THE TORTURED POETS DEPARTMENT: o que se passa na cabeça da cantora mais famosa do momento?

Capa do álbum com moldura branca ao redor de uma foto. Na foto, Taylor Swift está deitada em uma cama, com os olhos fora da imagem, mostrando apenas a boca. Ela veste shorts pretos e uma regata preta. No topo da imagem está escrito The Tortured Poets Department.
Para Taylor Swift em THE TORTURED POETS DEPARTMENT: “Tudo é justo no amor e na poesia” (Foto: Republic Records)

Arthur Caires

Existem momentos na história em que o mundo se une em torno de um único artista, celebrando seu pico de sucesso com admiração. São instantes marcantes, onde a Música transcende o mero entretenimento e se torna um fenômeno cultural que define gerações. A Beatlemania na década de 1960, o lançamento de Thriller por Michael Jackson em 1982 e a ascensão de Madonna como ‘Rainha do Pop’ na década de 1990 são apenas alguns exemplos dessa catarse coletiva. Em cada um desses casos, a obsessão pela estrela era palpável, dominando conversas, inspirando moda e comportamento, e consolidando seu lugar como ícone cultural inegável.

O mesmo aconteceu com Taylor Swift em 2023. Em Março daquele ano, a cantora iniciou uma das maiores turnês da história, a The Eras Tour. Celebrando todos os seus dez (agora, onze) álbuns, a sequência de shows já ultrapassou a marca de 1 bilhão de dólares de arrecadação, e está bem longe de acabar. Durante esse período, Swift ainda lançou duas regravações – Speak Now (Taylor’s Version) e 1989 (Taylor’s Version) –, quebrou recordes nos cinemas com o lançamento do registro ao vivo da turnê e foi nomeada como Pessoa do Ano pela revista Time. Já no começo de 2024, seguindo a onda de conquistas, a artista se tornou a primeira a ganhar quatro vezes o prêmio de Álbum do Ano no Grammy, sendo o último gramofone pertencente a Midnights.

É logo após esse turbilhão de acontecimentos que Taylor Swift lança seu 11º álbum de estúdio, THE TORTURED POETS DEPARTMENT. O disco vendeu mais de 2,5 milhões de cópias em sua primeira semana nos EUA e debutou com 313 milhões de reproduções no Spotify, sendo a maior estreia da carreira da cantora e da plataforma. Ao longo de suas 16 faixas – na versão standard –, a compositora fala sobre o término de seu relacionamento de seis anos com o ator britânico Joe Alwyn, a breve mas intensa reaproximação com o cantor Matty Healy, vocalista da banda The 1975, e a não muito bem-vinda opinião da mídia e de alguns fãs sobre sua vida pessoal.

Imagem do clipe de Fortnight. Taylor Swift está usando um vestido preto com mangas bufantes, escrevendo em uma máquina de escrever. Ela está em um escritório e olhando para a câmera.
A estética da nova era traz temas como dark academia, poesias e máquinas de escrever como representação (Foto: Taylor Swift)

A eficácia da caneta de Swift já não é assunto a ser discutido há um bom tempo, mas em THE TORTURED POETS DEPARTMENT, a artista consegue elevar sua escrita para um nível diferente. É possível observar uma extrema vulnerabilidade em forma de hipérboles e sentimentos fatalistas, porém, expressos nas mais rebuscadas palavras e analogias. “Eu mantenho esses anseios trancados/Em letras minúsculas dentro de um cofre” a intérprete canta em um dos destaques do disco, Guilty as Sin?. Ainda assim, apesar de possuir algumas letras mais simples e literais – e alguns deslizes envolvendo Charlie Puth –, a obra, como um todo, se caracteriza por uma complexidade que exige múltiplas audições para ser desvendada e plenamente digerida em suas diversas camadas.

Na sonoridade, há uma mescla balanceada entre os três gêneros predominantes da discografia de Taylor Swift: synthpop, country e folk. Mais uma vez, ela se junta a seus parceiros de longa data, Jack Antonoff e Aaron Dessner, para dar vida à sua visão musical. Nesse momento, a presença dos produtores foi crucial para a artista, especialmente ao explorar temas íntimos e confessionais, em que a confiança é um elemento essencial no processo criativo. No entanto, essa familiaridade também traz consigo um certo déjà vu. A produção apresenta diversas semelhanças com trabalhos anteriores da cantora, o que leva o ouvinte a desejar por algo novo e inovador. 

