Leonardo Oliveira
Que o Rio de Janeiro ficou pequeno demais para a Anitta, já se sabe faz tempo. A morena de Honório Gurgel agora quer a terra do Tio Sam para si e tem se dedicado de forma ferrenha para alcançar seus novos objetivos. Talvez o maior deles seja se tornar uma estrela mundial e nisso Versions of Me é apenas mais um passo em uma longa jornada. O quinto álbum de estúdio traz uma boa mistura sonora e algumas ideias requentadas para introduzir o fenômeno brasileiro em um dos maiores mercados fonográficos do mundo. A artista sabe o que quer e não tem medo de encarar os desafios, o que se materializa nesse seu novo projeto.
Já há uns bons seis anos que a cantora decidiu ir além das fronteiras de Terra brasilis para buscar algo a mais para sua carreira. Depois de se tornar um fenômeno por aqui, a garota viu que podia muito mais e lá em 2016 foi dando os primeiros passos para sua internacionalização. Parcerias com J Balvin no remix de Ginza e com Maluma em Sim ou Não foram o começo dessa nova etapa que, mesmo tendo seus percalços, vem sendo exitosa.
Nesse meio tempo, a Garota do Rio baseou sua estratégia de lançamentos musicais em singles e muitas parcerias com artistas nacionais e estrangeiros com relevância internacional. Dois projetos se destacam, sendo eles o CheckMate, que consistiu no lançamento de singles mensais por quatro meses em 2017, o que rendeu duas das melhores músicas de sua carreira: Downtown com J Balvin e Vai Malandra com MC Zaac e o rapper estadunidense Maejor. O segundo projeto foi seu álbum visual Kisses, de 2019, que tinha como intenção ser uma espécie de “carta de apresentação” da artista para o público internacional. Todas as dez faixas do trabalho ganharam videoclipes com temáticas e estéticas variadas e o projeto trilíngue passeava pelo português, inglês e o espanhol, sendo a língua dos nossos hermanos a predominante, dado o foco no mercado latino naquele momento.
Três anos depois, chega o lançamento do quinto álbum de estúdio de Anitta, Versions of Me, a obra musical que tem como objetivo maior introduzir a cantora no mercado musical dos Estados Unidos da América. O que veio a público no dia 12 de abril tem sido desenvolvido desde 2019 e já teve outra cara e outro nome. O CD, que a princípio seria chamado Girl From Rio, estava sendo divulgado por meio dos singles Me Gusta e Girl From Rio como algo que, mesmo em espanhol e inglês, tinha elementos da cultura brasileira bem acentuados e que pareciam dar a tônica do projeto. O que já estava pronto em 2020 precisou passar por uma reformulação de seu conteúdo, mais gente se juntou a equipe, mais sessões de estúdio ocorreram até que, na primeira quinzena de março de 2022, o produto foi finalizado contendo mudanças significativas.
O quinto álbum acaba por reciclar o conceito de mostrar as versões e personas da artista que também foi trabalhado lá em 2019. A utilização aqui, assim como em Kisses, intenciona mostrar versatilidade e o potencial artístico da cantora para o novo público. Essa estratégia faz sentido uma vez que ela está iniciando no mercado estadunidense, mas tendo em perspectivas sua carreira de mais de dez anos, é decepcionante não ver uma nova ideia sendo trabalhada por alguém com tanto potencial e que está junto de profissionais bem-sucedidos como Rami, Ryan Tedder, StarGate, entre outros que já trabalharam com Katy Perry, Rihanna e Britney Spears em sua equipe.
O álbum é uma mistura sonora de pop, reggaeton, trap, funk e R&B, que, mesmo parecendo megalomaníaco, é organizado de uma forma que flui bem e talvez seja na confluência de ritmos que esse trabalho realmente se destaque. A produção, que é feita por uma penca de profissionais, entre eles latinos, estadunidenses, europeus e brasileiros, dá vida a sons que de fato torna o conjunto único no meio de trabalhos extremamente pasteurizados que se encontram aos montes por aí. Versions of Me está livre dessa pasteurização? Jamais! Ela acontece de forma bem pronunciada na parte lírica do produto. A temática do álbum são as relações sexuais, românticas e afetivas da artista e cada faixa trabalha quase que isoladamente cada uma dessas situações e de maneira muito simplista na maior parte do trabalho e algumas vezes beirando o apelativo.
O álbum conta com cinco singles que foram lançados previamente. Me Gusta com participação de Cardi B e Myke Towers foi o primeiro desta empreitada e trouxe uma abundância de elementos no conjunto audiovisual, sendo um destaque no vídeo a inserção da rapper por meio de computação gráfica. O resultado é fenomenal e mostra que a produção realmente abriu o bolso para ter essa presença de peso. A música traz elementos do pagodão baiano que enche de personalidade a canção.
