Nathalia Tetzner
Celebrando 60 anos de vida em 2023, Maria da Graça Meneghel entrega a figura estelar da Rainha dos Baixinhos nas mãos da roteirista Camila Appel e dos diretores Pedro Bial, Cássia Dian e Mônica Almeida que, em Xuxa, o Documentário, resgatam os momentos cruciais do maior fenômeno da história do entretenimento brasileiro. Dividido em apenas cinco episódios liberados semanalmente pela plataforma de streaming Globoplay, o seriado tenta o impossível: compilar décadas de uma trajetória estratosférica. E, com as cortinas do espetáculo despencando na frente do espectador, o produto final cai, mas não sem atirar o brilho da fantasia de volta.
Isso porque, ainda que a realidade cruel dos fatos voem na velocidade de um foguete em direção ao público, geracionalmente encantado pelo mundo colorido dos programas de Televisão comandados pela loira mais carismática do país, o ponto alto da narrativa é atingido justamente graças à retomada da magia utópica dos anos 1980 e 1990. Afinal, a equipe por trás de Xuxa, o Documentário confronta a difícil tarefa de invadir o pessoal de uma imagem consolidada que, frente às inúmeras exposições por parte de sua ex-empresária Marlene Mattos, sempre tentou reservar o campo privado, ao mesmo tempo em que o trabalho tomou conta de tudo.
No entanto, apesar de discreta, a apresentadora nunca foi uma persona ou alguma máscara para esconder um dilema. Com isso, a grande sorte da produção é a simples presença da Rainha dos Baixinhos como a protagonista central, uma vez que não existe uma face oculta a ser desvendada. Como ela própria descreve no documentário, Xuxa se tornou algo entre uma babá eletrônica e a professora que não puxa a orelha quando os televisores passaram a fazer parte do convívio diário das famílias, assim, com tamanho fanatismo e incontáveis situações icônicas, não sobra muito espaço para adentrar com a devida profundidade em seu íntimo.
É quando o documentário consegue brechas de privacidade que o seriado parece finalmente engatar, porém, até isso acontecer, os capítulos Supernova e O Mundo a Seus Pés esbarram nas grandes conquistas da carreira artística de Xuxa, o que, primeiramente, não prova nada para além do que já é de conhecimento geral. Mesmo que possam ser considerados os mais fracos em termos de atratividade, principalmente por atravessarem de forma rasa por tópicos sensíveis – como o breve encontro com o ator mirim do filme Amor Estranho Amor (1982) –, ambos acabam sendo mais coerentes em comparação aos demais.
Genuína, Maria da Graça Meneghel ultrapassou o público-alvo infantil para se consagrar na cultura como um todo. Firmando parcerias duradouras com a emissora TV Globo e a gravadora Som Livre, a Rainha dos Baixinhos criou até mesmo uma das profissões mais desejadas pelas jovens do século passado: o cargo de paquita. Alta, loira e dos olhos azuis, ela passou a ser um biotipo a ser vendido e exportado mundo afora como uma boneca, em que nem mesmo o fracasso comercial nos Estados Unidos, território da primeira assistente de palco negra – outra questão abordada com rapidez pelo seriado –, a impediu de ser um símbolo universal.
O roteiro de Camila Appel, por vezes inconsistente em meio a desnecessária ênfase nos relacionamentos amorosos de Xuxa, finalmente encontra a fórmula mágica com Amor, Morte. Vida, Fogo. Embora trate Ayrton Senna e Adriane Galisteu com uma falta de senso vergonhosa, o capítulo acerta como nenhum outro ao abordar os efeitos colaterais do fenômeno, ao mesmo tempo em que deixa nítido como a apresentadora é realmente tudo que ela representa. Aqui, os depoimentos do segurança Magno Chaves e a exibição inédita do nascimento da filha, Sasha Meneghel, elevam a qualidade sensível do conteúdo ao ápice.
Tal comoção se repete no episódio final Uma Velha Chocante, que exibe a tomada do controle da narrativa por parte de Maria da Graça Meneghel. O desfecho tem lá a sua dose de moralismo e propaganda, mas vem em ótimo momento por suceder o fatídico reencontro da artista com sua ex-empresária, Marlene Mattos. Sentadas em uma sala de teatro com Pedro Bial constantemente interrogando as duas, Encontros e Despedidas embrulha o estômago e somente uma rede social tão inóspita como o Twitter, agora X, poderia julgar que Mattos teria saído por cima quando ela admite não se arrepender de grande parte dos seus atos.
Às vezes perdida no universo de infinitas possibilidades proporcionado pelo império do entretenimento construído por Xuxa, a série do Globoplay trata a apresentadora exatamente como nas palavras de Renato Aragão: “A Xuxa nasceu pra ser uma estrela. Se ela não fosse uma estrela de Televisão, de palco. Ela seria uma estrela do mar, uma estrela do céu, uma coisa assim”. Com uma protagonista que se assemelha a tantas figuras femininas que meninas e meninos crescem admirando, Xuxa, o Documentário apresenta falhas técnicas dolorosas, mas que, diante da grandiosidade singular da Rainha dos Baixinhos, têm a sorte de serem perdoadas.