Giovanna Freisinger
Na televisão, a regra é clara: quanto mais tempo no ar, mais dinheiro para a emissora. Há pelo menos duas temporadas, O Conto da Aia vem tentando encontrar maneiras de adiar ao máximo seu inevitável fim. A conclusão da quarta renovou os ares para o enredo, com June (Elisabeth Moss) finalmente escapando de Gilead e alcançando sua liberdade, mas, ao arrastar o desenrolar desse novo cenário durante toda a extensão da quinta, a história caiu em mais um ciclo repetitivo. A série, que antes prendia a atenção mesmo diante das sequências mais difíceis de digerir, agora não consegue manter o espectador interessado o suficiente para o próximo episódio.
O lançamento de The Handmaid’s Tale foi um divisor de águas para a emissora Hulu e um marco para a indústria. A produção era sempre mencionada entre os destaques da chamada nova era de ouro da televisão. Em 2017, seu ano de lançamento, ganhou oito dos treze troféus Emmy a que concorria, inclusive o de Melhor Série de Drama. Esse ano, a obra que costumava varrer a premiação foi indicada em apenas uma categoria: Melhor Atriz em Série de Drama, contemplando o trabalho de Elisabeth Moss. A atriz já recebeu outras sete nomeações e levou para casa dois prêmios, um pela mesma categoria desse ano e o de Melhor Série de Drama, já mencionado, enquanto produtora.
Com a história baseada no romance de 1985 de mesmo nome escrita por Margaret Atwood (que explora uma distopia totalitária fundamentalista cristã, fundada sobre discursos não tão distantes da nossa realidade), a série foi um sucesso absoluto, em audiência e em recepção da crítica. Rapidamente se tornou um fenômeno cultural: as frases, os símbolos e as vestimentas ficcionais foram incorporados por movimentos sociais reais ao redor do mundo, para comunicar mensagens importantes em comum com a temática da obra.
Entre os grandes diferenciais de O Conto da Aia sempre esteve a fotografia provocativa, do diretor Colin Watkinson, o que consolidou uma forte identidade visual para a obra. Nas paisagens da fria e dura Gilead, se destacam os uniformes coloridos que separam as castas – especialmente o vermelho sangue dos mantos das aias. As representações dos rituais e cerimônias traziam beleza ao perverso, com a coreografia da câmera, dos atores e do cenário em sincronia. A semiótica não era só muito agradável aos olhos, mas foi também um mecanismo utilizado para elevar a história, capaz de transmitir sensações e imergir o espectador naquele universo cruel, com eventuais pistas de humanidade.
Após a transição para Toronto, no entanto, o visual se perdeu, a ponto das cenas serem facilmente confundidas com qualquer outra série americana genérica de uma grande emissora. A direção manteve a qualidade e se destaca em momentos, mas às vezes tropeça em escolhas confusas que parecem uma tentativa desesperada de compensar o roteiro fraco e invocar algum drama. Três dos dez episódios, inclusive o final, Segurança, foram dirigidos por Moss, que se arriscou por trás das câmeras pela primeira vez na temporada anterior e demonstrou potencial.
A repetição dos mesmos conflitos e dinâmicas balança a catarse na frente dos olhos do público, mas nunca o deixa alcançá-la. A sexta temporada já está confirmada como a última e, com isso, muitas questões em aberto precisarão ser solucionadas. Porém, nos distanciamos tanto da luta e do sangue dos primeiros episódios, que essas tão esperadas resoluções perderam a urgência. Quando a história ainda fazia sentido, cada capítulo ficava na mente por dias depois de assistido. Isso não acontece mais, as direções tomadas se tornaram banais e esquecíveis.
Ainda assim, é difícil deixar a série ruim, por o material original ser tão bom – apesar de parecer não faltar esforços por parte da produção. Mesmo tendo perdido o foco, o roteiro do criador Bruce Miller incorpora novos elementos interessantes, agora fora do sistema de Gilead que já conhecemos, como o crescimento do sentimento de ódio aos imigrantes no Canadá e a formação de movimentos de apoio ao governo teocrático no país, nos lembrando como a distopia pode estar mais próxima do que imaginamos.
Também é muito interessante a maneira como a quinta temporada se aprofunda nos efeitos do trauma sobre as personagens e como ele se manifesta no dia a dia e em seus relacionamentos. June e as outras sobreviventes experienciam sentimentos conflitantes ao se verem diante de uma encruzilhada: buscar vingança ou seguir em frente e tentar retomar suas vidas. Os que ficaram, como Luke (O-T Fagbenle), têm que lidar com seu próprio trauma, enquanto se mantém consciente de que nunca será capaz de compreender o que a esposa passou e, portanto, como ela se sente e age. June Osborne continua sendo uma das personagens mais bem construídas da televisão, mesmo que, infelizmente, nem ela resista ao esgotamento do conteúdo. Está na hora de O Conto da Aia acabar com a tortura de June – e do seu público.