Arthur Caires
Em Abril de 2024, Sex and the City entrou no catálogo da Netflix e foi novamente popularizada. Originalmente, a série esteve no ar de 1998 a 2004, mas foi com o poder da maior plataforma de streaming do mercado que se tornou, mais uma vez, o assunto do momento. E assim, de uma hora para outra, as redes sociais foram dominadas pelas frases de efeito de Carrie, discussões sobre como a protagonista é uma péssima amiga e vários tutoriais de como fazer o famoso drink Cosmopolitan.
Um dos motivos do grande sucesso de Sex and the City é a sua história despretensiosa e as personagens que geram grande identificação com o público. Criada por Darren Star e baseada no livro homônimo da jornalista Candace Bushnell, a série acompanha quatro mulheres solteiras, por volta de seus 35 anos, vivendo em Nova Iorque e explorando sua feminilidade de maneira aberta e honesta.
Carrie Bradshaw (Sarah Jessica Parker), uma escritora e colunista que explora com sensibilidade os altos e baixos dos relacionamentos e do sexo em suas crônicas, transmitindo um charme e inocência únicos que só Parker poderia proporcionar. Samantha Jones (Kim Cattrall), por outro lado, é uma publicitária de sucesso, destacando-se por sua atitude desinibida e liberdade sexual, com Cattrall trazendo uma ousadia cativante à personagem.
Enquanto isso, Charlotte York (Kristin Davis) se mostra como uma galerista romântica e otimista, cuja busca incessante pelo amor verdadeiro e pelo casamento perfeito é retratada com uma doçura que Davis entrega com naturalidade. Por fim, Miranda Hobbes (Cynthia Nixon), a advogada cínica e pragmática, luta constantemente para equilibrar sua carreira e vida pessoal, com Nixon trazendo uma força e vulnerabilidade que tornam sua personagem profundamente autêntica.
Sex and the City não foi apenas mais um programa de Comédia. Ao abordar abertamente temas como sexualidade feminina, amizade, carreira e a busca por identidade em uma grande cidade, a série quebrou tabus e moldou a forma como a Televisão retrata as mulheres. Ao trazer para a tela personagens femininas complexas, ambiciosas e com desejos próprios, a produção de Michael Patrick King abriu caminho para uma maior diversidade de narrativas sobre mulheres na TV. Por esses motivos, a série merece o grande reconhecimento que recebe.
O fenômeno da repopularização que está acontecendo com Sex and the City já ocorreu algumas outras vezes com seriados da mesma época de circulação. Em 2018, Friends foi disponibilizada na Netflix do Reino Unido e se tornou a série mais assistida daquele ano no país. Já em 2020, The Office foi a produção mais reproduzida do catálogo estadunidense. Além de tais acontecimentos trazerem um novo público para as produções, é interessante notar o contraste entre a realidade daquela época apresentada e a visão de hoje em dia, junto ao modo que as pessoas reagem a isso.
Sendo uma produção do início da década de 2000, é claro que há diversas problemáticas e erros que Sex and the City cometeu. Como quando Carrie invalida a bissexualidade de um interesse romântico ou, por exemplo, a predominância de personagens principais brancos, enquanto as minorias eram estereotipadas, caricatas e, na maioria das vezes, motivos de piadas. É importante olharmos para essa história de 20 anos atrás com as lentes de hoje, mas não esquecendo de aproveitar seus pontos positivos. Encontrar essa nuance é a chave para conseguirmos ter um senso crítico ao mesmo tempo que reconhecemos as qualidades de uma obra.
Sex and the City serve como um refúgio escapista para muitos, uma viagem para um universo onde mulheres sofisticadas e bem-sucedidas navegam por relacionamentos, moda e a vida em Nova Iorque. A série, apesar de apresentar uma realidade idealizada e, muitas vezes, distante da vivência de grande parte do público, consegue conectar-se com os espectadores por meio de temas universais. Além disso, funciona como uma cápsula do tempo, capturando um momento específico da cultura pop e dos costumes sociais, ao mesmo tempo, abordando questões atemporais que ressoam com o público de todas as gerações.
Diante desse sucesso crítico, seria natural esperar que os criadores encerrassem a história após seis temporadas, sem forçar uma continuação, certo? Infelizmente, isso não aconteceu. Após o término da série, foram desenvolvidas quatro produções derivadas: Sex and the City – O Filme (2008), Sex and the City 2 (2010), O Diário de Carrie (2013) e a mais recente And Just Like That… (2021). Seguindo a lógica hollywoodiana de que, se algo é lucrativo, deve-se fazer uma sequência, um spin-off, uma prequel, uma requel e assim por diante, a franquia foi estendida muito além do seu final original.
O primeiro filme pode até ser justificável, pois realmente agrega à história, fornecendo mais detalhes sobre o que aconteceu logo após a última temporada. Apesar de repetir o mesmo arco de Mr. Big (Chris Noth), ele oferece um fechamento satisfatório para os fãs, explorando as consequências das decisões finais das personagens. Funciona como uma última visita àquela realidade, permitindo que o público finalmente se despeça de suas nova-iorquinas favoritas de forma adequada, com uma sensação de conclusão e nostalgia.
No entanto, o segundo longa tem um objetivo puramente comercial. Carrie, Samantha, Charlotte e Miranda decidem passar as férias em Abu Dhabi, simplesmente porque seus problemas do dia-a-dia estão muito difíceis de lidar. Além de ser um prato cheio de estereótipos do Oriente Médio, a personagem de Sarah Jessica Parker encontra – coincidentemente – Aidan (John Corbett) na viagem, fazendo com que ela tenha que escolher novamente entre os dois homens da sua vida.
Ainda assim, 11 anos após o lançamento de Sex and the City 2, foi lançado em 2021 And Just Like That…, o revival da série original. A premissa até parece promissora: mulheres lidando com desafios típicos da meia-idade, como a perda da juventude, a pressão estética associada ao envelhecimento, casamentos desmoronando em divórcios, filhos amadurecendo e novas ambições profissionais. No entanto, a produção falha em proporcionar qualquer reminiscência da história original que pudesse recompensar o público com uma dose de nostalgia.
O que acontece é uma tentativa de corrigir os erros do passado, trazendo uma representatividade superficial por meio de novos personagens que possuem apenas essa função. Quanto à Carrie, Miranda e Charlotte, as narrativas são as mesmas de 20 anos atrás, mas sem a essência que as caracterizava, como se fossem completamente diferentes. Fora a ausência de Kim Cattrall, que se recusou a voltar ao papel de Samantha por desentendimentos com Sarah Jessica Parker. É como se a criação de Darren Star deixasse de ser uma história autêntica para se tornar um produto, uma franquia que o público consome não por sua qualidade, porém, unicamente por ser algo familiar em sua memória.
Um dos grandes méritos das plataformas de streaming, como a Netflix, é que não há necessidade de reboots e revivals para que uma série ou filme voltem a ter sucesso. Na maioria das vezes, essas produções são apenas uma tentativa de conquistar a aprovação da Geração Z, subestimando esse público ao pressupor que precisam de adaptações na sua linguagem, mesmo que não se encaixem. No entanto, a verdadeira magia do audiovisual está em nos transportar para realidades e épocas diferentes da nossa, sem a necessidade de modificar a essência original das obras.