Nathalia Tetzner
36 anos após tirar o fôlego de uma geração inteira com Top Gun: Ases Indomáveis, Tom Cruise está de volta na direção dos aviões de caça, dessa vez, apontando o alvo da trama diretamente para si na pele do protagonista e dono de um dos codinomes mais conhecidos do Cinema, Maverick. A sequência do clássico coloca nas lentes de Joseph Kosinski a missão de dar continuidade ao legado do falecido diretor Tony Scott. Assim, com quase 1,5 bilhão de dólares arrecadados em bilheteria mundial e 6 indicações ao Oscar 2023, Top Gun: Maverick revive os tempos de glória do audiovisual e prova que ainda queremos voar com Cruise.
A fim de novamente “pilotar para a zona de perigo”, o longa se destaca na temporada como a principal ode a Hollywood. Isto mesmo, nem a crítica de Não! Não Olhe! (Jordan Peele) ou a extravagância de Babilônia (Damien Chazelle) conseguem tamanha glória. Incoerentemente, foi necessário alguns truques de enredo batidos, um romance barato, grandes efeitos visuais e um toque de propaganda militar para o público voltar a buscar o que Martin Scorsese classifica como a experiência cinematográfica de encher as salas e encarar as grandes telas. Isso, em meio a uma indústria dominada pelo avanço dos streamings, que se aproveitam do conforto do sofá de casa.
Em uma inversão de papéis, Pete ‘Maverick’ Mitchell passa de um aluno da escola naval Top Gun apaixonado por sua instrutora para o comandante de uma missão quase impossível. Habituado a altas pressões, ele se vê frente a uma classe de pilotos diversificada. Porém, é a presença do filho de Goose, seu melhor amigo morto durante uma simulação de combate, que cria o conflito interno de Mav. Teimoso como o pai, Bradley ‘Rooster’ Bradshaw é o coadjuvante que perfeitamente auxilia a jornada do herói graças a atuação de Miles Teller, responsável pelas cenas mais emocionantes da obra.
Fato é que Top Gun: Maverick chegou para esgotar a saudade de quem clamava por uma obra sem medo de ser o que é. Com direito a todos os aspectos que caracterizam o gênero de ação, os minutos iniciais simulam a série de créditos da primeira versão e deixam um sentimento de nostalgia tão forte que faz o público questionar se a sessão está certa ou se, por obra do divino, foram transportados para os anos 80; época em que o filme arrebatou 4 indicações ao Oscar e levou para casa a estatueta dourada de Melhor Canção Original pela melodia atemporal de Take My Breath Away, entoada pela vocalista Terri Nunn da banda Berlin.
A diferença essencial entre o primeiro e segundo filme reside na representatividade. Aqui, incorporada pela atriz Monica Barbaro, escalada para viver a pilota pioneira Natasha ‘Phoenix’ Trace. Este ano, a nova estruturação que traz sentido para a aventura pôde ser indicada à categoria de Melhor Roteiro Adaptado, por se tratar da sequência de uma produção já existente. Notável, a escrita de Ehren Kruger, Justin Marks e Christopher McQuarrie se une à história precisa de Eric Warren Singer e Peter Craig, mas alcançando poucas chances junto as outras nomeadas: Living, Glass Onion: um Mistério Knives Out, Nada de Novo no Front e Entre Mulheres.
Indicada a Melhor Canção Original, a belíssima Hold My Hand, de Lady Gaga, toca com esplendor para finalizar a trama. Por isso, a vitória não é óbvia e a concorrência vem forte, com faixas como Lift Me Up, do blockbuster Pantera Negra: Wakanda Para Sempre, e Naatu Naatu, do longa indiano RRR (Revolta, Rebelião, Revolução). Já em Melhor Som, Al Nelson é magnífico e se coloca entre os títulos Elvis, Nada de Novo no Front, Batman e Avatar: O Caminho da Água. Entretanto, nada marcou tanto quanto OneRepublic com I Ain’t Worried, trilha sonora da partida de futebol americano na praia que viralizou nas redes sociais.