Fortnight, primeiro single do projeto e com participação de Post Malone, assume seu papel de introdução ao álbum de forma satisfatória, mas deixa a desejar em termos de energia. A letra, repleta de metáforas, resume os acontecimentos envolvendo ‘certos homens britânicos’ na vida da artista. A produção, no entanto, peca pela monotonia, não apresentando elementos que prendam a atenção do ouvinte e despertem a sensação de um grande sucesso, como Anti-Hero ou Blank Space. Mesmo assim, a melodia do refrão consegue grudar na cabeça depois de alguns replays.

Imagem do clipe de Fortnight. Quatro pessoas em um laboratório, da esquerda para a direita: Ethan Hawke, Taylor Swift, Josh Charles e Post Malone. Ethan Hawke, Josh Charles e Post Malone estão usando uniformes de cientistas/médicos, com calças pretas e jalecos brancos. Taylor Swift está vestida com uma roupa branca, estilo camisa de força, e uma coroa. O laboratório contém equipamentos que lembram um cenário de Frankenstein, incluindo botões e remédios.
No clipe de Fortnight, Taylor Swift convida dois integrantes da Sociedade dos Poetas Mortos, Ethan Hawke e Josh Charles (Foto: Taylor Swift)

Os easter eggs e a promoção midiática do ‘TTPD’ levaram o público a acreditar que esse seria um álbum dissecando o fim do relacionamento de seis anos da cantora com Joe Alwyn. Referências a canções passadas, teoria dos estágios do luto e um grupo de Whatsapp conhecido fizeram a cabeça de vários fãs. Porém tudo isso foi por água abaixo na morna faixa-título com a menção ao “golden retriever tatuado”. O cantor Matty Healy permeia a vida de Swift desde 2014, mas ganha destaque maior nesse disco após chamas terem sido reacendidas logo depois do término da artista.

Ainda assim, em So Long, London, quinta faixa do álbum – tradicionalmente, a mais pessoal e sentimental –, Taylor Swift oferece uma homenagem empática ao seu ex, Joe Alwyn. A canção revela o conflito central: o desejo da cantora de se casar, contrastando com a hesitação do parceiro. No segundo verso, a artista canta “Parei a RCP [ressuscitação cardiopulmonar], afinal não adianta”, uma referência à música You’re Losing Me de seu álbum anterior, Midnights (2022), onde ela afirma “Eu não consigo sentir uma pulsação/Meu coração não bate mais”. Através dessa metáfora, a intérprete demonstra a frustração de tentar salvar um relacionamento já condenado. Apesar de seus ressentimentos, a faixa termina em um tom de aceitação e uma mensagem esperançosa: “Você achará alguém“.

O álbum dos poetas torturados vai além da negação e da depressão, explorando também o segundo estágio do luto: a raiva. Em But Daddy I Love Him, Swift dirige um sermão de mãe aos fãs que se sentem no direito de controlar suas escolhas. No pós-refrão, a cantora explode: “Eu prefiro queimar toda a minha vida/Do que ouvir mais um segundo de toda essa baboseira e reclamação“. Esse sentimento tem como raiz a repercussão do relacionamento da artista com um certo cantor problemático, porém se estende a outros tópicos que envolvem sua fervorosa base de admiradores, os swifties.

Contra um fundo preto, Taylor Swift olha para a frente de perfil, com uma mão levantada à altura do peito. Seu cabelo está liso e sua boca entreaberta.
“Ninguém gosta de uma mulher brava” (Foto: Beth Garrabrant)

Além de conversar com seus fãs, Taylor Swift também fala diretamente com a mídia – e com quem ‘não vai muito com a sua cara’. Desde o começo de sua carreira, a artista é colocada em uma caixa de compositora que só fala sobre ex-namorados e que não tem sua Arte levada a sério, ao mesmo tempo em que sua vida pessoal é analisada minuciosamente e cada um de seus passos é rastreado. Então, quando canta “Você não duraria uma hora no hospício onde me criaram” em Who’s Afraid of Little Old Me, é possível sentir a exasperação de alguém que não se importa mais com a opinião pública ou, pelo menos, não tanto quanto antes.

