Joy as an Act of Resistance: Há 5 anos, IDLES revolucionava ao ser feliz

Ensaio fotográfico da banda IDLES para a revista NME. Nela temos, da esquerda para a direita, Mark Bowen, um homem branco de cabelos castanhos e bigode volumoso; Lee Kiernan, um homem branco de cabelos longos castanhos; Adam Devonshire, um homem branco careca de barba ruiva volumosa, seguido logo abaixo por Joe Talbot, um homem branco de cabelo preto ralo, barba por fazer e bigode e Jon Beavis, um homem branco de cabelos castanhos. Mark veste um macacão de trabalhos azul escuro com o escrito “HART” no peito esquerdo. Lee veste uma camisa branca por dentro da calça preta e um óculos de armação na cor vinho. Adam veste uma camisa vinho e calça preta. Joe veste uma camiseta branca, camisa florida e calça preta e Joe veste uma camiseta branca, camisa salmão com estampa em formato de losango e desenhos de uma pantera negra e calça preta. Eles estão sobre uma parede branca fazendo poses e seguram cinco balões prateados com letras que formam o nome da banda.
A grande força da banda está em se reconhecer como frágil (Foto: Fiona Garden/NME)

Guilherme Veiga

A felicidade incomoda, isso é fato. Outra coisa que também faz questão de desagradar é o punk-rock. O gênero que surgiu em meados dos anos 1960 e incorpora o garage rock e o proto-punk assume a roupagem de ser uma pedra no sapato do sistema, a peça que não se encaixa no quebra-cabeças. Isso é notado desde seus expoentes não tão politizados como blink-182 até os mais politicamente ácidos como Rage Against The Machine.

Iniciado juntamente com o movimento punk, seus adeptos, por mais que não liguem para estereótipos, sempre foram caracterizados como pessoas fechadas, vestidas de preto e com uma raiva internalizada. Nesse sentido, seus ouvintes majoritariamente são vistos como indivíduos em que a alegria é seu ‘divertidamente’ mais escanteado e a seu companheiro vermelho é quem assume a sua mente. Pensando nisso, o grupo britânico IDLES, em seu segundo álbum de estúdio, Joy as an Act of Resistance. discorre na verdade como esses dois sentimentos estão mais próximos do que se imagina.

Ensaio fotográfico da banda IDLES.Na imagem vemos, da esquerda para a direita, Joe Talbot, Jon Beavis, Adam Devonshire, Mark Bowen e Lee Kiernan. Joe veste uma camiseta branca, Jon veste uma camisa branca e calça preta, Adam veste uma camisa preta, cinto marrom e calça preta, Mark veste uma camisola feminina de época na cor bege e Lee veste uma camiseta preta. Todos olham para a câmera de modo que Jon está esticando um elástico com as duas mãos na direção de Adam, Mark coloca a mão direita sobre o rosto, mostrando que suas unhas estão com um esmalte vermelho e Lee abraça Mark pela cintura enquanto pousa a cabeça sobre seu ombro. Eles estão sobre uma parede de fundo amarelado.
O jornal inglês The Guardian definiu o quinteto como ‘a banda mais necessária do Reino Unido’ (Foto: Tom Ham)

Produzido por Space e mixado por Adam Greenspan e Nick Launay – este último que tem trabalhos com nomes como Arcade Fire e Nick Cave & The Bad Seeds -, o disco vem um ano após Brutalism, entrondoso debut do grupo. Porém, Joy as an Act of Resistance. chega para consolidar a banda para além de mais um nome do – agora fora dos radares – gênero punk, além de servir de referência para como esse tipo de música seria trabalhado e consumido no século XXI.

Dessa forma, a obra revitaliza o estilo ao mesmo tempo que renova o próprio grupo. IDLES se mostra, aqui, muito consciente ao entender que o punk-rock não se porta do mesmo jeito que 40 anos atrás, quando Ramones e Sex Pistols reinavam. Partindo desse pressuposto, ele se atualiza para o Reino Unido atual e usa do registro para finalmente traçar um mea culpa de um gênero que se moldou com doses de machismo, a abordar como tema principal a masculinidade tóxica.

A máscara

 Da masculinidade

 É uma máscara

 Uma máscara que está me desgastando

A escolha da alegria, tanto no identidade como na levada rítmica, se mostra muito acertada. Brutalism é extremamente literal em sua concepção, enquanto Joy as an Act of Resistance., por mais que pareça ir para o extremo inverso, na verdade externaliza a brutalidade como resultado de um processo catártico. A capa do álbum, mostrando uma pequena multidão de engravatados em um mosh em uma festa de casamento, evidencia as intenções do registro de criar, a princípio, um punk-rock-colarinho-branco que, devido às amarras sociais do mundo moderno, não vê raiva e felicidade como sentimentos antagônicos, mas sim como a primeira sendo uma forma de extravasar a segunda.

