Júlia Aguiar
Um indie que não parece indie: com gráficos elaborados e uma narrativa intrigante, Stray convida o jogador a experienciar, na pele de um felino, um cenário enigmático com luzes neons, as quais o seduzem para uma aventura na cidade futurista e ao mesmo tempo apocalíptica. Assim, nosso gato protagonista deve desvendar os puzzles necessários para escapar de um submundo esquecido e retornar à vida anterior com sua família. Não é à toa que a Annapurna Interactive, estúdio famoso por publicar jogos como Sayonara Wild Hearts e Outer Wilds, viu também potencial em Stray. Desenvolvido pela pequena equipe francesa BlueTwelve Studio, o game foi lançado em 2022.
Acompanhado por um drone que tem o mesmo nome da desenvolvedora (B12), nosso bichano perdido recebe a sua assistência para poder interagir com equipamentos eletrônicos ou ler o alfabeto dos robôs que vivem na cidade. Não fica claro no início da narrativa o porquê do jogador receber apoio de B12, mas a figura faz com que ele se sinta mais seguro, pois ajuda a enfrentar o que parecem ser nossos inimigos: os zurks. Esses seres similares a grandes carrapatos o perseguem sempre que possível, causando um desconforto digno de jogo de terror. Também não fica claro as intenções deles com o jogador, mas já apresentam um estado de perigo e apreensão.
Porém, a presença dos zurks, junto com outros drones que caçam o personagem, são os únicos momentos que promovem um raciocínio mais rápido e ao mesmo tempo cuidadoso. A obra não ultrapassa as barreiras dessa ambientação, o que é compreensível, já que não é um jogo de horror, sendo apenas uma pitada de tensão para acionar batidas descompassadas em nossos corações.
Tirando as breves preocupações com o panorama desconhecido em Stray, os robôs humanóides trazem um alívio íntimo: o da rotina. A cidade, vivida pela população robótica nos restos do que poderia ter sido uma ocupação humana, carrega um conforto semelhante ao que vemos em temas cyberpunks. Nesse ambiente é apresentado baladas, comércios e entretenimentos equivalentes ao que temos na nossa espécie. Os NPCs, geralmente taciturnos, impressionam-se facilmente com a criatura pequena e peluda, expondo a feição deslumbrante dos seres robóticos.
E esse é um fator importantíssimo para a narrativa de Stray, porque é o que nos prende a trama. O anseio pela descoberta do que houve com os ancestrais dos seres humanóides, juntamente com a cativante amizade ou inimizade feita com os habitantes do local, são suficientes para transformar o player, cada vez mais, em espectadores de um filme em formato de jogo.
Não é surpresa que a cinematografia do game cumpra seu papel de maneira excelente – seja na direção de câmera, imagem ou cor. A estética mesclada de retrô e moderno acerta em todas as suas tentativas, principalmente quando somos invitados para um ‘pause’. Momentos esse em que o jogador deita-se na almofada enquanto a câmera se afasta lentamente e conduz a um olhar mais amplo do espaço, produzindo certo êxtase: você está em paz.
Outro destaque no design do jogo é a sua trilha sonora focada no estilo synthwave, como em Stranger Things, propositalmente combinada com a atmosfera futurista melancólica. Ao ouvir as músicas enquanto explora a cidade, aflora-se um instinto para resolver os enigmas propostos, subconscientemente nos dizendo: “você está perto!”. A imersão está completa.
Além disso, a viagem é repleta de descobertas, ainda mais por sermos um animal curioso e que se impressiona com coisas comuns, igual nossos queridos pets. O gatinho ruivo encaixa perfeitamente no tipo de protagonista explorador – por ser de sua natureza – de modo que o player fique sempre atento ao que acontece ao seu redor. A jogabilidade segue a mesma linha de pensamento, a qual, embora tenha poucos movimentos e seja focada nos pulos, são essenciais para a investigação, e obriga a olhar o cenário de outro ângulo.
Em suma, Stray entrega o que prometeu! O jogador pode experimentar pulos, quedas e corridas que, apesar de serem mecânicas simples, nos proporcionam as vivências do felino de quatro patas. Com sua mochilinha, nosso personagem extremamente fofo possui a ambição de um animal feroz e está pronto para resolver desafios – também simples – de desbloquear memórias de antepassados dos robôs, simultaneamente buscando seu caminho de volta para casa. Assim, mais do que um simulador de gato, a exploração do ambiente aberto e dos personagens constrói uma história misteriosa e divertida.
O enredo curto e direto, em torno de quatro a seis horas de gameplay, na verdade expõe que a contemplação do cenário é a verdadeira experiência para o jogador. Logo, a técnica da jogabilidade pode parecer repetitiva, mas cada passo vagaroso é necessário para a verdadeira pesquisa de campo do detetive nato que é nosso protagonista. O resultado? Stray prova que menos é mais.