Independentemente, é necessário reconhecer que Swift se beneficia de diversos privilégios e não é isenta de críticas. A silenciosa forma como a cantora lidou com o caso de Ana Benevides, ao passar pelo Brasil com a The Eras Tour, é um exemplo de como ela escolhe lidar minimamente com certas pautas, enquanto, com outras, age de forma mais presente. Além disso, a constante capitalização de sua Arte se torna cada vez mais difícil de diferenciar o produto e a Música. Artigos em sua loja, versões exclusivas de seus álbuns, variações de vinis, entre outros, podem ser interessantes para os fãs, mas acabam se tornando uma quantidade sufocante de conteúdo. Por estar em, praticamente, todos os lugares, a saturação de sua imagem pode se tornar algo negativo.

Além das já conhecidas versões físicas, Taylor Swift ainda lançou quatro versões digitais com demos das músicas (Foto: Beth Garrabrant)

Há muito tempo, os swifties tentam convencer todos ao seu redor do quanto Taylor Swift é talentosa, defendendo-a de qualquer opinião desfavorável. Na promoção do álbum, a repercussão às críticas negativas e a controversa republicação de matérias positivas pela artista em suas redes sociais fizeram com que uma parcela dos fãs sentisse a necessidade de refutar, cegamente, qualquer ponto de vista contrário. Porém, nada disso é necessário. Bem ou mal, é prazeroso falar sobre a vida e obra da cantora. Como John Green disse em publicação nas redes sociais: “Eu amo as músicas e letras de Taylor Swift. Você não precisa gostar. Mas eu posso”.

Clara Bow, a última faixa do disco, é uma síntese do que se passa na cabeça da cantora mais famosa do momento. O nome que dá título à canção se trata da estrela de Cinema que lutava com problemas de saúde mental devido ao estresse causado por sua fama, sendo considerada a primeira ‘it girl’. Ao longo da música, Swift também homenageia Stevie Nicks e reflete sobre como “é um inferno na terra ser celestial”, forçada a ser um modelo de perfeição para todos que a admiram. Por isso, é compreensível quando na divertida e depressiva I Can Do It With a Broken Heart a artista desafia a audiência: “Venha e tente fazer o meu trabalho”.

Capa do álbum The Tortured Poets Department: The Anthology. Contra um fundo preto, Taylor Swift está centrada no meio da imagem. Ela está meio contorcida, com um braço em cima da cabeça e o outro flexionado com a mão no pescoço. Seus olhos estão fechados e ela veste uma regata branca.
ma antologia é uma compilação de textos, tanto em prosa quanto em verso, normalmente escritos por autores renomados (Foto: Beth Garrabrant)

Não contente em lançar um álbum, Taylor Swift resolveu lançar outro, na mesma madrugada. THE TORTURED POETS DEPARTMENT: THE ANTHOLOGY foi lançado de surpresa duas horas após a versão inicial, contendo 15 faixas adicionais, totalizando 31 músicas – 13 ao contrário, porque nada é uma coincidência. Desde o anúncio do disco, feito no palco da 66ª edição do Grammy ao ganhar a categoria de Melhor Álbum Vocal de Pop com Midnights, a cantora vinha fazendo sinal de dois com as mãos e colocando easter eggs, remetendo ao gesto na promoção do registro. A teoria de um álbum duplo percorre as conversas da sua base de fãs há muito tempo, e finalmente aconteceu.

 

Sempre foi uma tradição de Swift lançar versões deluxe de seus álbuns. Mas, após o projeto das regravações com as faixas From The Vault, as músicas ‘descartadas’ começaram a ser disponibilizadas em tempo real. No seu trabalho anterior, Midnights, a intérprete de Anti-Hero já havia feito isso, lançando a 3am Edition com sete novas canções. Dessa vez, ela dobra ainda mais a aposta. Enquanto na primeira versão de ‘TTPD’, Taylor Swift foca em detalhar cada um dos últimos acontecimentos de sua vida, o outro lado do disco explora os pensamentos mais intrusivos da compositora, como espiar a janela dos outros. O protagonismo na produção dessa parte fica com Aaron Dessner, remetendo à atmosfera criada nos álbuns folklore (2020) e evermore (2020). 