Se engana quem pensa que esses aspectos trazem um disco mais calmo. Ele talvez seja o mais convidativo para o público geral, mas ainda assim tem a mesma pungência característica do IDLES. Suas críticas ácidas dessa vez corroem temas como imigração e o Brexit, enquanto se aprofundam em temáticas como solidão, o luto e a sensação de se estar completamente quebrado sentimentalmente.

Essa dualidade de assuntos fica muito visível nos dois singles do projeto. Never Fight A Man With A Perm mescla elementos de Laranja Mecânica e Clube da Luta, no qual o eu-lírico encontra personagens tipicamente ‘machos com M maiúsculo’ e os satiriza bestializando seus estereótipos. Já Danny Nedelko, que tem esse nome por conta do imigrante ucraConiano, vocalista da banda Heavy Lungs e amigo do frontman Joe Talbot, é uma crítica a forma como a sociedade tratava esses grupos nos anos em que a crise migratória começou, principalmente ao fato do Reino Unido só ter olhos para eles quando são figuras notáveis.

Cena do clipe Danny Nedelko, da banda IDLES. Nela vemos o personagem título, um homem branco de cabelos castanhos claros. Ele está abraçado com uma mulher negra. Ela veste uma jaqueta preta puffer, uma camiseta preta e um turbante preto. Danny veste uma camiseta branca com os escritos “NO ONE IS A ISLAND” um cinto aparentemente na cor marrom e uma calça preta. Ela abraça a mulher com a mão direita enquanto com a mão esquerda faz um sinal de ok. A imagem está em preto e branco.
D-A-N-N-Y N-E-D-E-L-K-O C-O-M-M-U-N-I-T-Y S-O F-U-C-K Y-O-U (Foto: Youtube/IDLES)

O álbum promove uma montanha russa a partir do momento de seu play. A primeira metade é uma queda livre eufórica que expõe o melhor que o IDLES calcou no primeiro registro. Extremamente visceral, ele entrega potentes faixas como Colossus, que versa sobre vícios e as sombras das figuras tóxicas, enquanto I’m Scum expõe a escrotidão masculina e Love Song, misturando diferentes vertentes do rock, subverte o ato de se apaixonar ao abordá-lo através de uma ótica suja e bagunçada da visão do que é ser homem. Nesse conjunto de músicas, Joe Talbot, com sua voz rasgada, praticamente se coloca no púlpito de uma (não tão) distópica parada do orgulho hétero e vocifera um discurso extremamente irônico e escrachado que não agradaria seus participantes.

É com June que chegamos ao ponto mais baixo da trajetória, ao mesmo tempo que se alcança o ápice do álbum. Aqui, o quinteto punk se despe de todas as munhequeiras e spikes que o gênero adotou como identidade visual e desacelera suas guitarras estridentes para entregar um doloroso episódio da vida do frontman após a morte de sua filha recém-nascida. Ela engata com Samaritans, que juntas formam as duas músicas mais fortes liricamente do disco e guiam a segunda metade para uma nova subida, com uma alegria descontroladamente raivosa. É como se o álbum vislumbrasse um mosh e o planejasse justamente para Rottweiler, faixa que fecha o disco.

Registro de um de um show do IDLES na edição 2022 do festival Glastonbury. Na imagem temos Mark, um homem branco com cabelos longos e bigode volumoso. Ele veste um vestido de alça florido enquanto segura guitarra estilizada onde parte do tampo é transparente e a parte onde ficam as distorções e o final das cordas em um tampo que simula madeira. Ele está sorrindo para a plateia enquanto o braço direito está esticado depois de tocar o instrumento.
Sem dúvidas, o ponto alto do grupo está em suas apresentações ao vivo (Foto: Phoebe Fox/NME)

Joy as an Act of Resistance. é o cartão de visita da banda de Bristol formada por Mark Bowen (guitarra), Lee Kiernan (guitarra), Jon Beavis (bateria), Adam Devonshire (baixo) e Joe Talbot (vocal), além de ser uma importante referência de como o punk se rearranjou e seguiu nos anos 2010. Isso o coloca como um dos melhores discos do gênero, e para alguns, um dos melhores de 2018, que com certeza semeou figuras da vertente na época, como Fontaines D.C., Viagra Boys, Shame e Turnstile

Ele é certeiro ao reforçar que, sim, o punk é o mesmo e vive como os pais que o fundaram: desordeiro, anárquico e pronto pro combate. No entanto, o trabalho reforça que isso não é produto de agressividade atribuída a essa parcela, mas a uma vulnerabilidade, que ele não tem a mínima vergonha de expor através de uma acidez crítica mesclada com uma sensibilidade inimaginada.

Por mais que seu levante se debruce por temas que são atemporais, fica perceptível a intenção de rotular o álbum como um produto de seu tempo, seja no estilo ou na própria sociedade. E sendo um recorte de um período específico, à medida que o IDLES se consolide como voz de uma geração, o desejo da banda é exatamente o contrário: que suas discussões sejam superadas. No aguardo de um mundo melhor, resta a esperança e a alegria, nas diferentes roupagens que ela pode ter.

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