“História em quadrinhos, não quadrinho em história”: Uma entrevista com Daniel Batista

Estudante de design da Unesp lança sua primeira Graphic Novel na Comic Con Experience 2016.

Daniel Batista na Comic Con Experience
Daniel Batista na Comic Con Experience

Camila Ramos

Bê-a-bá, vamos começar? Criada por Daniel Batista, Beabá é uma história em quadrinhos com uma grande dose de Brasil. Narra a história de Beto, um escoteiro apaixonado por guaraná e, motivado por isso, segue em busca da fonte da fruta junto com uma “presença inusitada no Brasil”.

Daniel Batista lançou sua primeira graphic novel na Comic Com Experience 2016, realizada nos dias 1 a 4 de dezembro. Em entrevista, Daniel conta como foi a aventura da criação dessa história: “Essa história em quadrinho eu comecei a fazer mesmo faz uns 3, 4 anos atrás, quando eu fazia um curso de desenho antes da Unesp. O interesse foi surgindo com o tempo, queria mostrar um pouco a cultura brasileira a partir da história de um personagem, o Beto. Eu acabei procurando fazer esse resgate da cultura brasileira que eu vejo que é pouco mostrado em narrativas visuais no Brasil”. O HQ mostra já no começo uma parte da mitologia indígena com a lenda do guaraná da tribo sateré mawe, do Amazonas, o qual Batista teve contato com a lenda na patrulha da tribo de mesmo nome quando participava do escoteiro.

Capa do quadrinho Beabá
Capa do quadrinho Beabá

“Eu falo cultura brasileira, mas é muito abrangente, não vou ser prepotente de definir o que é cultura brasileira ou não, porque a cultura brasileira é muito diversa e de certa forma envolve muitas coisas de outras culturas de outros países, então eu não posso separar ela dessa influência que tem de fora, e que não deixa de ser rica né. Não quero mostrar de uma forma que ‘ah a cultura brasileira é melhor’, não sou nacionalista, posso até ser patriota [risos] porque essa questão de resgatar é evidente, mas não acho que ela seja melhor que outra. É mais uma questão de introduzir, ainda mais no mundo infantil, essa mitologia que há talvez na cultura tupi-guarani” explica Daniel, e ainda “o que eu vejo nas narrativas brasileiras que resgatam essa cultura, eles focam muito em folclore, sabe, acho que é muito exótico, não é bem assim, tem o popular, tem o que se cria na cultura popular do Brasil, histórias urbanas, sabe, por que não? Então, não se restringe só ao folclore o Brasil”.

Para ilustrar essa mistura do Brasil, Daniel argumenta que “a cultura brasileira não está de forma isolada, procurei trazer outros elementos de fora. O urso não é um animal brasileiro, não queria mostrar de forma exótica o Brasil, que a gente vive no meio só de lobo guará, de araras, só animais brasileiros, queria mostrar que tem essa mistura, ele [Beto] tem uma calopsita, um animal australiano, então realmente não mostrar de forma exótica o Brasil, mas que ele se mistura em tantas outras culturas”.

O Beabá existe desde 2013 quando Daniel lançou a HQ piloto, de 20 páginas. Desde então muita coisa mudou, Batista parou um tempo para se estudar para os vestibulares, e, quando passou, Daniel recomeçou com a ideia da história. “Quanto entrei na faculdade, eu procurei aproveitar o máximo possível das coisas que tem dentro da faculdade porque eles são bem diversos, e eu faço design, e design é uma área que é muito abrangente e aí eu tive que procurar nas matérias que tinha um pouco daquilo que eu podia trazer e fortalecer a minha história, sabe, o que eu poderia fazer, por exemplo, a antropologia, foi sensacional, foi uma das melhores matérias que eu tive, foi com a Larissa Pelúcio, mas foi assim, uma matéria que para mim foi uma das principais. Todas as matérias eu fazia isso, tentava trazer para o meu universo, que é contar história”.

Durante a faculdade, Daniel também idealizou e criou o GAS (Grupo de Artes Sequenciais), um grupo de estudo na Unesp. Batista ainda conta que uma dificuldade foi conciliar a faculdade com outras coisas, mas diz que “é uma questão de se organizar, não é uma desculpa, sabe, ter outras coisa que envolve sua vida , acho que realmente tem que saber conciliar, dá para fazer tudo, dá para viver [risos], dá para aproveitar e dá para trabalhar, normal, só questão de se organizar mesmo”.