Taylor Swift está em um ambiente de fundo escuro. Ela está de pé, usando um top preto e uma saia preta, com uma mão no bolso e a outra atrás do corpo. Seu cabelo está parcialmente cobrindo o rosto enquanto ela olha para frente.
Nessa nova versão, Taylor Swift explorada ainda mais as referências históricas e religiosas (Foto: Beth Garrabrant)

The Black Dog, a primeira faixa do THE ANTHOLOGY, é o principal destaque, sendo a favorita na categoria ‘músicas que deveriam estar no álbum principal’. O jeito mesquinho que a cantora diz “E eu espero que esteja uma merda no The Black Dog”, convém uma emoção irracional que todos já sentimos, de desejar algo ruim para alguém que nos machucou. Por outro lado, em thanK you aIMee, Swift não perdoa nem esquece, mas agradece. Relembrando os tempos que dava pistas em letras maiúsculas em seus álbuns, a faixa é uma indireta direta à Kim Kardashian, que foi uma das principais responsáveis pelo intenso cancelamento que a artista sofreu em 2016. Na canção, deliciosamente carregada de influências country, a compositora ainda ressente tudo que aconteceu, no entanto reconhece que sem aquele momento, não estaria onde está hoje.

Descobrimos também que a garota de Love Story continua viva dentro de Taylor Swift com The Prophecy. O desejo de encontrar sua alma gêmea persiste, o que explica porque, em certas composições, os temas adolescentes ainda são explorados. Como a mesma disse em But Daddy I Love Him: “Crescer precocemente às vezes significa não crescer de forma alguma”. Essa jovialidade é recorrente em So High School, que junto de The Alchemy, da versão original, são as canções destinadas à Travis Kelce, o novo parceiro de Swift. Com várias referências ao início da década de 2000, a mais nova torcedora do Kansas City Chiefs e vencedora honorária da 53ª edição do Super Bowl declara sua paixão da mesma forma que uma jovem de dezesseis anos.

Retrato de Taylor Swift segurando uma flor e olhando para ela. Ela está usando um top branco e seu cabelo está preso.
Na sessão de fotos do THE TORTURED POETS DEPARTMENT, Taylor Swift parece referenciar retratos de poetas antigos (Foto: Beth Garrabrant)

Qual o propósito de THE TORTURED POETS DEPARTMENT: THE ANTHOLOGY? Por um lado, 31 músicas é um grande presente para os fãs e mostra o quanto Swift está disposta a sempre recompensar seus maiores admiradores. Ao mesmo tempo, pode ser visto como uma forma de obsessão por números e de alimentar a roda da criação de conteúdo nos tempos do TikTok. Ambos são verdade. A artista já se mostrou, muitas vezes, se importar com charts, vendas e premiações. Os meios podem ser questionáveis, todavia os fins são claros. Vale de cada pessoa discordar e não consumir sua música ou concordar em não se importar e aproveitar o material. Esse não é só um argumento dos swifties, mas de quem entende o impacto da música da ‘loirinha’, como o ex-CEO da empresa norte-americana Ticketmaster, Nathan Hubbard, ao dizer no podcast Every Single Album que: “Este álbum é importante. Faz parte de sua narrativa. Mas não precisa ser o seu favorito ou de qualquer outra pessoa. Deixe-a criar exatamente de onde ela está.”

Para o futuro, quando se trata de Taylor Swift, muita coisa é esperada. No momento, a artista encaminha para a finalização da The Eras Tour na América do Norte, incluindo o novo ato do THE TORTURED POETS DEPARTMENT. Quanto às regravações, reputation (Taylor’s Version) já passou da hora de aparecer, junto do auto-intitulado debut. Ainda é muito cedo para se dizer qual será o caminho para o próximo disco de inéditas, entretanto seria interessante que a banda dos poetas torturados seja separada para que Swift explore uma nova sonoridade e inicie uma nova fase em sua carreira.

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