Laura Hirata-Vale
Dentro de nossas veias e artérias, por meio do plasma, viajam as hemácias, as plaquetas e os leucócitos. O fluido vital que permeia nossas vidas pulsa e leva com ele o ferro, o vermelho, a hemoglobina. Quando rompidos, o sangue extravasa, sendo acompanhado – na maior parte das vezes – pelo choro e por fortes emoções. Ele também é responsável por esquentar e aquecer o corpo, em situações de perigo e excitação. Já na corrente sanguínea da 5 Seconds of Summer, podemos encontrar a dor, a doçura e o melodrama.
O líquido escarlate e viscoso também é personagem principal de histórias de vampiros, de amor e de loucura, além de representar os mais variados sentimentos do ser humano. Com uma grande pontada aflitiva, eles são aspectos que machucam e encantam de uma forma inesperada. O sangue jovem e reativo da banda diz, com versos repletos de ardor: “lembre-se das palavras que você me disse: ‘me ame até o dia que eu morrer’”. De forma raivosa, emocionada e cheia de decepção, nascia – em Junho de 2018 – o terceiro álbum da banda australiana: o grande e aclamado Youngblood.
Com apunhaladas melódicas, o grupo australiano prova que não é mais composto por adolescentes e que agora são jovens adultos. Desiludidos com a juventude, o quarteto formado por Ashton Irwin, Calum Hood, Luke Hemmings e Michael Clifford mostra – de maneira nua, crua e intimista – seus desapontamentos em relação ao mundo e à realidade. Deprimidos após términos de relacionamentos, com pequenas bolhas de esperança para o futuro, o grupo faz experimentações sonoras e mostra as dualidades da jovialidade e da música, indo de ritmos rápidos e oitentistas para canções calmas e dolorosas, que machucam e cortam qualquer um.
Beirando o escapismo – afinal, “o tempo acabou, e o fim é apenas um sonho” –, a banda apresenta seu ápice da paixão e seu ponto mais baixo da tristeza. Com constantes ondulações de humor, Youngblood faz um retrato sincero sobre o que é ser um jovem adulto: sofrer, amar, dançar, transar e festejar. Em um ode ao ultrarromantismo, a 5 Seconds of Summer segura em suas mãos corações arrancados do peito, por meio de uma overdose sentimental e boêmia. Coberto pela cor carmim, o disco retrata a madrugada obscura como um período cheio de segredos – “se estas paredes pudessem falar, eu espero que eles não digam nada” –, insônia e reflexões.
Reflexões estas que, durante as dezesseis músicas, passam pelas fases do luto pós término de relacionamento. O disco gira majoritariamente ao redor da barganha – temos como exemplo o grandioso single e faixa-título Youngblood, responsável pelo primeiro bilhão de streams da banda, e na canção Lie To Me –, além do tom colérico da faixa Moving Along, que representa fielmente a fase da raiva. Porém, o álbum possui um dulçor açucarado feito de caramelo, crocante e vermelho, igual a uma maçã do amor pecaminosa, tóxica e envenenada.
Feita para ser mordida e apreciada, Valentine chega para celebrar a paixão do Dia de São Valentim, com todos os sabores adocicados e melosos que a data pode trazer. Em versos como “eu amo a luz nos seus olhos e a escuridão no seu coração”, “não tenho nada além de amor por você, me apaixono mais a cada dia” e “tão profundo, seu DNA está sendo bagunçado com meu toque”, a 5 Seconds of Summer – além de mostrar seu lado amoroso –, apresenta sua versão sexy, efervescente, que beira o erotismo romântico. Como a cereja do bolo, a faixa ainda possui toques vibrantes no baixo, e construções brilhantes – e cheias de glitter – em sua melodia e em seu clipe, que fazem um ode ao glam rock e ao New Wave.
No single Lie To Me, vemos a tentativa de superar o fim de uma relação. Produzida por Andrew Watt – o responsável por Señorita, de Shawn Mendes e Camila Cabello, e por Eastside, de benny blanco, Halsey e Khalid –, a música possui vocais harmoniosos e sofridos, que lembram uma rouquidão pós choro. Com versos delicados e doloridos – “mas se eu te perguntar se você me ama, eu espero que você minta para mim” – mostra o sentimento amargo que nos ocorre quando vemos um antigo amor. Why Won’t You Love Me, por sua vez, foi construída de forma avassaladora, usando a sobreposição e repetição de vozes e instrumentos. Mostrando a ansiedade e os conflitos presentes em um relacionamento em demolição, percebe-se uma ambiguidade no eu-lírico da faixa: quem faz a pergunta “por que você não me ama?”? O narrador em primeira pessoa ou o personagem da narrativa?
Porém, um dos maiores destaques do disco é a faixa Ghost Of You. Tida como um dos maiores feitos líricos da carreira da 5 Seconds of Summer, possui um ‘quê’ poético, deprimente, de partir qualquer coração em milhares de pedacinhos. Nua, crua e cheia de emoção, a banda mostra um lado vulnerável, machucado, visto antes nas canções Amnesia e Jet Black Heart, dos primeiros dois álbuns. Refletindo sobre a perda de um grande amor, há a dúvida se é um simples término de relação, ou se o ‘fantasma de você’ é literal, por ser a morte de um amado. Seria a 5SOS “muito jovem, muito idiota, para saber coisas como o amor”? Quando será que estamos prontos para amar? Ou será que já nascemos prontos para isso?
A dor da canção é tangível, quebradiça, e, de forma extraordinária, encanta belamente. A sonoridade acompanha a qualidade lírica com detalhes graciosos. Os toques delicados no piano, acompanhados dos vocais melodiosos de Luke Hemmings no silêncio oco e absoluto, e – com a adição gradual de instrumentos – beiramos uma sensação esotérica inexplicável. As harmonias de Ghost Of You são surpreendentes e afirmam como a 5 Seconds of Summer evoluiu em todos os âmbitos musicais nos quase três anos de hiato entre Sounds Good Feels Good (2015) e Youngblood (2018).
Youngblood, mesmo depois de cinco anos, ainda prova que a juventude corre solta em suas veias e artérias. Considerado como um renascimento da banda, o disco mostra o amadurecimento pessoal e musical da carreira da 5 Seconds of Summer. Sendo um grande favorito dos fãs – e até do próprio quarteto –, ele é lembrado sempre em turnês e em shows, com performances impactantes e cheias de energia. Triunfal, o terceiro disco nos deu a certeza que o grupo australiano tem fogo, oxigênio e histórias de sobra para contar e cantar. Jovens, apaixonados, melodramáticos e com seus corações partidos, a 5SOS entra em combustão e sempre “nos encontrará lá”, na madrugada sombria, doce, sangrenta e amanteigada de Youngblood.