O loiro antagonista da vez é Jake ‘Hangman’ Seresin que, através das expressões de Glen Powell, replica o frenesi causado por Val Kilmer como o rival de Maverick, Tom ‘Iceman’ Kazansky. Powell traz para a sua interpretação as características centrais do papel, tornando a sua presença não menos tocante que o reencontro entre Kilmer e Tom Cruise. O ator da primeira exibição do clássico teve a sua voz recriada por inteligência artificial devido às consequências da luta contra um câncer de garganta, e agora assume os postos de almirante e conselheiro de Mav nas horas vagas.
No entanto, nem só de galãs vive Top Gun: Maverick. A fotografia, surpreendentemente esnobada pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, também é irresistível. Assinada por Claudio Miranda, a composição visual é deslumbrante e acaba com a ambiguidade da ambientação construída pelo roteiro com o intuito de suavizar abordagens políticas. Afinal, se a escrita borra as margens, a imagem não deixa dúvida de qual é o país extremamente gelado que a marinha dos Estados Unidos tenta a todo custo derrotar.
Parte fundamental do trabalho de Miranda reflete no editor Eddie Hamilton, peça essencial para a formação da sensação de grandiosidade que o longa transmite. Por isso, ele enfrenta Os Banshees de Inisherin, Elvis, Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo e Tár na corrida pelo Oscar de Melhor Montagem. Igualmente capazes de abrir a boca do espectador, os profissionais criativos Ryan Tudhope, Seth Hill, Bryan Litson e Scott R. Fisher reúnem toda a magia da tecnologia para competirem ao lado de Nada de Novo no Front, Avatar: O Caminho da Água, Batman e Pantera Negra: Wakanda Para Sempre por Melhores Efeitos Visuais.
Os anos passam, os tempos mudam, a diversidade chega e, mesmo assim, o público-alvo do filme permanece intacto. A verdade é que ninguém nunca se identificará tanto com Pete ‘Maverick’ Mitchell quanto aqueles meninos estadunidenses que parecem ter saído direto de um comercial de margarina. Mas, eternizado como um clássico, o longa obviamente possui diferentes aspectos que atraem as demais audiências. Seja pela representação de valores morais, pela nostalgia ou pelo próprio Tom Cruise trajado como um herói tão ideológico quanto o Super-Homem, toda geração merece assistir a sua versão de Top Gun.
Ponto no mínimo questionável da produção é a troca da atriz que se relaciona com o protagonista. Kelly McGillis foi a astrofísica Charlie Blackwood em 1986 e não retorna para o papel. Pelo contrário, é substituída pela bartender Penny Benjamin, que embala o público, movido pelo saudosismo, na falta de algo que eternize o enlace com a personagem interpretada por Jennifer Connelly, 13 e 8 anos mais nova que McGillis e Tom Cruise, respectivamente. Em entrevista para o Entertainment Tonight, a loira que tirou o chão de Maverick explicou o motivo pelo o que acredita não ter sido convidada para a sequência: “Eles não entraram em contato comigo, e nem achei que iriam. Eu estou velha, estou gorda, e tenho uma aparência apropriada para a minha idade.”
Provando que ainda queremos voar com Tom Cruise, a sequência faz o seu nome na categoria de Melhor Filme, na qual compete com Nada de Novo no Front, Avatar: O Caminho da Água, Os Banshees de Inisherin, Elvis, Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo, Os Fabelmans, Tár, Triângulo da Tristeza e Entre Mulheres. Com ambição e grandiosidade, o diretor Joseph Kosinski ficou de fora das indicações ao Oscar de Melhor Direção, contudo, o seu maior desafio se transformou em realidade; as qualidades do clássico de Tony Scott se repetem e alçam novos ares em Top Gun: Maverick.