Ficção Americana traz drama familiar com uma comédia crítica e ácida

Cena do filme Ficção Americana. No fundo da imagem, há um campo de plantação aberto. À esquerda está Coraline, uma mulher de pele preta, com cabelos cacheados com tonalidades de amarelo, voltados para um tom mais avermelhado. Está utilizando uma roupa de botões de tom esverdeado musgo, com uma saia de cores azul e amarela. Ao seu lado está Munk, um homem de pele preta, careca e barbudo, que utiliza um óculos. Está vestindo um terno de cor azul, uma camisa de cor azul clara e calça social. Ambos estão sorrindo na cena.
Uma das surpresas do Oscar 2024, Ficção Americana marca o primeiro trabalho de Cord Jefferson na grande tela (Foto: Amazon MGM Studios)

Rafael Gomes

Ficção Americana é a história de Thelonious Ellison – também conhecido como Monk –, um escritor que não lança um livro há anos e que está cansado de como histórias de pessoas negras são tratadas na cultura americana. O filme se divide em dois: a primeira metade é sobre sua família excêntrica e disfuncional, que conta com uma irmã afetuosa (Tracee Ellis Ross), um irmão rebelde (Sterling K.Brown, que rouba a cena) e sua mãe adoecida (Leslie Uggams), que ele visita em Boston. A segunda parte é sobre o livro fictício My Pafology, uma história sobre traficantes armados, tráfico de drogas e pais ausentes, escrito sob a alcunha de Stagg R Leigh e enviado ao seu agente. Monk esperava que a Indústria entendesse a sátira e os estereótipos colocados sobre autores negros, ao forçá-los cada vez mais a escreverem esse tipo de história. Porém, o efeito foi o contrário: o livro se tornou um best-seller e vira o maior sucesso do protagonista.

O longa traz a estreia de Cord Jefferson no Cinema, após grandes sucessos na TV como Master of None, The Good Place e Watchmen. Outro destaque é a atuação de Jeffrey Wright, conhecido por papéis em Westworld e Batman. Wright traz um Monk carrancudo e irritado com tudo por meio de uma representação sutil, mas espetacular. Com desempenhos fantásticos, o maior destaque vai para Sterling K. Brown – famoso pela série This is Us – que interpreta Cliff e rouba o destaque das poucas cenas em que aparece, com uma pitada cômica e ao mesmo tempo trágica, ao trazer um personagem que apenas quer ser reconhecido e ao adicionar drama à trama.

Cena do filme Ficção Americana. Ao fundo da cena, é possível ver uma casa de cor branca, com uma iluminação noturna. Ao centro da imagem está Clifford, homem de pele negra, com cabelo e um cavanhaque, está utilizando uma corrente e está usando uma camisa de botão de cor amarela. Sua expressão é de reflexão.
Indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, Sterling K. Brown pode ser uma surpresa para faturar o prêmio (Foto: Amazon MGM Studios)

O núcleo familiar de Monk é único e bem diferente dos retratados nos best-sellers que o protagonista é contra. Ainda com cicatrizes abertas por conta do suicídio do pai, tendo que lidar com uma outra morte próxima à família e com as crises de Alzheimer da mãe, além de seu irmão “rebelde”, o protagonista tem sua própria tragédia familiar. Esse drama doméstico é uma construção importante para entendermos as motivações do personagem, ao enxergamos neles a pluralidade de gostos, as histórias e as experiências que o autor busca em personagens negros da literatura. Essa jornada familiar é o coração do filme, enquanto a crítica do livro seria a cabeça. 

Ficção Americana brilha como uma sátira incisiva, sendo ao mesmo tempo provocativa e extremamente acessível. Seu grande trunfo está em criticar quem clama pela diversidade, mas a quer apenas para ganhar mais dinheiro ou para reforçar estereótipos étnico-raciais. Em sua maioria, os criticados são todos brancos, mas também há espaço para quem se aproveita do sistema, em que mesmo atacando um mercado que só pensa no monetário, ajuda a difundir obras que amplificam o pensamento de que as minorias devem ter histórias determinadas pelo sofrimento. O filme defende uma gama maior de narrativas negras, mas não somos levados a acreditar que Monk está 100% correto no descarte da comunidade, das ruas e da violência, pois essa é a realidade da vida de muitos.  

O longa recebeu cinco indicações ao Oscar 2024 nas categorias de Melhor Filme, Melhor Ator, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Ator Coadjuvante e Melhor Trilha Sonora. O roteiro, escrito por Cord, foi premiado no BAFTA e representa a melhor chance de premiação. Porém, isso não é garantia de vitória, por causa das concorrências de peso como Oppenheimer, Pobres Criaturas, Barbie e Zona de Interesse

Cena do filme Ficção Americana. No fundo da imagem está uma casa grande, próxima à praia, cheia de escadas com a bandeira americana hasteada à esquerda do personagem principal Munk, que está no centro da imagem, com uma expressão preocupada. Monk é uma pessoa de pele negra, careca e barbuda. Está utilizando uma camisa social de cor branca.
Ficção Americana não teve lançamento nos cinemas do Brasil e chegou diretamente no Prime Video (Foto: Amazon MGM Studios)

O ponto mais fraco do filme está em seu final. Com uma conclusão metalinguística, que admite a dificuldade de finalizá-lo, mesmo sendo curiosa e diferente, ela decepciona, por falhar na hora de oferecer resolução ou de se apoiar na falta dela. Com atuações espetaculares e direção e roteiro precisos, Ficção Americana é um duro golpe para quem acredita que a diversidade é apenas uma discussão rasa para preencher cotas. Ao negar a problemática de uma indústria que tem pouco interesse em aprofundar pautas importantes, o longa as leva para o grande público de maneira instigadora, cutucando na ferida através do humor.

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