Leandro Oliveira
Upload, a esperada nova série de Greg Daniels vem para nos dizer que no céu tem Mcdonald’s. Carregando o nome por trás de sucessos como a versão americana de The Office (2005-2013), Parks and Recreation (2009-2015) e a atual Space Force (2020) da Netflix, a série teve todo o seu marketing em torno do seu criador, deixando os fãs com altas expectativas para a comédia do Amazon Prime Video, que estreou em maio. Recheado de críticas sociais, novas tecnologias e debates sobre os rumos das relações humanas, o show nos assusta e nos conforta nessa primeira temporada.
Trazendo para si a consagrada atmosfera Black Mirror, os conhecidos rostos de Robbie Amell de The Flash e a cantora Andy Allo, a narrativa se passa no futuro não tão distante em 2033, onde existe a possibilidade de fazermos upload de nossas consciências para um pós vida virtual. Logo, através de planos e mensalidades, as grandes empresas de tecnologia controlam os felizes para sempre de seus usuários nestes paraísos high tech. Não se assuste pela premissa dos perigos das tecnologias aumentadas e como os seres humanos não estão preparados para isso ainda, Upload não é sobre isso, ou pelo menos não é só sobre isso.
O relacionamento não muito estável de Nathan (Robbie Amell), um jovem desenvolvedor de aplicativos, e Ingrid Kannerman (Allegra Edwards), uma patricinha que deixaria Sharpay Evans com inveja, é transformado após um suspeito acidente de carro nos primeiros minutos da série (algo não tão usual nesse futuro onde todos os carros são controlados por inteligências artificiais). E de forma inesperada, Nathan vê sua vida acabar e recomeçar nesse novo espaço, bancado por sua namorada, que o permite assistir seu próprio velório, conversar com seus entes queridos ou simplesmente comprar um Big Mac.
A escolha de Robbie Amell para o papel do homem branco privilegiado e exageradamente narcisista é certeira, porque ele é o estereótipo vivo. A atuação sem muitos aspectos marcantes e com claras limitações cai perfeitamente para o personagem que ainda está tentando se encontrar, rendendo ótimos momentos de identificação. Porém, quem realmente se destaca é Nora (Andy Allo), funcionária da empresa que faz a passagem entre os mundos e assistente pessoal de Nathan. A série engrena assim que eles começam a interagir.
A conexão entre os dois personagens cativa. O desenvolvimento da relação deixa a série ao mesmo tempo instigante e confortável de assistir. Seja eles cantando Uptown Funk ou fazendo brincadeiras à beira do lago, a interpretação sem exageros dos atores nos leva para uma realidade virtual menos plástica. Conforme o romance dos dois se desenvolve, o mundo que à primeira vista é estranho, transforma-se em algo tão verdadeiro, divertido e esquisito quanto a vida real.
Muitas questões e poucas respostas
Os envolvidos e o possível assassinato de Nathan são as principais fontes dos maiores mistérios da série, e os suspeitos vão de sua namorada à seu melhor amigo, levantando perguntas que permeiam toda a primeira temporada. Sem maiores aprofundamentos e com muitas pontas soltas, a série deixa as dúvidas centrais para os próximos anos. Mas, o que falta de respostas para os mistérios, é compensado com o romance e a apresentação dos personagens e do universo, abrindo espaço para as coadjuvantes e as tecnologias brilharem. Destaque para a incrível Aleesha (Zainab Johnson) colega de trabalho de Nora e Luke (Kevin Bigley) residente de Upload e veterano de uma guerra que ainda não aconteceu.
O humor em Upload parece não ter encontrado sua forma ainda, vagando entre sutis momentos engraçados para piadas escancaradas (ou que pelo menos tentam ser), abusa dos momentos já esperados vindos de personagens mortos e das alusões aos dias atuais. O que mais funciona é a relação do trisal de protagonistas que entrega ótimos momentos (como a primeira noite de amor dos namorados), personalidades naturalmente engraçadas como Ingrid e Aleesha sempre se destacam também. A série entrega um ambiente muito mais de comédia romântica futurista do que o cotidiano de um paraíso genuinamente engraçado, e mesmo assim não decepciona.
Bebeste da mesma fonte divina?
É natural reconhecer as similaridades de Upload com The Good Place, a série queridinha pelo público teve seu fim em 2020 e já podemos notar seu legado em produções não tão distantes. Criada por Michael Schur, também roteirista de The Office e Parks and Recreation, é evidente que a estilística dos criadores pode ser uma das explicações para os tantos pontos parecidos dos programas, indo de personagens que parecem sair do mesmo molde (sim! Upload tem sua própria Janet, com a metade do carisma, mas tem) à piadas sobre questões existencialistas. É impossível assistir uma sem lembrar da outra.
Ambas se passam nesses lugares sem limites aparentes, que tornam a realidade maleável, dando a impressão de que o enredo pode ir para qualquer caminho. Novos artifícios são apresentados episódio a episódio e as soluções entregues (às vezes fáceis até demais) para os eventuais problemas e imprevistos. Sendo assim, duas séries atuais, de criadores com estilísticas parecidas, estruturas de produção semelhantes, onde a maior diferença está justamente nos caminhos para a chamada vida após morte? Sim! É nos caminhos que reside o maior acerto de Upload.
Diferente da série da NBC que segue o caminho de um céu fundamentado nas virtudes das pessoas em seu período na Terra, a da Amazon vai em outra direção e as ações e as intenções não importam tanto, na verdade não importam nada. O conceito de pós vida existe para aqueles que podem pagar por ele, fim. E com isso estabelecido, cada cena dentro desse paraíso se torna mais densa e mesquinha. Propondo uma olhada no paraíso do lugar que estamos agora, a série nos convida a imaginar as tecnologias extrapoladas sem compromisso total com a realidade e deixando claras as intenções. Upload não é sobre o futuro e não se preocupa em ser.
O presente é tão assustador quanto qualquer futuro que uma narrativa inocente de uma sitcom (comédia de situação) pode nos apresentar, e a série brinca com isso a todo momento. A desigualdade social e os malefícios do capitalismo tem impacto direto no universo e nas trajetórias dos personagens, nos fazendo repensar (e por que não) nos precaver do futuro. Como, por exemplo, a ala dos uploads mais pobres, denominada 2 gigas, composta por pessoas que possuem apenas uma quantidade pequena de internet. Quando o pacote de dados é esgotado, as pessoas ficam paralisadas até a renovação no próximo mês (alô companhias de telefonia), a ala rende um dos momentos mais tristes da temporada.
Vale o play?
O novo mundo tecnológico de Greg Daniels mais acolhe do que nos faz rir, e sem dúvida isso não é um dos pontos negativos. Upload é uma série consciente, que nos faz repensar a tecnologia e o problema do destino das pessoas nas mãos de grandes empresas. Esse universo nos faz olhar para as nossas próprias relações e reimaginar um futuro particular a partir de personagens agradáveis e paisagens bonitas.
A série, porém, tem um difícil caminho para trilhar agora, na sua já confirmada segunda temporada, visto que com mundo apresentado e as suas tecnologias também, deixa a pergunta se a narrativa se manterá viva apenas com os mistérios propostos e não desenvolvidos da primeira temporada. Mas uma coisa é certa, Upload foi um dos uploads mais surpreendentes do catálogo de 2020 da Amazon Prime, e que definitivamente merece o seu play.