Lorrana Marino
O som dos saltos altos das quatro integrantes do grupo musical sul-coreano Blackpink é a primeira música que toca no documentário Blackpink: Light Up the Sky, produzido pela Netflix. Embora seja apenas um caminhar sobre o palco, para os fãs que acompanham mais de perto a trajetória das meninas, a emoção cresce quando percebemos que se trata do dia do debut (estreia) oficial de Jisoo, Jennie, Lisa e Rosé, em agosto de 2016. Em um corte preciso somos levados para a contemporânea realidade de sucesso do quarteto, onde a música que abre o agora é DDU-DU DDU-DU, com mais de 1.3 bilhão de visualizações no Youtube, um verdadeiro contraste.
Sucessoras do 2NE1 – último grupo feminino em sete anos da YG Entertainment – elas ultrapassaram a fronteira asiática e chegaram ao ocidente como o primeiro k-pop group a se apresentar no Coachella, o que foi um verdadeiro sonho realizado para as garotas e, sinceramente, para os fãs também. “Quem imaginaria milhares de pessoas cantando em coreano?”, questiona Jennie com um sorriso no rosto.
A verdade é que Blackpink cresceu rápido. Com quatro anos de existência, o grupo tem seu próprio documentário, expondo o fenômeno e o talento das garotas. Entretanto, o mesmo não aconteceu para o BTS, por exemplo, que embora atualmente seja mundialmente famoso, já acumula sete anos de indústria. Eu me lembro da primeira vez que ouvi Dope, com quinze anos eu jamais imaginaria que aos vinte escutaria Dynamite tocar na rádio. O fato é: o k-pop está ganhando atenção internacional.
Em termos de musicalidade, a música pop sul-coreana é apenas um estilo musical como qualquer outro. Assim como a Coréia do Sul também produz rap e rock, eles produzem pop, tal qual a França, a Alemanha e o Brasil. Ou seja, é só uma questão de se você irá se adaptar com a língua que está sendo cantada. Porém, quando falamos de indústria e cultura, aí sim podemos diferenciar melhor o k-pop.
E é aí que em uma mudança de contexto o documentário sai dos holofotes mundiais e entra nas ruas de Seul, capital da Coréia do Sul, mergulhando na intimidade das artistas. Da emoção que elas sentem ao ouvirem Sour Candy – música em colaboração com Lady Gaga – pela primeira vez à insegurança de Rosé em cantar seus sentimentos, o estúdio é onde começamos a ver o que há por trás de Blackpink. A primeira informação que chama atenção é a de que às vezes Rosé fica até às 6 da manhã na sala de gravação e o próprio produtor, Teddy Park, se espanta com a dedicação da integrante.
Entretanto, é isso que diferencia o k-pop, como a própria Jennie explica, é o tempo em que se passa em aperfeiçoamento. Amparados por grandes empresas, os artistas sul-coreanos que vemos produzindo músicas passaram por anos de treinamento em dança, canto, instrumentos musicais e rap antes de debutarem na indústria do entretenimento. Diferente do ocidente, onde muitas vezes um canal de covers no Youtube é suficiente para que um músico nasça, muitos treinees – como são chamados os aspirantes a artistas sul-coreanos antes do debut – sequer alcançam sua chance de estrear, pois são eliminados nas seleções das empresas.
Entrando melhor nessa realidade, somos introduzidos a cada uma das integrantes separadamente. Descobrimos que Kim Jennie (na ordem coreana, primeiro apresenta-se o sobrenome e depois o nome próprio) nasceu na Coréia do Sul, mas se mudou aos 10 anos para a Nova Zelândia, e enquanto fala com o espectador, mistura inglês e coreano. Aos 24 anos a cantora vive cheia de dores e comenta sobre ser uma “velhinha” que se cansa mais rápido que as outras.