Em seguida veio Girl From Rio, definitivamente a melhor composição do álbum. Aqui se tem uma síntese do que é a artista, sua história, sua personalidade e o lugar de onde ela vem. É uma letra que, em comparação com as demais, é rica em ideias e a sacada de usar o sample de Garota de Ipanema é sensacional, em uma subversão maravilhosa e surpreendente dentro do corpo do CD. Mesmo trabalhando com uma sonoridade que pode soar genérica, Anitta e sua equipe foram muito criativos e conseguiram entregar muita autenticidade. O clipe dirigido por Giovanni Bianco é um show à parte e traduz visualmente de forma magistral a canção. Essa faixa é uma maravilha e se junta inevitavelmente a Vai Malandra e Downtown como as melhores obras da artista.
Na sequência, Faking Love trouxe uma pegada mais funk e abusou de uma visualidade obscura e urbana, mas não brilhou muito. Por mais que tenha se tornado um sucesso global em 2022, Envolver foi lançada quase que despretensiosamente no fim de 2021 e seu vídeo é dirigido pela própria cantora, sendo bem minimalista e dando uma atenção especial para a coreografia. Inclusive, parte dela foi viralizada como o desafio “El Paso de Anitta” nas redes sociais.
Com a canção viral do momento no Instagram e principalmente no TikTok, Anitta foi escalando os charts mundiais e de forma histórica se tornou a primeira brasileira a chegar ao posto mais alto das paradas globais de plataformas como Spotify e Deezer com Envolver, além de também ter chegado ao primeiríssimo lugar na Billboard Global Excluding U.S., ranking que não conta os dados dos Estados Unidos, e em segundo no Global 200 que os contabiliza.
Boys Don’t Cry é a cartada mais “americanizada” da artista e abusa de referências cinematográficas em seu vídeo, além de apresentar uma sonoridade com uma dose de anos 80. É uma música que poderia ser interpretada por outras cantoras, mas aqui ela dialoga bem com o que é conhecido da vida amorosa da artista e com a ideia de estar no controle da própria vida, que é uma característica associada a Anitta. O clipe, dirigido pela cantora em parceria com Christian Breslauer, é digno de Cinema e o resultado é divertido e está a nível de artistas já consagrados, como The Weeknd e Doja Cat.
Para além dos singles, mais dez faixas compõem o corpo desse projeto. Algumas se sobressaem, como Gata em parceria com Chencho Corleone, que é super energética e mistura reggaeton com elementos de funk tendo cara de viral das redes sociais. Maria Elegante, em parceria com Afro B, traz elementos do afrobeat e é despretensiosa, mas carismática dentro do todo.
A faixa-título, Versions of Me, é o ápice pop do álbum, tem uma letra divertida, mas não muito original. Ela é fundamental para a consolidação do conceito da obra como um todo além de ter grande potencial para ser trabalhada como single. O funk puro-sangue é a faixa Que Rabão em parceria com Mr. Catra, YG, Papatinho e MC Kevin O Chris. A canção é uma homenagem de Anitta para o eterno Catra, que deixou alguns versos gravados antes de seu falecimento; mesmo sendo curtíssimos, a construção da faixa dá destaque a voz inigualável do cantor.
Canções como Love You e Love Me, Love Me fazem o papel de mostrar mais os vocais e trazer à tona essa faceta romântica da cantora, entretanto passam facilmente despercebidas dentro do todo. Ambas não são ruins, porém não tem algo que as destaquem em sonoridade ou liricamente. Já Turn It Up não parece ter uma razão clara para estar ali. É liricamente fraca e a sonoridade temperada com funk não tem personalidade alguma, sendo possivelmente a pior música do álbum.
A estética visual do projeto não tem unidade, cada single tem sua própria cara e isso fortalece o lançamento individual, mas ao mesmo tempo acaba por não permitir que o álbum como um todo tenha uma identidade imagética própria. O público possivelmente se lembrará de Girl From Rio, Envolver e Boys Don’t Cry mas talvez não se recorde que fazem parte do mesmo produto. A capa do álbum veio na intenção de transpor em uma imagem as versões da cantora e o resultado foi horroroso. Trazendo vários bustos com diferentes expressões, cabelos e maquiagens, peca em ser literal demais e surpreende por ser algo tão ruim em um projeto que possui visuais muito bons e justamente o que dá a cara para a obra ser tão genérica e de execução pavorosa.
Muito possivelmente o público nunca saberá o que já foi a ou as outras versões do álbum, essa aqui talvez não brilhe tanto como o esperado pelos fãs brasileiros, que a priori, não é para quem se endereça esse projeto. É para o mercado estadunidense que esse trabalho existe e é sob os ditames de uma gravadora de lá que ele vê a luz do dia.
O conjunto final de Versions of Me mostra que a pretensa versatilidade que tenta ser mostrada desde Kisses se tornou uma virtude da artista, mas aqui isso significa juntar algo incrível como Girl From Rio com algo descartável como a faixa Turn It Up. O álbum é dinâmico, energético e sua sonoridade é de longe seu ponto forte. As misturas com o funk é o que tem de mais marcante e o que irá destacá-lo dentre os trabalhos de outros artistas naquele mercado.