Better Call Saul, não Walter White

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Victor Pinheiro

Se você assistiu Breaking Bad, Better Call Saul pode ser uma ótima série para você. Se não assistiu, também. O mais novo seriado de Vince Gilligan e Peter Gould, produzido pelo Netflix, conta a história do advogado corrupto Saul Goodman (Bob Odenkirk), ainda conhecido por James McGill, seis anos antes de conhecer Walter White (Bryan Criston) em Breaking Bad. No entanto, apesar de BCS, de certo modo, aproveitar-se do saudosismo e empolgação dos fãs de BrBa, a série possui sua própria identidade.

O protagonista James McGill, como era de se esperar, é esmiuçado e tem suas virtudes e conceitos éticos problematizados. Apesar das expectativas dos fãs de Walter White direcionarem para o futuro, Gilligan e Gould, não deixaram de explorar o passado de McGill antes mesmo de BCS. Conhecido por Slippin’ Jimmy, o protagonista aplicava pequenos golpes para ganhar dinheiro fácil ou tirar vantagem de alguma situação. Com o intuito de sair dessa rotina, Jimmy se muda para Albuquerque para morar com seu irmão e profissional da lei muito respeitado, Chuck McGill (Michael McKean). Inspirado, cursa ensino superior em Direito à distância e passa no exame da ordem dos advogados.

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Como advogado, James goza da incrível retórica que o fez ser admirado em Breaking Bad, mas acaba virando ‘porta de cadeia’ e  vive constantemente em conflito com o seu passado. A série acerta em cheio ao explorar a fundo o universo do direito e seus problemas éticos e humanos. Jimmy representa a linha tênue da conduta ética e não ética de um profissional da lei, mas também desmistifica a imagem intocável do direito ao ressaltar todas as dificuldades e preconceitos sofridos por um advogado sem expressão nos Estados Unidos.

O protagonista é exposto direta e indiretamente a situações corruptas e esnobado pelo escritório de seu próprio irmão, associado a Howard Hamlin (Patrick Fabian). Consolidando a figura de Jimmy como pilantra e ao mesmo tempo injustiçado. Se tratando de uma série sobre o mundo da lei, Vince Gilligan e Peter Gould não deixariam de lado a principal questão do poder legislativo, a justiça. Como em Breaking Bad, o criador da série usa muito bem as personagens coadjuvantes.

Chuck apesar de possuir uma conduta profissional impecável  fica devendo nas relações humanas e ressalta seu lado arrogante. Já Hamlin figura um personagem orgulhoso e metido, a não ser em relação a Chuck, por quem nutre imenso respeito. Assim como nas relações entre escritórios, nas quais percebe-se grande puxa saquismo e falsidade entre os profissionais.

Essas contradições dos personagens passam a impressão que o comprometimento com a justiça e com os valores morais estão da porta para dentro dos escritórios, que mesmo assim ainda se desvirtuam em prol dos negócios e da fama profissional. Em contrapartida, temos Kim Wexler (Rhea Seehorn),  amiga próxima de Jimmy que parece ser a única pessoa a apoiar e acreditar no potencial do personagem de Odenkirk. Apesar de ser uma das principais advogadas da HHM, Kim sofre com a conduta autoritária de Howard.

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Fora do universo da advocacia a série explora ainda mais a paixão dos fãs de BrBa. Além de retratar as negociações no mundo do crime de maneira parecida, Better Call Saul explorar outro personagem muito querido, Mike Ehrmantraut (Jonathan Banks). Sim, o mesmo guarda costas do drug lord Gustavo Frings. Mike continua a ser o velho durão e metódico que faz trabalhos isolados, geralmente de guarda-costas, no mundo do crime. Mas dessa vez, seu passado é decomposto e sua figura mais humanizada, no entanto, sem violar as características resolutas da personagem. Além de cruzar com Jimmy em boa parte da série, a interpretação de Banks também se encontra com outras figuras conhecidas de BrBa, o traficante Nacho Varga (Michael Mando) e seu chefe icônico Tuco Salamanca (Raymond Cruz).

Sem dúvidas, as personagens são um dos grandes méritos de Better Call Saul. Mas a direção da série não deixa a desejar. Os ângulos de filmagem são variados e experimentam as sensações do espectador. Algumas vezes dentro de objetos, outras valorizando a influência do cenário sobre o personagem enquadrado, a dinâmica tornam a fotografia da série criativa e prazerosa.

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Além disso, a exemplo de Breaking Bad, a obra traz o uso constante de rimas visuais e jogos com os sons e ruídos dos personagens e objetos da série.  Estabelecendo mais uma vez diversas formas de diálogo que dão um tom característico para Better Call Saul. Vale ressaltar que essas dinâmicas e variações são, provavelmente, consequência da alternância de diretores. Apesar de Vince Gilligan e Peter Gould  serem vistos como criadores e diretores da série, somados conduziram apenas três episódios até o momento. Compartilhando a cadeira com outros nove profissionais.

Gilligan e Gould souberam aproveitar muito bem a personagem de Saul Goodman em Breaking Bad e as ótimas atuações de Bob Odenkirk representando o cômico advogado pilantra. Se não bastasse, mergulharam a fundo nas características de Jimmy e sacaram como aproveitar as expectativas do fãs de BrBa sem transformar Better Call Saul em uma mera cópia ou side history. Pelo contrário, atribuíram identidade e consistência ao enredo da série, tornando a Better Call Saul agradável mesmo para os leigos em Heisenberg.

A segunda temporada já está no ar com  novos episódios todas as terças no Netflix.

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