Gabriel Oliveira F. Arruda
Lançado inicialmente para o PlayStation 2 em 2005 e mais tarde remasterizado para o PlayStation 3 e inteiramente refeito para o PlayStation 4, Shadow of the Colossus possui um legado especial na história dos videogames. Estreando próximo de jogos clássicos de mundo aberto como Grand Theft Auto: San Andreas, considerado um dos formadores do gênero, a obra prima de Fumito Ueda e do Team Ico permanece tão influente hoje quanto foi 15 anos atrás. Inspirando incontáveis análises de sua narrativa trágica e de seu game design que vai de contrapartida a muitas tendências atuais.
Shadow of the Colossus é de uma simplicidade, de fato, colossal. No papel do jovem guerreiro Wander, o jogador deve enfrentar e derrotar os 16 colossos que vagam pelas Terras Proibidas, armado com uma espada, um arco e uma fiel montaria, com o objetivo de ressuscitar Mono, uma mulher que foi sacrificada por ter um destino amaldiçoado.
A história é contada de maneira propositalmente vaga, deixando que o jogador trace os laços que envolvem a narrativa e as personagens. Não sabemos exatamente qual é a relação de Wander com Mono, apenas que ele está disposto a matar montanhas para tê-la de volta – e talvez seja apenas isso que precisamos saber. Sabemos que uma misteriosa entidade chamada Dormin afirma ser capaz de trazê-la de volta caso o protagonista derrote os 16 colossos que habitam as Terras Proibidas.
Como um mito, a história de Shadow of the Colossus se desenvolve não na complexidade das motivações de suas personagens, mas na inevitabilidade e nas consequências de seus atos. Assim como a busca de Orfeu para salvar Eurídice das garras do Hades, a busca de Wander também é descrita como um feito impensável, ridículo até, tornado possível apenas pelo humor de um deus curioso.
Após deixar o corpo de Mono em um altar, Wander sobe em sua égua, Agro, e parte em direção ao primeiro colosso, guiado por sua espada mágica, capaz de identificar os pontos fracos das bestas. O loop de jogabilidade fica claro desde o início: use a espada para achar os colossos, descubra seus pontos fracos, ache um caminho até eles e se segure para não cair.
A simplicidade do loop impede que ele se torne repetitivo, já que cada gigante age como um quebra-cabeças em si próprio, exigindo destreza e coragem para derrotá-lo. No primeiro momento que nos deparamos com um colosso, a tarefa parece impossível. É como ver um rato se impondo contra um urso, uma diferença que não é descrita como desafiadora tanto quanto plenamente insana.
Em contrapartida das fantasias de poder que jogos da época como God of War ou Devil May Cry costumavam oferecer, Shadow of the Colossus enfatiza a cada momento a inferioridade e a fragilidade de Wander perante os majestosos colossos, alguns dos quais sequer percebem a sua presença até que este comece a ofensiva. Wander reage brutalmente aos ataques dos colossos, tropeçando conforme eles se chacoalham e até desmaiando por vários segundos depois de um golpe especialmente bem dado. É uma abordagem refrescante de uma das facetas mais clássicas de videogames: a boss fight.
Matar cada colosso é uma experiência singular: desde a cena climática em que somos apresentados ao titã, até o momento em que descobrimos seu ponto fraco e traçamos uma rota e uma estratégia para chegar até ele. E, é claro, o instante em que dá tudo errado e precisamos improvisar para sobreviver à monstruosidade da tarefa em si.
O momento em que um colosso cai pode ser descrito de muitas formas, mas alegre não é uma delas. A música épica é cortada inteiramente, dando lugar a uma trilha melancólica e sombria, enquanto vemos a luz dos olhos do gigante se apagarem e o peso de seu corpo desabar sobre o chão, uma massa de couro, pelo e pedra se tornando ruína.
“A música [de Shadow of the Colossus] soa como se você tivesse salvado alguém que ama, mas que você não foi capaz de salvar todos que ama. Por exemplo, na faixa ‘End of the battle’ você acharia que a música seria triunfante depois de uma vitória. Mas, como um todo, essa trilha sonora se assemelha mais a uma prece ou a um réquiem.”
Kow Otani, compositor.
