O álbum, que completou 50 anos em 1 de março, serve como um divisor de águas no trabalho da banda, conduzida por Lou Reed. Rompendo com a rápida batida, o ritmo das músicas desacelera. É proposta uma nova perspectiva musical para o Velvet Underground.
Anna Araia
O The Velvet Underground foi fundado em 1966, em Nova Iorque, com liderança de Lou Reed nos vocais e composição das músicas. Em pouco tempo o grupo foi descoberto pelo artista Andy Warhol, que realizou a capa do “disco da banana”. Na contramão da proposta inicial, The Velvet Underground, lançado em 1969, visava atrair o público mainstream alterando a abordagem de certos temas, a batida e a própria composição da banda. Por conta de diversos fatores, é considerado um LP morno, se comparado com os antecessores The Velvet Underground & Nico e White Light/White Heat.
As letras compostas por Lou Reed abordavam o sadomasoquismo, a religião, a prostituição e o uso de drogas, notoriamente tratado em “Heroin”, faixa do disco de estreia. Contudo, a juventude participante do movimento da contracultura optava pelo Sgt. Peppers dos Beatles, Janis Joplin e seu Mercedes Benz. Gênios pouco compreendidos, os Velvets estavam acostumados com o fracasso comercial já experimentado com os dois primeiros discos.
Eram anos que trouxeram uma nova luz para o rock experimental. Os Estados Unidos experimentavam uma revolução social: o movimento negro estourava, a segunda onda feminista mostrava para o que viera e os hippies ganhavam força com dizeres “faça amor, não faça guerra”, um protesto contra a Guerra do Vietnã. Havia uma clara ruptura com os valores conservadores das gerações anteriores.
Em meio ao turbilhão de efervescência política e cultural, o Velvet Underground lançou o terceiro disco, de título homônimo, em 1 de março de 1969, apenas três meses antes do grande festival Woodstock ocorrer. Nesse período, a banda passou por um momento de conflito interno. Reed pretendia uma aproximação com o público mainstream, enquanto John Cale, um dos membros fundadores, priorizava a manutenção de um som experimental e de sua estranheza. Cale saiu da banda e foi substituído pelo também multi-instrumentalista Doug Yule.
The Velvet Underground conta com um lado menos obscuro dos Velvets, mostrando, como nos álbuns anteriores, a criatividade de Lou Reed para expor Nova Iorque e o universo interior de sua imaginação. E, por ironia, foi um novo fracasso comercial em vendas, já que o público estava imerso no contexto musical da contracultura. Está longe de ser o trabalho mais memorável da banda, perdendo espaço na cena da cultura pop para o LP da banana. Ambos devem ser valorizados por suas especificidades e conjunturas, afinal, “Candy Says” e “Pale Blue Eyes”, os carros chefes do terceiro disco, são cotados entre as melhores músicas do Velvet Underground.
Iniciando com o clássico “Candy Says”, a batida lenta e a melodia nostálgica lembra um pouco o ritmo de “Sunday Morning”, clássica abertura do disco da banana. Aos poucos a letra se revela mais contemplativa acerca de questões internas, remetendo às dúvidas de Candy Darling, ícone trans de Andy Warhol. A forma que a música traz o tema de maneira sutil não faz com que seja menos triste ou complexa, como no trecho:
Maybe when I’m older | Talvez quando eu seja mais velha
What do you think I’d see | O que você acha que eu veria
If I could walk away from me | Se eu pudesse me afastar de mim?(…)
Candy Says | Candy diz
I hate the big decisions | Eu odeio as grandes decisões
That cause endless revisions in my mind | Que causam eternas revisões na minha mente
Diferentemente dos discos anteriores, Reed conta de maneira intimista, como em um diário, seus pensamentos, a relação que possui com o mundo e, não surpreendentemente, sua vida amorosa e o uso de drogas. Expõe a face de cantor-compositor frágil, pisando em um terreno incerto.
Em “Pale Blue Eyes” encontramos o eu lírico narrando os eventos tristes de sua vida amorosa. A música é o ápice sentimental do álbum, além de ser considerada a melhor composição romântica de Lou Reed. O amor de uma mulher comprometida é, na verdade, a representação do primeiro amor sério de Reed, Shelley Albin. A história na música é criada a fim de traduzir a dificuldade de transmitir os sentimentos amorosos, de ver um desfecho positivo. Nela a declaração dos sentimentos não é simples. O final da canção é inconclusivo, como parte dos relacionamentos humanos:
It was good what we did yesterday| Foi bom o que fizemos ontem
And I’d do it once again| E eu faria de novo
The fact that you are married | O fato de você ser casada
Only proves you’re my best friend | Só prova que você é minha melhor amiga
But it’s truly, truly a sin | Mas é realmente um pecado
Linger on, your pale blue eyes | Demorem-se, seus olhos azuis pálidos
Linger on, your pale blue eyes | Demorem-se, seus olhos azuis pálidos
Não reconhecidos em seu devido tempo, os Velvets estavam à frente dele, tratando de temas considerados tabus e criando um universo completamente único e perverso. Menosprezados pelos jovens que paralelamente realizavam o mesmo tratado pelas músicas, preferiam letras de caráter mais leve. Brian Eno já havia dito: “o primeiro álbum do Velvet Underground vendeu apenas 10.000 cópias, mas todos aqueles que o compraram formaram uma banda”. A profecia de Eno provou-se verdadeira até os dias atuais: o grupo continua de extrema relevância e influência, passados seus mais de 50 anos.
OBRIGADO PELAS MATÉRIAS!!! FICO HORAS ME DELICIANDO COM OS TEXTOS, OBRIGADO!!!!!!!!!!!