Geovana Arruda
Os dias de glória e as rimas sem censura das gêmeas Tasha e Tracie Okereke tornaram Diretoria uma obra-prima do começo ao fim. Desde o lançamento, no dia 19 de agosto de 2021, as paulistanas da Zona Norte conquistaram os fãs e as paradas das plataformas de streaming com verdadeiros hits que ilustram suas conquistas como as poderosas “pretas, chave da favela”. Após o lançamento de Rouff em 2018, as irmãs apresentam majestosamente Diretoria, composto por 7 faixas com o selo da Ceia Ent., coletivo de hip hop que possui grandes lançamentos como JOVEM OG, do rapper Febem, e NU, de Djonga.
Muito aguardado, o trabalho é fiel às rimas fortes do rap, feito pelas irmãs com samples envolventes, misturando desde funk e trap, ao R&B, samba e brime. O projeto traz parcerias com ótimos rappers, que são peça-chave para completar os sons e versos das gêmeas, mostrando um pouco de como é chegar até aqui, almejar o luxo e dizer que por aí vem mais.
As letras fomentam o empoderamento feminino das mulheres pretas de favela, que Tasha e Tracie tem convicção e, mais do que tudo, vivência. O MPIF, ou coletivo Mulher Preta Independente de Favela, que elas integram, incentiva outras mulheres a se expressarem, correrem atrás do que é seu e se apoiarem por meio da Moda, Cultura e outras experiências que as paulistas compartilham.
O cenário autobiográfico vem sendo traçado desde as primeiras rimas. Na introdução Wanna Be’s, ouvimos a apresentação do início de uma trajetória, citando o projeto Expensive Shit, no qual Tasha e Tracie produzem conteúdos que fomentam a Moda e o ativismo das mulheres pretas. Como bem dizem, a música que fala sobre a inspiração que se tornaram, pode ser como o início de um currículo de sucesso: “Wanna Be’s aplicavam/Tasha & Tracie não vai ser/Essa vadia eu que formei/Vou incluir no meu CV”.
A segunda faixa, que tem o mesmo nome do primeiro EP das gêmeas, Rouff, é um verdadeiro hino. Com as batidas pesadas produzidas pelo CESRV e traços do brime, a identidade das paulistanas é impressa mais uma vez nas palavras, exaltando que, para quem desacreditou da dupla, elas definitivamente conseguiram. É possível ouvir ao fundo alguns recortes sonoros do funk, estilo que, gostem ou não, mostra a brasilidade e, junto ao rap, são fiéis em retratar a realidade da dupla na Zona Norte de São Paulo.
Produzida por DJ MF e Pizzol, Amarrou apresenta às referências e versatilidade do álbum com batidas nostálgicas do estilo texano Dirth South e as rimas do rapper Veigh, que casaram harmonicamente com os versos que exaltam a sexualidade, estilo e poder da mulher preta. “Drip de negona/Nasci com a boca que elas compra/Cacho de Colombiana/Unha de brasileirinha/Aquilo que em você não brilha/E na bolsa tem várias de cem/ Peitinho e bumbum pequeno mas mexe mexe bem”. Na letra, Tasha e Tracie deixam explícito que a mulher preta, seus traços e seu estilo sempre são alvo do consumo – todas querem ser e ter.
Do Dirth South ao trap, Cheat Code acelera o ritmo com o feat de Vinex e passa a visão de que, para se chegar onde se está, muitos utilizam o código de trapaça chamado privilégio. Os versos deixam evidente que, na trajetória das paulistanas, o que não faltou foi muito trabalho duro e que, acima de tudo, toda a vida que levam hoje é fruto do talento e de muita correria. Em seguida de muito trabalho, as pretas não poderiam deixar de lado a ostentação – Lui Lui e o instrumental de piano envolvente ao fundo, apresenta o segundo feat mais marcante do álbum, Febem e ONNiKA celebram com as gêmeas o sucesso. “Sempre quis ter uma Lui Lui/Agora com vários Adidas/Eu revezava dois boot/Hoje eu só pago à vista”.
A já conhecida SUV foi a prévia perfeita lançada em julho do que estava por vir em Diretoria. Em parceria com Yunk Vino e com a produção de Mu540, a música ganhou um videoclipe à altura. A faixa faz o compilado de rimas com o tema cravado no disco, a vitória e o sucesso que as talentosas rappers alcançaram em tão pouco tempo deve ser celebrado.
As batidas do funk tiveram destaque e são referência direta à vida e inspirações das rappers, que também são DJs em bailes no Jardim Peri. Em entrevista ao RapGol Mazagine, elas reforçam a relação: “Os caras do funk, vários se influenciam pelo rap, e eu e vários MC’s nos inspiramos no funk. Já rolou muito preconceito das pessoas do rap com o funk e isso pra nós nunca fez sentido”.
A última faixa dá nome e capa ao álbum. Com o fundo musical inspirado nas percussões das escolas de samba, a conexão entre as raízes da Música preta nunca estiveram tão evidentes, unindo a história das irmãs, filhas de mãe brasileira e pai nigeriano, com o samba, o funk e o rap. Embora seja um desfecho, o projeto é só o aquecimento para mais músicas que estão por vir.
Tasha afirma em entrevista para o RapGol Magazine que Diretoria é apenas o começo. “Enxergamos ‘Diretoria’ como um pé na porta. A gente tentou passar um recado que somos MC’s, sem essa de rap de mina. Com esse EP, conseguimos passar a mensagem e agora podemos entrar em outros assuntos e vibes, assim como falar de sensibilidade, que são os próximos passos”.
Com muita personalidade, força e talento, as MC’s são uma ótima revelação e aposta do rap nacional. Em pouco menos de um mês do lançamento de Diretoria, as paulistanas mostraram ao público que vieram para ficar e que a força da mulher no rap é gigante. Tudo se encaixa no disco, tornando ele um dos, se não o melhor, lançamento do ano na cena. Resgatando as raízes, mas sempre com samples chiclete como os dos hits mais antigos Salve e Tang, a dupla Tasha & Tracie tem tudo para conquistar o Brasil e o mundo.