Entre outras dificuldades, Daniel conta que o roteiro levou certo tempo para ser feito. “Então, o roteiro foi uma das coisas que mais pecou assim, com o tempo e eu percebi isso que tipo, eu falei ‘não, vamos trabalhar melhor nisso e depois a gente pensa em desenhar, a gente pensa em fazer a narrativa visual’ porque acho que o mais importante mesmo é o roteiro, e acho que essa foi a maior dificuldade”, afinal o quadrinista fala “roteiro é a coisa principal assim, sabe, porque é história em quadrinhos, não é quadrinhos em história”.

Mas nem tudo foram apenas complicações. “Acho que a maior gratificação vai ser ter esse contato com o público lá na Comic Con, sabe, acho que o trabalho de quadrinista é, por muito tempo, sozinho, sabe, na hora de produzir é você e o papel, não tem muito como fugir disso, por que é uma produção intensa, é muita coisa para fazer – não que essa parte seja chata [risos], é legal, você ali, introspectivo com o seu trabalho – mas agora que acabou essa parte, e eu vou mostrar para as pessoas e a obra se separa do autor, sabe, a obra fica maior que o autor. Acho que essa é a maior gratificação nem tanto por eu ser quadrinista, mas por esse quadrinho estar agora lançado por contar uma história”.

A Comic Com Experience é um evento que reúno os maiores quadrinistas, ilustradores e empresas, onde acontecem vários lançamentos e onde os fãs podem conhecer seus maiores ídolos, segundo Daniel “a Comic Con em si é um evento motor de produção brasileira dos quadrinhos assim como outro evento que é muito famoso aqui que é o Festival Internacional de Quadinhos (FIQ), são dois eventos que mais movimenta assim, a produção nacional nos quadrinho”, e diz “Na Comic Con eu realmente vou ver, sentir o que é estrar em um evento, trocar uma ideia com o público de verdade de quadrinhos, aqueles que consomem, que todo ano está indo em eventos e vai ser muito legal que além do público vai ter pessoas que fazem quadrinhos ao meu lado, tipo, vai ser muito legal fazer contato lá, e conhecer mesmo como é essa loucura de estar em um evento de quadrinhos que está crescendo muito no Brasil agora”. Ele soube em junho que estaria na CCXP, na segunda chamada das inscrições, junto com seu amigo, também quadrinista, Bruno Soares.

Como já citado, o evento aconteceu nos dias 1 a 4 de dezembro, Daniel Batista respondeu sobre sua experiência pós Comic Con: “a gente nunca atende nossas expectativas que vê em mente, de forma negativa ou positiva. E no caso da CCXP, meu primeiro evento de lançamento, foi sensacional! Quando digo isso, não se resume apenas a vendas, mas principalmente ao contato com o público e conhecendo pessoas muito fodas. Na real, esse sempre será o maior ganho! Espero poder estar nesses eventos no ano que vem!”.

photo_2016-12-19_15-36-01
Interior da HQ

Lendo e analisando a história, Beabá é uma história cheia de brasilidade, como dito anteriormente, começa já com a lenda do guaraná, com indígenas e a mitologia tão forte para enraizar não só o curumim Aguiry, mas toda a essência brasileira. Beto, o personagem principal é um escoteiro que sonha com a possibilidade de desbravar o Brasil em busca da fonte do guaraná. Em uma de suas atividades no escotismo, ele encontra a floresta de tupã, junto com uma surpresa inesperada. E aí começa sua aventura.  

A história tem um ar cômico, aventureiro e, sobretudo, brasileiro. Ao fim da história, eu fico dividida entre “cadê o resto?” e o gostinho de quero mais. Sinto que é curto para saciar toda a vontade de aventura do leitor, mas só essa apresentação de uma história, que espero que continue, já deixou um divisor entre o Beabá e outras histórias brasileiras que encontramos por aí, como Daniel Batista disse, é usual encontrarmos histórias que tem como enfoque o folclore, sabendo que há muito que explorar da mitologia indígena, trazendo eles para o urbano, para presença inusitada que é um animal estrangeiro… Daniel explora o que o Brasil é: sim, ele é urbano; sim, ele tem florestas; sim, tem lobo-guará; sim, tem mitologia indígena e sim, tem influência estrangeira.

Concluo com uma dica do quadrinista e estudante de design, Daniel Batista: “uma dica para quem quer fazer quadrinhos mesmo é pegar motivação assim, em eventos que possam movimentar essa produção, sabe, colocar um prazo nesses eventos, sabe, porque movimenta muito assim, a produção, eu nunca produzi tanto na minha vida quanto agora assim [risos] como foi com a motivação da Comic Con”.

Deixe uma resposta