Agata Bueno
Nove gerentes regionais, três casamentos, seis festas de Halloween, sete festas de Natal, duas edições do Dundies, um atropelamento, um filme e um documentário. A adaptação estadunidense da série de Ricky Gervais e Stephen Merchant reproduziu a rotina de uma empresa de papel no interior da Pensilvânia entre Março de 2005 e Maio de 2013. Em meio às inúmeras ameaças de fechamento, as nove temporadas de The Office mostraram o dia a dia das pessoas que se encontram das 9h às 17h na Dunder Mifflin. Ou melhor, de uma família que se formou diante das câmeras no decorrer dos 201 episódios e acumulou uma audiência que se tornou mais do que clientes interessados em papel.
A música de abertura inconfundível acompanhou curiosos e espectadores fiéis durante os anos. O seriado mais assistido em 2020 pelos norte-americanos, dado divulgado pelo site NME, diz muito sobre a reputação da sitcom atualmente. Com um formato de pseudodocumentário, os funcionários de uma empresa do ramo de papelaria são comandados pelo imprevisível Michael Scott (Steve Carell), enquanto Jim Halpert (John Krasinski) se apaixona por Pam Beesly (Jenna Fischer) entre uma ligação e outra, e Dwight K. Schrute (Rainn Wilson) lidera o ranking de vendas – e possivelmente um plano de dominação global. Ao longo dos expedientes, interações entre o time de vendas, a contabilidade e os responsáveis pelo controle de qualidade renderam risadas, lágrimas e momentos profundos de constrangimento.
Muito próxima ao humor britânico, a primeira temporada parece ser um empecilho para parte dos espectadores. A comicidade baseada no incômodo alheio vista no início de The Office quase custou à série seu cancelamento. Felizmente, a NBC viu o potencial em Carell e, junto ao formidável time de roteiristas, produziu as oito temporadas seguintes. A sátira do politicamente incorreto, com situações embaraçosas e reuniões demais na sala de conferência, rendeu à filial de Scranton 42 nomeações ao Emmy e milhares de espectadores ao redor do mundo.
O prédio comercial localizado em Scranton parece, de longe, ser um edifício como outro qualquer. Dentro de uma das salas comerciais, entretanto, o coração da Dunder Mifflin Paper Company lateja com o enfado de Stanley, os caprichos de Angela e os dramas de Kelly. Graças a aproximação gradual às figuras do escritório, as câmeras não se limitaram ao terreno da empresa: entre viagens à sede em Nova Iorque e happy hours no Poor Richard’s, o espectador pôde sentir-se próximo aos trabalhadores da companhia mais movimentada da televisão. E, também, aos vários personagens de Michael Scott.
Muitos são os adjetivos usados para descrever Michael Gary Scott, o líder à frente do escritório. Inconveniente, autoiludido e carente são apenas alguns deles. Mas o que leva o público a ficar com os olhos marejados enquanto assiste o gerente ir embora na sétima temporada? Talvez seja o trabalho impecável do ator, ou então a construção do personagem ao redor de seus funcionários. Uma certeza é plena: é possível sentir a simpatia pelo chefe infame crescer conforme os episódios se desenrolam. Os romances, as aulas de improviso, as promessas às crianças do jardim de infância e até um incidente com uma grelha mostram o lado humano de Michael; os medos e os anseios de um anti-herói com o qual é possível se identificar e, mais do que isso, criar laços.
A familiaridade é um ponto crucial no desenvolvimento de todos os personagens no decorrer das temporadas. A maneira como a essência de cada um deles se manteve fiel até a última cena torna-se uma peça-chave na relação com a audiência. Das intrigas no comitê de planejamento de festas até o local exato da onde vem o adubo da fazenda Schrute. O vínculo estabelecido entre o escritório e o depósito (e mesmo com a Refrigeração Vance) excede a quebra da quarta parede; é como se a família do escritório se estendesse. Assistir alguém se apaixonar, cair em um lago ou fraudar uma empresa pode ser tão natural quanto colocar uma série na TV enquanto almoça.
Essa naturalidade foi um solo fértil para o florescimento da admiração do seriado. As temporadas que sucederam a partida de Michael provaram o quanto a audiência conectou-se com aqueles que passaram a representar o escritório. Num cenário de incertezas, surgiram novos rostos e encaminhamentos diferentes para certos personagens. A semente plantada inicialmente, que partia de uma ligação pessoal com os funcionários dentro e fora da empresa, rendeu frutos perenes.
Mesmo após 10 anos, o número de fãs continua a crescer. Os cortes das cenas que são reproduzidos em plataformas como o Twitter ou TikTok contribuíram para abrir caminhos para novos públicos. Procurar uma câmera em situações embaraçosas fica cada vez mais comum à medida em que percebemos como a arte imita a vida (e que o mundo não é só feito de Ryan Howards).
Comover uma audiência pode ser ou um trabalho árduo projetado ou uma consequência natural a partir de uma sucessão de eventos. A versão norte-americana de The Office parece ter utilizado das duas possibilidades para dar vida a uma das maiores séries da atualidade. Não é todo dia que se pode cultivar uma relação tão forte entre o auditório e os diferentes papéis que surgem em um escritório. Um laço familiar que se atou num casamento nas Cataratas do Niágara e apenas se fortificou em outra cerimônia numa fazenda no interior da Pensilvânia, bem diante das câmeras. Dez anos depois, é como se a família Dunder Mifflin nunca tivesse deixado o escritório. Uma garantia de que o adeus não é definitivo e a filial de Scranton sempre manterá suas portas abertas!