então. Pelo contrário, trouxe uma continuação aguçada da temática de Alright, Still deixando apenas as influências do reggae de lado e trazendo um eletropop com pitadas de country. As letras de humor ácido permaneceram, o que viria a ser a característica mais marcante de seu trabalho até hoje.
Letras que refletiam uma garota de muita personalidade e que apesar de jovem já tinha vivido poucas e boas. As composições que em sua maioria é assinada por Allen e Greg Kurstin, não abusam de metáforas, mostrando que a cantora não faz questão de ficar floreando muito o que tem à dizer. Mesmo temas tão universais sendo abordados, It’s Not Me, It’s You é primeiramente um trabalho íntimo e pessoal. Tratar de drogas, relações familiares e românticas é sempre a máxima para trabalhos mais íntimos dentro do pop. Porém, Lily traz isso como característica de seu trabalho e sem a pretensão de chocar o mundo. Ela vem pra falar suas verdades e mostrar suas opiniões.
Falar do que ela vivia era (e ainda é) falar diretamente da sociedade, e o que impressiona é que a realidade pouco mudou. As relações tóxicas e machistas ainda continuam, a medicalização como solução para os problemas está a todo vapor e as pessoas de pensamento “medieval” parecem só aumentar. Fuck You, poderia estar em uma carta endereçada ao presidente da república sem parecer ter sido escrita a mais de 10 anos.
Sua fama de irônica é sem dúvidas mais que merecida. Quem é pego pela sonoridade, se desavisado ou pouco atento, pode vir a achar que as músicas da londrina são apenas divertidas e alegres, de batidas muitas vezes rápidas e enérgicas, porém nem de longe elas por si só são capazes de entregar claramente as intenções da artista que une a densidade lírica à leveza melódica para entregar a quem a escuta um produto cheio de nuances e muito inteligente.
Através desses anos, vimos muitos artistas do pop mainstream se politizarem e abordarem temas altamente relevante em seus trabalhos, porém Lily Allen já trilha esse caminho a quase duas décadas. E enquanto eles corriam atrás, ela já era atemporal. Sua forma sarcástica de fazer críticas sociais ou contar detalhes de seus relacionamentos em It’s Not Me, It’s You geram identificação com quem ouve. Lily encara a vida com ironia e deboche na medida certa. Algo como uma transa ruim que depois te proporciona muitas risadas entre amigos e a aceitação de que a vida é assim mesmo.