João Rock 2016: a embriaguez musical

O resultado de se misturar 18 bandas de diferentes gêneros em menos de 12 horas

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Yuri Ferreira

Chega o dia. Palpitações, ansiedade, palpites.

– Será que o Paralamas vai tocar “Óculos”? O Natiruts vai tocar “Liberdade”?

Inquietações que precedem o inesquecível. Dor da agonia pressentindo o melhor de tudo. Perto do destino, a enorme fila de carros agrava o quadro de alguém que espera demais. Dezoito bandas esperam por 50 mil pessoas, 50 mil pessoas esperam por dezoito bandas. Eu, uma das dezenas de milhares, impaciento-me atrás do volante. Inquieto, tento me conter para não esmurrar a buzina. Os instrumentos se preparam. O sol, indo embora, assiste. Embora o vento, ainda tímido, esteja esfriando este buraco no interior paulista.

Ribeirão Preto, uma cidade em que geralmente se aproveitam noites agitadas de sertanejo e cerveja, está prestes a receber uma noite agitada de rock, pop, rap, reggae e cerveja. A capital do chope – e também da breja – recebe um dos maiores festivais de música do Brasil. Tratando-se de música nacional, o seu foco, a importância do João Rock é ainda maior. É um dos únicos a acontecer com uma line-up quase exclusivamente nacional em todos os seus 15 anos de existência.

E tudo acontece em um dia. Ou seja, quem está no festival, pagou um só valor e pode optar entre um extenso leque de bandas: desde o reggae do Natiruts, passando pelo mangue-beat do Nação Zumbi, o rock do Paralamas até o rap de Criolo. Ainda que a simultaneidade dos shows (são três ambientes) confira uma incrível atmosfera ao evento, é também alvo de críticas. Vejo gente reclamando no show do Nação, porque não viu o Cidade Negra, murmurando sobre a impossibilidade de reviver Titãs, pois quer sentir o Planet Hemp. Lamento por não pular com o CPM 22 enquanto danço com o Natiruts. Mas danço.

Lamentos que também se fazem à organização do evento. Fila pra entrar, fila pra comprar, fila pra comer, ‘fila’ pra assistir – a sensação que se tem ao chegar mais perto do palco a cada show. Filas, filas e mais filas… Será esta a sina de quem frequenta eventos de grande porte neste país? Ou apenas mais um sintoma de multidões? A multidão do João Rock 2016 me imerge, subitamente, em um formigueiro. Ao tentar transitar entre os palcos, encontro-me caminhando entre um labirinto humano. Esbarro, piso em pés, chuto o lixo que um público irresponsável com a sujeira que faz atira no chão. Mas o mesmo contingente me traz sorriso e arrepio, uma dupla da qual eu não gostaria de me separar jamais. A grande voz nos refrões de “Que país é esse?” do Legião Urbana, “Pra você guardei o amor” do Nando Reis, “Liberdade pra dentro da cabeça” do Natiruts, entre tantos outros; as mãos pro alto em sintonia com os toques no violão; as luzes dos isqueiros no Planet Hemp sendo espelho de um céu tomado de estrelas. Comoção.

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A caravana não para: Black Alien, B Negão e Marcelo D2 reunidos após 15 anos no show do Planet Hemp (Foto: Reprodução/João Rock)

Comoção também é relembrar o que representava o João Rock lá atrás, no início. Genial sacada para comemorar o seu baile de debutantes, o palco 2002 do festival apresenta as bandas que tocaram no seu primeiro ano. Eu não me lembro, ainda não conhecia os encantos da música e dos festivais. Cidade Negra, Ira!, CPM 22 e Titãs trazem a tona boas memórias aos mais velhos e boas vibrações aos mais novos. Sejam eles espectadores ou artistas, como os do palco Fortalecendo a Cena, uma iniciativa para dar oportunidade a talentos e ouvidos.

Pesquisei na semana antecedente ao evento a respeito das jovens bandas. Pouca bagagem não foi um empecilho para a Dona Cislene, conjunto de Brasília sobre o qual criei e confirmei minhas expectativas. Um som pesado, influenciado – e apadrinhado – pelas bandas brasilienses da década de 80 que levou a galera a fazer “rodinha punk”. Energia que faz delirar e compensa, na maioria das vezes, as dificuldades do vocalista tão mais audíveis ao vivo – uma surpresa negativa. No fim, todas as novatas sobem ao palco, em demonstração de solidariedade com o difícil começo na vida artística.

Depois de várias horas em pé e alguns minutos sentado, chego, exausto, até o fim. Tento ao menos: o excelente Criolo emociona com os versos e sua banda até impressiona com uma pegada brasileiríssima. Mas não empolga. E eu já estava quase ébrio dos sons que ouvi. Vejo, bem de longe, que os dreads do convidado Rael balançam no palco, no que parece o ápice de animação da apresentação. Um pico que não chega nem perto da empolgação do Planet, nem da experiência musical proporcionada por Natiruts, nem do ritmo alucinante do Paralamas. Pouco para um headliner. Criolo pode reclamar do tempo de show: uma hora e vinte minutos, também pouco para um headliner, apesar de outras atrações terem conseguido melhor performance com menos tempo.

Saio. Ao passo que a lua já se encontra lá no alto e o vento já não é mais frio nem tímido: é deliberadamente gelado. Sinto-me exausto e extasiado. O festival esteve melhor do que no ano passado: principalmente pelo cumprimento dos horários. A falta de atrasos deu um ótimo ritmo e fez todo mundo se embriagar de música. Misturando novidade e nostalgia, calmaria e frenesi, o evento atingiu um bom nível de abrangência e qualidade de atrações com uma razoável organização. Caminha a passos largos para se tornar o maior dos festivais de música brasileira.

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