Ana Laura Ferreira
Quando se trata de de rock há um senso comum de que o Queen é uma das melhores bandas de todos os tempos e isso por conta não só de suas letras altamente contagiantes ou por seus hits clássicos, presentes em filmes, séries e comerciais, mas, principalmente, por causa de seu vocalista, Freddie Mercury. Esse que é considerado uma lenda musical com seu alcance vocal sobre-humano e seu carisma irreverente capaz de encantar até mesmo aqueles que não são fãs. E é exatamente sobre esse astro do rock que se trata o mais novo longa da 20th Century Fox, Bohemian Rhapsody.
Apesar de apresentar um panorama geral da formação e consagração da banda, o filme tem como foco principal a trajetória de Mercury, abordando questões da sua vida pessoal como a relação com a família e sua sexualidade. Sem cenas explícitas, por conta da classificação indicativa, o longa deixa subentendido os excessos da vida boêmia do cantor.
Interpretado pelo ator Rami Malek, da série americana de sucesso Mr. Robot, o cantor apresenta uma personalidade caricata durante todo o longa, o que, apesar de funcionar dentro da trama, quebra o sentimento de realidade e naturalidade da narrativa. A dublagem das músicas também pode atrapalhar a experiência do filme, já que o ator não consegue entregar toda a carga emocional que o cantor apresentava nos palcos. Entretanto, quando se trata dos trejeitos e modos de Freddie Mercury, não há como criticar a fantástica e quase impecável semelhança entre o personagem de Malek e a vida real. Assim, um dos pontos mais positivos do filme é a preocupação com a caracterização dos personagens, os figurinos e os cenários que são perfeitamente arquitetados para se assemelhar ao máximo com a realidade da época.
O longa tem como ponto alto o show Live Aid – festival de rock realizado em 1985 com o objetivo de arrecadar fundos para combater a fome na Etiópia –, considerada a apresentação mais importante da carreira da banda, a qual, numa escolha arriscada do roteiro, é apresentada quase inteiro em uma cena contínua capaz de fazer com que o espectador se sinta parte da plateia. Essa imersão também se dá graças a trilha sonora composta pelos principais sucessos do Queen. Porém, o clima nostálgico que os hits trazem não é suficiente para apagar erros de cronologia que o filme decide tomar: o maior exemplo é o show no Rock in Rio em 1985, retratado cinco anos antes do ocorrido. As mudanças podem fazer com que aqueles que já conhecem toda a história da banda percam um pouco do encanto do filme.
Outro ponto que pode vir a prejudicar a experiência é seu primeiro ato extremamente corrido, que acaba por passar a ideia de que a ascensão da banda foi fácil e sem obstáculos. Entretanto, estes erros podem ser justificados como uma decisão consciente da direção do longa que prioriza abordar questões mais essenciais da vida de Mercury, como a descoberta da doença que viria a tirar sua vida e a história da banda propriamente dita. Assim, a cronologia alterada e a rapidez, mesmo incomodando, cumprem seu propósito de criar uma linha narrativa semelhante a “jornada do herói”, na qual acompanhamos a ascensão, a decadência e, por fim, a redenção do cantor simbolizada no show Live Aid.
Dessa forma, Bohemian Rapsody pode ser entendido como um conto épico, no qual seu ‘herói’ é idealizado e colocado como uma espécie de divindade perfeita, o que faz com que as responsabilidades por seus erros sejam transferidas para outras pessoas, neste caso para o agente pessoal de Mercury, Paul Prenter, que representa o ‘vilão’ da história.
Por conta da data de lançamento do longa é impossível não haver comparações com Nasce Uma Estrela, que também tem a música como plano central. Apesar de sua grandiosidade, Bohemian Rhapsody não foi pensado para ser um grande filme de sucesso entre os críticos ou com o intuito de acumular prêmios, mas sim como um tributo aos fãs da banda e de Freddie Mercury, diferente do longa protagonizado pela Lady Gaga, que foi produzido para as grandes premiações.
Bohemian Rhapsody é um filme capaz de fazer até mesmo aqueles que não são fãs da banda se contagiarem com sua energia e musicalidade. Com muitos momentos de ápice, marcados por músicas como We Will Rock You e We Are The Champions, é impossível assisti-lo sem cantar ou bater palmas. O longa, que foi pensado e feito para que pudéssemos ser transportados para a década de 1980 e acompanhar os shows dessa banda tão aclamada até os dias atuais, funciona e encanta por sua beleza e incomparável trilha sonora.
Obrigado, Ana Julia, ainda não vi o filme mas seu texto traz considerações importantes.