Persona Entrevista: Lemohang Jeremiah Mosese

Diretor de “Isso Não É um Enterro, É uma Ressurreição” comenta sobre o filme dentro da sua geração e relembra o trabalho com Mary Twala

O Persona recebe Lemohang Mosese, que brilhou com seu filme na Mostra SP (Foto: Reprodução)

Caroline Campos

Fechando definitivamente a cobertura da 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, o Persona apresenta hoje uma conversa com o simpaticíssimo Lemohang Jeremiah Mosese, que conta um pouco sobre como enxerga seu trabalho de cineasta e a importância da unificação entre as pessoas como força política.

Responsável pelo magnífico Isso Não É um Enterro, É uma Ressurreição, que discute a perda e o luto no processo de resistência, o diretor lesotiano ainda relembra seu trabalho com a falecida Mary Twala e revela os motivos pelo qual espera ansioso pela nova geração ainda não nascida. 

Lemohang, um homem negro de 40 anos, discursa em um palanque com dois microfones próximos ao rosto e podemos vê-lo apenas do peito para cima. Ele usa um paletó preto e um chapéu preto. Ele tem cabelos curtos, barba e bigode.
Lemohang Jeremiah Mosese também esteve presente no Festival de Berlim de 2019 (Foto: Reprodução)

A caminhada para chegar até a ideia de Isso Não É um Enterro, É uma Ressurreição, melhor filme exibido no festival paulistano, foi longa. “Esse filme representa todo conflito que eu tive e tenho desde a minha adolescência”, revela Lemohang Jeremiah Mosese. Para ele, questões como espiritualidade, os tempos em que vivemos, a morte e o sofrimento no mundo sempre o perturbaram e o fizeram refletir. “Eu não estou interessado em respostas. Estou interessado em perguntas”.

O título extenso e elaborado da obra parte do interesse do cineasta em se afastar da imposição de significados e tornar tudo mais abstrato. “Eu gosto da ideia de um material tão abstrato que as pessoas conseguem interpretar de diferentes formas, sem respostas certas ou erradas”, comentou Mosese, já que seu filme anterior Mother, I am Suffocating. This is My Last Film About You (Mãe, Eu Estou Sufocando. Esse É Meu Último Filme Sobre Você, em tradução livre) também conta com um grande número de palavras. O lesotiano destacou que, para ele, suas ideias e o que elas significam não importam. “Eu não sou nada. O trabalho está além de nós, além de minhas pequenas ideias”, enfatiza.

O foco de Isso Não É um Enterro, É uma Ressurreição está em Mantoa, uma viúva que, mesmo passando por um dolorido processo de luto, decide lutar pela sua vila que será alagada pelo governo. Mary Twala Mhlongo, que interpreta poderosamente a protagonista, foi mais uma vítima de 2020, nos deixando em julho aos seus 80 anos. “Ela [Mary] era inacreditável, uma linda alma. Sou feliz e honrado em ter trabalhado com ela”, declara o cineasta enquanto relembra o processo de trabalhar com Mary, que sempre se permitia ir mais fundo em sua interpretação. “Você não finge algo a ver com a morte, você não consegue. (…) Só pode vir de um sentimento verdadeiro em saber o que é perda e o que é luto”.

Cena do filme Isso Não É um Enterro, É uma Ressureição, vemos a viúva Mantoa, uma senhora negra de 80 anos, sentada em sua capa usando um longo vestida marrom com renda preta na região da gola. Em sua cama, está um lençol vermelho e as paredes são azuis, assim como a cortina que a cerca.
A esplêndida Mary Twala já era uma veterana do cinema sul-africano (Foto: Reprodução)

A narração de Jerry Mofokeng, o tocador de lesiba que zomba dos personagens durante o longa, também foi levantada por Mosese, que afirma ser uma de suas partes preferidas do filme. “Eu pretendia escrever sobre essa zombaria, como se ele estivesse tirando sarro dos vivos. (…) Eu costumava escrever poesia, uma muito ruim por sinal, então escrever esse monólogos me faz retomá-las e traz o que sinto no momento”, brinca o diretor. 

E quando se trata desse momento atual, Lemohang não poupa críticas à situação política do mundo. “Brasil, Estados Unidos, Lesoto. Estamos sob a liderança dos idiotas”, desdenha o lesotiano, que acredita não ser possível separar a natureza do ser humano da política, mesmo se não receber o rótulo de “ativista”. Levando em consideração o ato de resistir, que participa ativamente de Isso Não É um Enterro, o cineasta afirma que não pretendia fazer um filme político, mas, visto que ele é um produto de seu tempo, todos se tornam ativistas. “Eu sou um produto desse caos, dessa tragédia, então tudo que resulta disso eu acredito que seja resistência. Esses tempos pedem resistência”.

Sobre sua geração, Mosese é pessimista. “Eu acredito que nós falhamos. Não há esperança para ela, e eu espero a geração que ainda vai nascer. Nós somos corrompidos e não vemos mais beleza, porque estamos acostumados com o errado, com a morte”, lamenta. Talvez seja esse o motivo para o rosto marcante de uma criança ser o foco do final de sua obra.

Lemohang, um homem negro de 40 anos, está de braços cruzados em um ambiente como uma sala. Ao fundo, vemos diversos quadros com pessoas fotografadas, como Albert Einstein. Ele usa um moletom preto, brincos redondos nas duas orelhas e uma touca vermelha na cabeça. Ele tem um bigode fino e preto e um piercing no septo.
Um dos filmes que Mosese levaria para uma ilha deserta seria “A Paixão de Joana d’Arc”, dirigido por Carl Theodor Dreyer (Foto: Reprodução)

Finalizando a conversa, Lemohang Jeremiah Mosese ainda comenta sobre o Brasil e arrisca um português. “Eu nunca fui ao Brasil, mas na minha cabeça eu já estive aí antes”, brinca o diretor. Sobre seu filme preferido, Mosese afirma que não conhece muito da filmografia brasileira, mas gosta muito de Cidade de Deus, de Fernando Meirelles e Kátia Lund, e Terra em Transe, de Glauber Rocha. “Assisti Bacurau no Mubi também, foi uma viagem divertida”.

 

Por que você escolheu o formato 3:4 para o filme?

Lemohang: “É porque eu estava evitando a beleza, muita beleza. Meu país é um lugar muito bonito e poderia cair na classificação de um filme pitoresco. (risos) Eu queria focar na beleza como um personagem”.

 

Se você pudesse trabalhar com três pessoas, mortas ou vivas, quem seriam?

Lemohang: “Nietzsche, James Baldwin e… eu gostaria de trabalhar com João Batista, mas na noite antes dele ser decapitado”.

 

Quais são seus próximos passos depois de Isso Não É um Enterro?

Lemohang: “Estou escrevendo alguns filmes. Meu novo trabalho também tem um narrador. (…) Estou trabalhando em exibições de vídeo, uma será aqui em um museu de Berlim e a outra em colaboração com o festival de Roterdã”.

 

Isso Não É um Enterro, É uma Ressurreição foi o escolhido pelo Lesoto para concorrer a uma vaga no Oscar pela primeira vez.

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