Isabella Lima
A maneira como lidamos com os sentimentos desencadeados pelo fim de um relacionamento diz muito sobre a nossa capacidade de adaptação. Muitas vezes, temos de lutar contra o desejo constante de voltar desesperadamente para alguém que não faz mais sentido manter ao redor. Mesmo estando cientes disso, ainda amamos aquela perigosa ideia de estar perto de algo familiar. Agora junte isso com momentos de epifania, com uma vontade de gritar para o mundo ‘quando esses sentimentos vão acabar?’, riffs de guitarra e o melhor do indie rock. Dessa combinação, temos os elementos principais do álbum Tell Me That It’s Over, o novo trabalho da banda californiana Wallows.
Formada por Dylan Minnette (sim, o protagonista da série 13 Reasons Why), Braeden Lemasters e Cole Preston, a banda lançou o seu segundo álbum de estúdio, composto por 10 faixas inéditas. Para este disco, o trio intérprete de Scrawny conta com a produção de Ariel Rechtshaid, um nome de peso na indústria: ele possui 3 Grammys em seu currículo e, anteriormente, já trabalhou com outros representantes da música indie, como Vampire Weekend e HAIM. Além disso, o fato dos três amigos já se conhecerem desde o início da adolescência traz muita familiaridade, leveza e facilidade ao trabalharem juntos no processo criativo de todas as músicas.
Wallows não decepciona ao transparecer a evolução musical, cultivada desde 2018 com o lançamento do Spring EP, seu primeiro EP assinado com a Atlantic Records. Logo depois, em 2019, veio o primeiro álbum de estúdio, Nothing Happens. Em 2020, os integrantes também não ficaram parados: durante a quarentena, o trio trabalhou no projeto mais experimental da carreira até então, o Remote EP. Agora, com o lançamento de Tell Me That It’s Over, observamos um retorno triunfal à essência da banda, que, mesmo incorporando novos elementos, consegue manter a originalidade e entregar composições muito além do hit viral do TikTok Are You Bored Yet?.
A jornada proposta pela Wallows no disco leva o ouvinte a refletir sobre a pressão que colocamos nos relacionamentos modernos, o medo de estarmos sozinhos e as inseguranças decorrentes de uma separação repentina. Nesse caminho, somos guiados através da perspectiva de uma pessoa que se sente deslocada na relação, e se perde em várias versões dela mesma para salvar o romance. A partir disso, a história se inicia com a faixa Hard to Believe, passando por todos os estágios de um rompimento conturbado, até culminar no encerramento, com Guitar Romantic Search Adventure.
Apesar das letras tratarem de assuntos românticos, a sonoridade é expressivamente enérgica, na maioria das músicas. Os arranjos remetem ao conceito nostálgico dos anos 80, que ganham tons mais modernos e característicos da Wallows. O primeiro single, I Don’t Want to Talk, marcou o retorno da banda com uma vibe retrô e tecnicolor, acompanhada de reflexões pertinentes sobre a juventude e vulnerabilidade, temas muito recorrentes em toda a discografia do grupo. “Percebi que quanto mais velho fico, fico mais inseguro/Se eu não tiver você ao meu lado, então não posso ter certeza”, o vocalista canta.
No processo de divulgação do álbum, a faixa escolhida para ser o segundo single foi Especially You. Aqui, a ênfase está na letra, que mira em retratar a mente de uma pessoa ansiosa, em um relacionamento no qual as incertezas e a falta de comunicação são persistentes: “Minha cabeça não pode compreender/Vivendo em segundo plano, imaginando o que você quis dizer”, os meninos cantam. Apesar de ter recebido uma divulgação expressiva e até um videoclipe, a canção é bem razoável, se comparada com as demais. Porém, é preciso admitir que o trio acertou no ponto e representou muitos de nós com o seguinte trecho: “Não consigo parar um humor que oscila/Vou ler qualquer coisa/Eu sei que não é isso que você quis dizer/Eu tenho o sentimento errado”.
Outra menção honrosa na nova fase da Wallows é a estética visual, repleta de imagens analógicas, luzes e um estilo que remete aos anos 90. As características estão presentes em todo o projeto, em especial no terceiro single, At the End of the Day, uma balada romântica que ganha traços melancólicos na voz suave de Braeden Lemasters. Na abertura da canção, já somos instigados a saber até onde vai a nostalgia despertada pela composição: “Por favor, deite sua cabeça aqui no meu ombro/A noite é jovem, mas ainda estamos envelhecendo/Você pode nos ver apaixonados assim para sempre?/Ou você tem medo de que seja muita pressão?”, o baixista canta. O clipe em si possui aspectos típicos de um curta-metragem indie, no qual viajamos em uma road trip, através da beleza do deserto até a cidade de Las Vegas.
Mas não é só de lamentos que a Wallows vive. A partir da metade de Tell Me That It’s Over, um momento de epifania nos faz entender, junto com a banda, algo muito importante: para superarmos, primeiro precisamos aceitar. A narrativa percebe que a energia gasta para tentar recuperar um amor perdido não vale a pena, se trata de um preço muito alto, que pagamos com o nosso tempo e até mesmo com a saúde mental. Esse tema está presente nas canções Permanent Price, Missing Out e Hurts Me. Dentre essas três, a última merece um lugar especial. A melodia contagiante e o jogo de palavras estabelece um diálogo entre os intérpretes, que, juntos, concordam não precisarem estar nessa relação problemática. “Eu não me importo/(Eu vou ter que aceitar que eu)/Eu não preciso disso porque me machuca”, diz a letra.
Um fato curioso, também comentado pela banda em seu canal no YouTube, é em relação ao título do álbum: a frase “Tell me that it’s over” é repetida diversas vezes ao longo do disco. Por isso, Breaden sugeriu que esse fosse o nome do álbum, ao invés de escolherem uma música-título. Tanto no primeiro single quanto no encerramento, a sentença está presente, o que dá uma sensação de fechamento de ciclo: “Gostaria que pudéssemos cancelar o tempo/Ou deixe tudo voar/Apenas me diga que acabou agora”, canta o trio em Guitar Romantic Search Adventure, última faixa do CD.
Tell Me That It’s Over é um retrato do amadurecimento desses artistas, que possuem uma essência capaz de proporcionar um futuro promissor. Enquanto isso, continuam a retratar as inquietudes da juventude e estabelecem conexões com pessoas que, assim como eles, estão adentrando os conflitos da vida adulta. Dentre os dilemas dessa fase, a questão amorosa é apenas uma das ramificações. Porém, com maestria e sinceridade, a banda de Los Angeles mostra que está tudo bem em sentir – é preciso sentir. Para alguns, o álbum pode ser um conforto ou até mesmo um jeito de perceber que não estão sozinhos nessa situação. Ao final, uma coisa que a Wallows apresenta neste novo trabalho é certa: o caminho para superar ensina mais sobre nós mesmos do que o fim.