“É melhor correrem, ela é nossa amiga e é doida!”
— Dustin Henderson
Júlia Caroline Fonte
Poucas obras audiovisuais conseguem se consagrar como um marco do entretenimento, mas Stranger Things é uma delas. A série poderia facilmente ter saído direto dos anos 80 e se destacado como um clássico da época, e por mais que não pareça, ela completa em 2021 apenas 5 anos desde que torcemos muito para Joyce ter Will de volta em seus braços. E é também curioso que seu aniversário de meia década seja no auge dos conflitos das gerações, causando, antes mesmo de seu encerramento, nostalgia em qualquer pessoa que tenha uma alma cringe.
Stranger Things foi um fenômeno imediato, contribuindo até mesmo para elevar o sucesso da própria plataforma que a produziu, a Netflix. Tudo isso porque a criação dos irmãos Duffer conseguiu nos proporcionar uma viagem de volta à nossa infância, enquanto celebrava os coloridos e nerds anos 80 norte-americanos, relembrando tudo o que teve origem nesse período.
A época é muito bem construída visualmente em todas as três temporadas, sempre trazendo uma quantidade enorme de referências e easter eggs – muitas vezes não tão escondidos – dos grandes sucessos da cultura pop daquele momento, como Star Wars, E.T. O Extraterrestre, Os Goonies, Alien, Os Caça-Fantasmas, Dungeons & Dragons e Dig Dug. Além disso, não podemos deixar de mencionar os figurinos divertidos e estilosos e uma ambientação perfeita com fliperamas, locadoras de vídeo e shopping center na pequena Hawkings, que cria um cenário perfeito para a série.
Contudo, Stranger Things não se garante apenas por isso: seu ponto alto e ingrediente principal para o sucesso são, sem dúvida, seus personagens e tudo o que os envolve. Acompanhamos Mike (Finn Wolfhard), Will (Noah Schnapp), Lucas (Caleb McLaughlin) e Dustin (Gaten Matarazzo) desde a primeira temporada, ainda crianças, e presenciamos todo o peso e trajetória dessa amizade. Trazendo um forte gostinho de infância, somos invadidos pela nostalgia que eles nos proporcionam ao criarem seu próprio mundo de fantasia no porão de casa.
A partir de uma amizade forte e fiel, e com muita inocência, os garotos moveram tudo o que podiam para resgatar Will, como faziam em seu tabuleiro de D&D, uma vez que isso é o que mais importa para eles, pois “um amigo é alguém por quem você faria de tudo. Você empresta coisas legais, como gibis e figurinhas. E ele nunca quebra uma promessa”. Assim, suas personagens bem construídas e cativantes garantiram identificação com o público logo de cara, trazendo acolhimento quando se viam espelhados na tela, já que todo nerd quando criança passou por algumas coisas que esses garotos viveram, seja na vida real ou em seu imaginário.
É importante também destacar que essas relações se expandem muito mais ao longo das temporadas. Há a satisfação em ver Eleven (Millie Bobby Brown) e Max (Sadie Sink) deixando de lado uma rivalidade feminina totalmente infundada e sem sentido, para dar lugar a um laço muito forte, tornando-se melhores amigas. Elas se apoiam a todo momento e tentam abrir os olhos uma da outra para situações injustas para as quais não devem baixar a cabeça, além de mostrar que são capazes de resolver qualquer coisa.
Stranger Things acompanhou a vida dessas personagens, e, por isso, as mudanças são muito evidentes no decorrer de sua história. Após deixarem um pouco a infância de lado – nem todos, é claro -, a série desenvolve o debate sobre crescer e amadurecer. Assim como mostra Will, esse processo pode ser difícil, e às vezes não estamos preparados para deixar de lado tudo o que vivemos e amamos, ou aceitar que nem tudo se manterá da forma como queríamos para sempre. Tudo são fases, e enfrentar monstros com suas habilidades mágicas no porão de Mike um dia teria que chegar ao fim.
Crescer é fundamental e importante para entender que o mundo pode ser mais difícil do que parece e precisamos aprender a lidar com ele. Nancy (Natalia Dyer), Jonathan (Charlie Heaton) e Steve (Joe Keery) nos provam isso. Entender seu passado e consertar o que é necessário no presente pode nos levar a caminhos surpreendentes, e trazer novas experiências e pessoas importantes em nossas vidas. Além disso, é importante não apenas crescer, mas se conhecer e tentar superar antigos traumas, e aprendemos isso com Joyce (Winona Ryder) e Jim Hopper (David Harbour), que constroem uma ótima relação e mudam totalmente de vida diante de tudo o que passaram.
Essas transformações vão além dos personagens, e marcam presença na série em sua totalidade. As temporadas muito bem construídas, embora não isentas de deslizes de roteiro, conseguem captar as mudanças da época e de Hawkings de uma maneira certeira. Principalmente quando analisamos a terceira parte de Stranger Things: a chegada do verão transparece o auge das cores e da vida dos anos 80, junto com a adolescência do nosso elenco principal, trazendo um tom um pouco diferente das temporadas anteriores, mas que casa com seu desenvolvimento.
No entanto, essas mudanças e complexo desenvolvimento dos arcos das personagens não comprometem a linha geral da série, que sempre mantém seu foco nos problemas e caos que o Mundo Invertido pode trazer para o nosso. Porém, parece que essas complicações supostamente resolvidas em uma temporada continuam insistindo, ao mesmo tempo em que seu apelo se esgota. Em algum momento precisaremos ter uma solução de fato, e isso nos faz questionar até que ponto Stranger Things continuará.
Se a intenção dos irmãos Duffer é finalizar a série em seu auge, o tempo parece acelerar, trazendo a preocupação de seu fandom sobre até onde será possível assegurar sua qualidade sem chegar ao ponto de saturação de temporadas, como ocorreu com diversas séries. Com a quarta temporada cada vez mais próxima, temos uma legião de fãs em que permanece uma forte dúvida: esperamos algum tipo de decepção ou realmente podemos nos surpreender com mais uma parte grandiosa dessa história, como já é de costume quando se trata de Stranger Things?
A série já conseguiu deixar seu impacto no audiovisual e no entretenimento em apenas 5 anos, sem nem mesmo chegar em seu encerramento. E da mesma forma que grandes sagas – como Harry Potter, Star Wars, Game of Thrones e Jogos Vorazes -, ST tornou-se para a cultura pop um marco que dificilmente será alcançado por outra série do gênero. E o principal: consegue deixar uma forte marca para seus fãs, pois as aventuras e inocência dos personagens nos transportam em uma viagem no tempo até a época em que acreditávamos que poderíamos enfrentar qualquer Demogorgon.