Trilha Sonora para um Golpe de Estado é documentário corajoso, mas excessivo

Cena do filme Trilha Sonora para um Golpe de EstadoNo canto esquerdo da imagem, em preto e branco, está Louis Armstrong tocando um instrumento de sopro. O ponto de vista é dos pratos de uma bateria, no lado esquerdo há uma mão segurando uma baqueta. No canto direito, de costas para Armstrong, há um homem branco, na faixa dos 50 anos, vestindo terno. Louis Armstrong é um homem adulto, negro e veste um terno.
Louis Armstrong é uma das celebridades que aparece no longa (Foto: Pandora Filmes)

Davi Marcelgo

Há pelo menos uma década, o Oscar se empenha em indicar e prestigiar filmes que tenham como temas o racismo, a sexualidade e o protagonismo feminino, ainda que, por muitas vezes, a premiação vá para caminho habitual, a exemplos de apenas uma mulher indicada em Melhor Direção ou a entrega do prêmio para Green Book: O Guia (2018). Em 2025, Trilha Sonora para um Golpe de Estado entra na lista dos concorrentes a Melhor Documentário. Narrando a luta de Patrice Lumumba para tornar a República Democrática do Congo um país independente, o longa de Johan Grimonprez aposta em imagens de arquivo para costurar a história.

Antes de qualquer consideração direta sobre o documentário, é admirável a presença dele no Oscar 2025, sobretudo, por se posicionar não apenas sobre um acontecimento histórico, mas também contra bilionários de extrema-direita, como Elon Musk e seu(s) interesse(s) em minérios que, coincidentemente (o filme é de 2024), marcaram presença na posse do presidente Donald Trump. A premiação é uma catapulta para a visibilidade de muitas obras, sem ela, provavelmente, a fita e as ideias de Grimonprez passariam despercebidas pelos cinemas brasileiros. Ironicamente, o imperialismo ainda decide quem é visto. 

Acontece que Trilha Sonora para um Golpe de Estado necessita de muito fôlego para encarar 150 minutos de muita informação, enfoques, imagens e áudios que se devoram. A sensação provocada é de confusão, uma trama política complexa demais para querer mirar no jazz, na Guerra Fria, no imperialismo e em outras tramoias, mesmo que elas estejam interligadas. O documentário pode ser encaixado no que seria um filme de solicitação, conceito apresentado pelo crítico Paulo Emílio Sales Gomes. Ou seja, há mais perguntas sendo feitas do que respostas ao espectador.

Cena do filme Trilha Sonora para um Golpe de EstadoNo centro da imagem, está Patrice Lumumba, ele está com as duas mãos erguidas mostrando o pulso enfaixado. Ele está com uma expressão séria, veste terno e gravata. Lumumba é um homem adulto de pele negra, seu cabelo é curto e ele tem bigode e cavanhaque. No lado direito, há um homem, também usando terno.
Patrice Lumumba foi torturado e morto em 1961 (Foto: Pandora Filmes)

É a partir de vivências, aproximações e outras estruturas que alguém gosta ou não de uma obra. Por exemplo, o grau de conhecimento sobre o gênero de Terror vai definir a apreciação de Todo Mundo em Pânico (2000) para além das piadas nonsenses. Esse fator é fundamental nesse documentário, que, como em um anúncio do YouTube que nem sentimos chegar, interrompe sua narrativa para transmitir uma propaganda do carro Tesla ou do Iphone, sem os relacionar por meio de narrações com os fatos ali mostrados. É necessário, de quem vê, o conhecimento prévio sobre Elon Musk e fabricação de baterias, mas também de exploração de recursos e de que o jazz é um gênero de improvisos.  

Tal fator está longe de ser um problema, é sua característica, inclusive para temas que não devem ser mastigados. A introdução das peças publicitárias de forma abrupta é um ótimo acerto para transmitir a ideia de que o imperialismo ainda faz presença, de modo que tira e repõe você da história em uma fração de segundo. Mas e a trilha sonora que dá o título para o filme? Infelizmente, é o elemento que está mais desconectado, sendo usado de forma eficiente em raras ocasiões.

Tendo como início as opiniões de figuras políticas sobre o jazz, muitas delas negativas, a Música é compreendida como ruído. Um dos personagens diz que desliga o rádio quando o gênero começa a tocar. Já em determinado trecho do filme, um dos narradores diz que os trâmites para conquistar a liberdade na República Democrática do Congo são conduzidos por músicas diferentes: a ONU não ouve jazz, portanto, não escuta a voz do povo. Outras tomadas conseguem extrair sentimento, como a cena em que Louis Armstrong canta Black And Blue.

Felizmente, Trilha Sonora para um Golpe de Estado toma posição e revela lados e figuras da história que tendem a ser apagados da equação imperialista – o que é fundamental em um filme que interpreta fatos, ao invés de apenas os narrar. Entretanto, sua forma não linear e o excesso de enfoque tornam a experiência enfadonha: o quanto você absorveu do que viu é a pergunta que fica ao sair da sessão.

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