Isabella Siqueira
Mesmo que seja considerado um fracasso, o filme Showgirls merece ser revisitado décadas depois. A obra, que estreava 25 anos atrás, explora de forma provocadora um mundo corrompido. Dirigido por Paul Verhoeven (Robocop), conta com cenas de dança marcadas por muita nudez gratuita, podendo ser descrito por muitos como desagradável e incômodo. Contudo, deve ser aclamado, principalmente, por sua grosseria.
O filme é justamente uma autocrítica à cena vulgar e brega de Las Vegas dos anos 90, em especial, ao cenário dos clubes de strip. A história é um tanto simples, a protagonista Nomi Malone (Elizabeth Berkley) chega de carona fugindo de seu passado, e esse é um mistério que permanece quase toda a história. Escapando de crimes não ditos, a jovem é roubada e encontra consolo em apenas uma amiga, Molly (Gina Ravera), essa amizade é a relação singular que parece segurar Nomi de sua própria agressividade.
Com uma personalidade explosiva, Nomi, encara um trabalho de stripper num clube horrendo. Contudo, após ser descoberta, ela demonstra seu talento para a dança e acaba trilhando seu caminho como Goddess no Stardust Casino, um falsamente requintado clube de Vegas. Com um glamour fingido, esse ambiente também mostra corpos nus e danças violentas como qualquer outro clube, mas, sob a desculpa de ser pela arte.
Sempre como uma autocrítica, o filme expõe as trapaças que se escondem atrás das cortinas, com drogas, escândalos e prostituição sendo sugeridas a todo momento. Portanto, é compreensível a pobreza do roteiro e os personagens sem profundidade, o filme se entende como uma sátira. Com a preocupação de ser exagerada de propósito, a obra entrega também muitos palavrões e figurinos ousados.
Após muitas decepções, Nomi acaba chegando no topo. Em um caminho obscuro e violento, ela alcança um status que muitos duvidavam. Contudo, por trás era corrompida e enganada pelos homens que comandavam esse ambiente tão caótico e luminoso. Assim, a maioria das figuras masculinas do obra escancaram um cenário misógino e violento.
Após uma tentativa de homicídio, ela se livra de sua maior inimiga e também grande par na obra. Cristal, interpretada por Gina Gershon, é um verdadeiro espelho de Nomi, tanto que a compreende em sua busca desenfreada pelo sucesso. Elizabeth Berkley interpreta com maestria essa excessiva caricatura, tanto nas cenas de dança quanto em diálogos ásperos, a atriz entrega toda a agressividade da jovem misteriosa de diferentes lugares. Por fim, a jovem ingênua do começo do filme, que possui tanta raiva e valores, acaba sendo finalmente tratada como uma estrela.
Vencedora de sete prêmios Framboesa de Ouro, a obra, que na época de lançamento foi detonada pela crítica e amplamente rejeitada pelo público, hoje é tratada como um clássico cult. Além dos inúmeros debates sobre uma suposta genialidade de Verhoeven, ainda foi revivida no documentário de 2019, intitulado You Don’t Nomi, de Jeffrey McHale.
Showgirls é uma obra livre de qualquer moralismo, e se propõe a expor de forma sincera uma indústria tão perversa. Pode ser descrito como brega, vulgar e deselegante, e isso é o que Verhoeven pretende, em 2015 o diretor ainda defendeu o filme declarando um estilo Felliniesco. O cenário americano decadente é muito exagerado, mas também impressionante, são magníficas cenas de dança com coreografias que simulam sexo explicito.
Após ser considerado um daqueles filmes trash, a obra deve ser vista em toda sua transgressão. Com cenas feitas para gerar desconforto em quem assiste, Showgirls também passa muita curiosidade. Os personagens não são profundos, mas são honestos e possuem como regra a própria sobrevivência num sonho tão cruel. De certa forma, ele termina assim como começou, com uma mulher fugindo de sua história e de seus erros. Mesmo que massacrado pela crítica, Showgirls é uma obra prima apesar de quaisquer falhas.