American Football e a entrega da chave-mestra

Depois de 17 anos, o American Football não quis sair da zona de conforto idealizada no primeiro disco da banda, em 1999. Porém, Mike Kinsella, o vocalista da banda, abre um pouco as portas da sua casa e nos mostra seus fantasmas, amadurecimento e nostalgias.

Mike Kinsella: o que importa é o coração (de 16 anos).
Mike Kinsella: o que importa é o coração (de 16 anos).

Adriano Arrigo

“Where Are We Now?” é a faixa magistral e emocionante que abre o novo álbum do American Football e denuncia, precisamente, o que os novos e os velhos admiradores da banda de Illinous podem esperar de seu retorno em um disco inédito em quase 18 anos. A voz arrastada de Mike Kinsella – o menino de 39 anos que aparentemente não envelhece – pergunta: estamos ambos sozinhos na mesma casa – você saberia disso se eu não tivesse dito? E, assim, American Football LP2 (AFLP2) continua a jornada em direção a essa casa que, para muitos já é familiar, mas, dessa vez, com a promessa da entrega da chave-mestra.

Do lado esquerdo, o álbum de 1999 e, ao seu lado, o álbum de 2016.
Do lado esquerdo, o álbum de 1999 e, ao seu lado, o álbum de 2016.

Nos primeiros toques que abrem o disco, é possível sentir toda a áurea que calcificou a banda dentro da bolha indie dos anos 90, mais ainda, especificamente, dentro do discutível gênero emo. E isso poderia soar infantil e démodé em pleno 2017, deixando até brecha para que um raivoso “cresçam!” possa escapar. Sobre esses aspectos, é difícil julgar a emoção que cabe na música da banda. Taxá-los como emo após quase vinte anos que a cena parece ter morrido soa como querer ressuscitar algo que está completamente preso no âmbar de seu tempo. “Porque só um gênero é emo e os outros não? Não seria The Smiths a banda mais emo que já existiu? Toda a música boa não é emocional? Se sim, Tori Amos é bem emo”, desabafa Steve Holmes, o guitarrista da banda, em uma entrevista pra revista Rolling Stone.

 O trio em 1999. A despeito dos rótulos, meninos prodígios.
O trio em 1999. A despeito dos rótulos, meninos prodígios.

Ainda mais na esfera da música dos últimos anos, em que há passos consistentes desenhando complexas histórias sobre relacionamentos amorosos muito mais plurais, é importante – e até necessário – revisitar American Football para descobrir a moldura que a banda idealizou. É claro que nesses anos Kinsella e seus comparsas amadureceram e não se limitaram mais a continuarem a expressarem-se apenas sob a linha de relacionamentos adolescentes. Pelo menos nesse disco, eles se desdobram em outros temas, como é o caso de “Desire Gets in the Way” e “Born to Lose” que ultrapassam essa linha emotiva da banda e quebra os verbos em cima de questões ligadas aos desejos e os aprisionamentos que um relacionamento pode estabelecer. Entre outros temas, a romantização de um relacionamento idealizado é discutido: “você parece um inferno”, canta docilmente Kinsella com sua voz também muito mais madura em “Home Is Where The Haunt Is”.

A mudança de temas, porém, está sempre atrelada a um ar nostálgico de relações efêmeras em um retrato-polaroide que, obviamente, a própria banda é. Em “Everyone Is Dressed Up”, Kinsella, afiado, diz “Nas noites selvagens que nós eramos mais jovens, pensávamos que iríamos viver para sempre/Nosso amor será certamente esquecido pelos historiadores /Perdidos para sempre nas correntes do tempo”. Em outras mais tristes, como “I’ve Been So Lost For So Long”, a autodepreciação (“você não pode acreditar em um homem que não pode encontrar o caminho para casa”) e os resquícios de adolescente tímido e deslocado voltam a estar no radar da banda. Aliás, “I’ve Been So Lost For So Long” nos lembra o porquê todo esse tempo eram grande as expectativas por novas composições da banda; ela é um excelente exemplo do potencial da banda em demonstrar suas habilidades musicais a partir de tomadas rápidas dos instrumentos somadas a pequenas explosões introvertidas das baterias inconfundíveis que acompanham sempre melancólicos arranjos de violinos.

Mas há algo que a banda perdeu visivelmente nesse tempo, e isso não está relacionado diretamente as composições de suas letras, mas trata-se, inclusive, do que fez o American Football se diferenciar de todas as bandas que jorraram com os mesmos temas em 90. Embora o instrumental desse novo disco tenha o selo American Football de garantia, e até mesmo testem novos formas de delicadeza, como os dedilhares de violão na supracitada “Home Is Where The Hunt Is” ou os arranjos de violinos acompanhado de trompetes em “Everyone is Dressed Up”, AFLP2 não se aproxima dos arranjos dos clássicos American Football EP e American Football, o primeiro e o segundo lançamento da banda, respectivamente. Não há nenhuma música nesse novo disco que contenha longos instrumentais que preparam solo para as letras de Kinsella e tão pouco possui melodias fortes e surpreendentes tais como há em “I’ll See You When We’re Both Not So Emotional”, “The One With The Wurlitzer” e na longuíssima e necessária “Stay Home”, todas presentes no álbum de 1999, que o fizeram furar a bolha emo e se arriscarem em engenhosos gêneros musicais pouco explorado, como o caso do math rock com sérias oscilações para o jazz.


Essa vida, tão social, tão emocional…

Aliás, com a voz mais madura de Kinsella, o American Football parece estar se aproximando dos cânones indie cansavelmente já explorados há, pelo menos, duas décadas. É claro que AFLP2 é um disco que segue diretamente o disco de 1999, e há muito mérito em manter sua precisão e seu saudosismo, mas Kinsella e seus amigos tomaram isso um pouco literalmente demais no peito. Em 17 anos, será que Kinsella descobriu apenas que um relacionamento amoroso quando consumado escapa da idealização do amor de verão e seus percalços vão além de casuais falta de compreensão? Acreditamos que não. Porém, a revista que Kinsella nos convida a fazer à sua própria casa poderia ter sido, de fato, com todas as portas abertas e com a chave-mestra em mãos, como ele mesmo diz na música que abre o álbum. Assim, talvez, nos não correríamos o risco de ter ficado preso no corredor de entrada onde há quase nada de novo para experimentar.

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