É um ato essencialmente egoísta da parte de Wander e consequentemente, do jogador, caçando essas belas criaturas não porque elas são agressivas ou perigosas, mas simplesmente porque ele não consegue aceitar o luto e a perda de Mono.
Como dito anteriormente, Shadow of the Colossus é de uma simplicidade colossal, mas também é um jogo pequeno de dimensões gigantescas. É possível completá-lo em cerca de 7 horas em uma primeira jornada. No entanto, é ao longo dessa jornada do herói para enfrentar os 16 colossos que vemos a dimensão de sua perda, nas planícies pelas quais ele vaga, nos vales em que ele adentra, nos desertos pelos quais ele cautelosamente cavalga. A solitude daquele lugar abandonado pela vida humana é muitas vezes comovente e, frequentemente, trágica.
Os controles, na época do lançamento original, não eram os melhores e a taxa de quadros por segundo era no melhor dos casos inconstante. Era claramente um jogo à frente de seu tempo no que diz respeito ao hardware do PlayStation 2. A maior parte desses defeitos foi corrigido nos lançamentos posteriores, com o remake rodando em 4K e 60fps no PlayStation 4 Pro.
Porém, a desenvolvedora Bluepoint Games, responsável por essa versão, acertou ao não comprometer a visão artística da obra original, mantendo a dificuldade de Wander ao guiar Agro e acertando os controles para ficarem mais confortáveis, mas não menos difíceis de se dominar.
Com o desenvolvimento de mundos abertos, começamos a ver cada vez mais desenvolvedores focando em encher esses lugares de atividades, pessoas, animais e narrativas, num esforço para torná-los mais vivos. Em contrapartida disso, Shadow of the Colossus te coloca em uma terra vazia, salvo pelo protagonista e alguns animais terrestres e aéreos. E, é claro, os colossos. Parece irônico que nosso objetivo aqui seja essencialmente tornar esse mundo ainda mais vazio.
Até mesmo títulos modernos como o simulador de samurai Ghost of Tsushima, da Sucker Punch Productions, tiram inspiração da abordagem de mundo aberto de Shadow, oferecendo direcionamento mínimo e diegético para o jogador, com longos planos abertos e de cores vibrantes que o imergem na fantasia.
De maneira similar, os mundos em ruínas da From Software, da série Souls e Bloodborne (alguns dos jogos mais influentes da década em termos de game design e narrativa interativa) são claramente influenciados pela visão que Fumito Ueda e o Team Ico tiveram em 2005: para um mundo ser vivo ele precisa existir de maneira independente do jogador, suas arquiteturas e topografias precisam servir antes a si mesmas e não as mecânicas de jogo. O jogador precisa se adaptar a lógica interna desses lugares para que eles se tornem verdadeiramente reais.
No esforço de Ueda para transmitir essa solidão alienante do resto do mundo, não há um sistema de combate ou inimigos menores que se interponham entre um colosso e outro. Há apenas Wander, Agro e os colossos, vagando pela imensidão em um silêncio pesado e esmagador.
O som da obra é quieto e contido, reservando suas sessões operáticas e grandiosas para as lutas contra os colossos, deixando o jogador na maior parte do tempo com os grunhidos de Wander ao escalar os obstáculos da região e os relinchos e cascos de Agro. Nas partes que toca, a trilha de Kow Otani brilha ao transmitir a enormidade e o mistério de cada colosso enfrentado de maneira singular. Vemos todos esses elementos entrando em conjunto na icônica abertura do jogo, que nos fornece um vislumbre da atmosfera e da vastidão de seu mundo.
Em 2005, o game alcançou sucesso comercial e crítico, sendo recebido como um marco no desenvolvimento de jogos eletrônicos e uma afirmação de seu potencial artístico. Maximizando sua abrangência através de uma premissa simples e acessível, uma jogabilidade intrigante e uma narrativa capaz de emocionar até mesmo em seus momentos mais silenciosos.
Na sombra de cada colosso há uma história de vitória e fracasso, de satisfação e culpa. Na quieta reflexão sobre luto e mortalidade que é Shadow of the Colossus 15 anos depois, nós não somos o herói galante, mas sim um mero peão, inconscientes das consequências de nossos atos, enfrentando montanhas em busca do impossível.