Ana Laura Ferreira
Algumas bandas, músicas e cantores são atemporais. Esse é o caso de Elton John que, com mais de cinco décadas de carreira, continua sendo um dos maiores nomes do meio. Com canções que contemplam todas as idades, estreou no último dia 28 o longa do homem foguete: Rocketman. Dirigido por Dexter Fletcher, o filme é tudo que Bohemian Rhapsody tentou ser.
Aqui acompanhamos um fragmento da vida do músico que, por meio de uma sessão do Alcoólicos Anônimos, revisita os principais momentos de sua vida e carreira. Abrangendo um pouco de sua infância e pré-adolescência no primeiro ato, somos direcionados aos acontecimentos dos anos 1970 e 1980. Essa delimitação temporal ajuda em uma construção coesa dos fatos, além de ser uma ótima forma de abordar os aspectos da vida do cantor sem fazer do filme uma cinebiografia comum.
O ponto alto são, sem dúvidas, seus clipes musicais. No melhor estilo Mamma Mia (2008) vemos a vida de Elton John ser narrada com suas canções, mais íntimas do que nunca. Diferente do que ocorre no filme do Queen, lançado ano passado, aqui os números musicais não se restringem a recriação de clipes ou shows, mas a uma construção da linha narrativa.
Taron Egerton, de Kingsman, assume o papel principal e a difícil tarefa de interpretar o excêntrico músico. Em uma atuação praticamente perfeita, Egerton canta os grandes sucessos de John ao vivo em quase todas as cenas. Seus trejeitos e voz se assemelham muito ao cantor, e suas brandas diferenças apenas complementam o longa que não tem a intenção de ser um documentário usual, mas sim um filme de fantasia que, coincidentemente, é baseado em fatos reais.
Assim como o próprio Elton John comentou: “Eu não levei uma vida apropriada para menores”. Com uma classificação indicativa de 16 anos, o filme não suaviza nenhum detalhe da conturbada vida do músico. Desde seus problemas com drogas e álcool até sua overdose, todos os pontos são explícitos. Diferente de Bohemian, em Rocketman o roteiro não esconde a vida sexual de John, pelo contrário, mostra suas descobertas e sua autoaceitação.
Seguindo uma construção narrativa incomum em filmes biográficos, Rocketman escolhe acompanhar toda a história do ponto de vista do cantor. Sendo explícito em algumas cenas e mais contido em outras, nos são apresentados acontecimentos falsos ou que não tem como serem provados. Sem a pretensão de mostrar uma verdade absoluta, o longa abre margem para a interpretação do espectador.
Prova dessa visão distorcida pelo ‘eu’ é atribuída ao personagem do eterno Robb Stark, Richard Madden, que aqui interpreta o agente pessoal do músico, John Reid. Construído como o ‘vilão’, apenas uma face do personagem é mostrada. Ganancioso e manipulativo, o agente usa sua influência sobre o cantor para se promover. Infelizmente, essa abordagem unilateral gera o grande problema do filme: a superficialidade dos personagens secundários.
Mantendo o foco sempre em Elton John, o roteiro se esquece que os coadjuvantes também constroem a narrativa. Os personagens se mantém rasos durante todo o longa, recebendo apenas uma camada em sua construção. O principal exemplo dessa unidimensionalidade é a mãe de John, Sheila Eileen – interpretada pela inexpressiva Bryce Dallas Howard – que serve a trama somente como aquela que não reconhece o talento e as conquistas do filho.
O mesmo acontece com os outros personagens com exceção do letrista e melhor amigo do cantor, Bernie Taupin, o maravilhoso Jamie Bell de As Aventuras de Tintin (2011). Tendo no afeto entre os músicos uma das melhores qualidades do filme, Bell e Egerton constroem uma sólida relação. Em especial no clipe de Your Song, os atores parecem ser amigos de infância e em uma troca de olhares conseguem transmitir todo o amor que sentem.
Apesar de não ter se envolvido no filme, a marca icônica de Elton John – famoso por suas roupas espalhafatosas, sua coleção de óculos e seu jeito único de ser – é perfeitamente retratada com cenas bregas na medida certa. A direção de arte do filme cria uma atmosfera setentista que nos imerge na trama. Os impecáveis figurinos e a maquiagem também ajudam na construção da narrativa que tenta trazer o máximo de verossimilhança para a tela.
Em Rocketman as músicas de John contam mais da história do grande músico do que qualquer roteiro poderia, o que faz dele um filme para ser ouvido e sentido. Sem pretensão de ser grandioso, ele se contenta com seu tom intimista e busca na simplicidade sua expressão. Muito mais que um filme, ele é uma carta de aceitação e de desculpas de John à seus ‘eus’ passados. Rocketman é um musical épico que não tem medo de mostrar os defeitos e a fragilidade de seu herói e isso faz dele único e memorável.