Em sequência, Lalisa Manoban (Lisa) expressa sua preocupação em ser um bom exemplo para seus fãs tailandeses – seu país de origem – enquanto conversa em coreano, inglês e tailandês. Kim Ji-soo (Jisoo) aparece timidamente na tela durante sua audição para a empresa e revela que seus parentes a rejeitavam por ser ‘feia’. Por fim, Park Chae-young (Rosé) chora ao lembrar da família, a artista que cresceu na Austrália encontrou em Lisa a irmã que deixou para trás quando se mudou para a Coréia do Sul após passar na seleção para fazer parte do grupo de treinamento da YG.
A pressão dos anos de treinee soa como um uníssono nos diferentes relatos das quatro integrantes. Jennie se sente triste por não ter memórias de ensino médio enquanto Jisoo considera uma bênção ter entrado alguns anos mais tarde no treinamento, podendo ter tempo de viver algumas experiências juvenis, reunir amigos e ir à escola. Embora nenhuma se arrependa dos anos pré-debut, é clara a mensagem de que a formação de um artista no mundo do k-pop não é feliz. As garotas enumeram restrições e sentimentos como insuficiência, tristeza e solidão.
O espectador compreende que ser treinee é ensaiar 14 horas diárias e encarar todos ao redor como concorrentes. É esperar anos sem saber se realmente será escolhido para estrear ou ser mandado para a casa no próximo mês. Essa realidade presente na vida da grande maioria dos artistas sul-coreanos, no entanto, não é uma novidade para a maioria dos fãs que estão aprofundados na história de seus grupos ou solistas preferidos. Isso talvez ajude a explicar o porquê de o menosprezo que alguns têm pelo k-pop gere desconforto no público que sabe o que há por trás daqueles 3 minutos de videoclipe em que alguém despejou hate.
O tom de crueldade da indústria, no entanto, fica para trás, e se torna divertido descobrir que na primeira noite em que Rosé chegou ao alojamento da YG, as quatro se reuniram em um quarto e ficaram cantando até tarde, sem imaginar que anos depois se tornariam Blackpink. E para os blinks – como são chamados os fãs do grupo – se torna difícil não se emocionar ao ouvir Whistle ou rever as primeiras apresentações das garotas, tudo para ilustrar o início da ascensão.
O fascinante do grupo, como Teddy comenta, é como as diferenças delas se completam. Desde os gostos culinários até a forma de vestir, cada integrante tem seu próprio mundo. O que é ressaltado em um dos detalhes mais interessantes do documentário: os quatro cenários diferentes. As entrevistas são feitas com cada uma em particular, e os fundos minimalistas distinguem-se em cores e ângulos, formando visões diferentes de um mesmo local. E talvez seja isso que signifique k-pop afinal: novos ângulos, produções e organizações para um estilo musical comum a muitas culturas, o pop.
Para os fãs, acompanhar aproximadamente uma hora e vinte minutos sobre a trajetória de Blackpink é prazeroso, embora não tão novo devido à já haver vlogs e até um reality show chamado Blackpink House, disponível no Youtube. Contudo, ouvimos histórias novas e divertidas, percebemos melhor a dinâmica profissional das integrantes, sentimos sua ansiedade e vemos os shows de cima dos palcos. É uma ótica nova. Para os novos blinks ou curiosos, aprende-se sobre quem são as quatros garotas por trás dos figurinos bonitos, coreografias interessantes e vozes únicas. Como um todo, encaramos os medos e sonhos de seres humanos que muitas vezes são vistos apenas como entretenimento e que aprenderam durante anos a estar sempre com os movimentos perfeitos, esbanjando um sorriso e com a afinação sempre correta.
Blackpink: Ligh Up the Sky é, acima de tudo, um documentário que desperta empatia e admiração, nos ensinando que o estilo k-pop não é um bicho de sete cabeças, apesar da indústria desgastante. Jennie, Jisoo, Lisa e Rosé são artistas que treinaram muito para chegarem onde estão, o quarteto quer contar histórias ao mundo através de suas músicas e fazer o seu melhor para os fãs. A cena final das quatro integrantes comendo e conversando sobre o futuro, traz a compreensão de que todo esse sucesso é apenas o começo e ainda ouviremos “Blackpink in your area” em diversos locais.