Nathalia Tetzner
Obra do Cinema indiano, Pedro conta a história de um homem de casta inferior que se vê perdido ao acidentalmente matar uma vaca, símbolo sagrado da sua cultura. O ato somente ocorre porque o protagonista tenta incessavelmente encontrar o responsável pelo assassinato de seu cachorro e fiel escudeiro, em uma das tragédias envolvendo animais mais tristes desde a cadela Baleia de Graciliano Ramos. Estreia do diretor Natesh Hegde frente a longa-metragens, a obra foi exibida no festival IndieLisboa e, agora, participa da seção Perspectiva Internacional na 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
A origem do título do filme – e do nome de seu personagem principal – é grega e admite como significado os termos “pedra” e “rochedo”. De certa forma, o roteiro, também de Hegde, converge para a dureza com um retrato bruto da vida nos vilarejos da Índia. Se Pedro é um dos chamamentos mais disseminados da história do mundo, o criador enxerga a oportunidade de tratar do universal a partir de um recorte local, que se reflete como um microcosmo. Em comparação a O Estranho Caso de Jacky Caillou, outra película que compõe a 46ª Mostra, aqui a beleza do comum consegue ser registrada.
Em meio às cenas que parecem nunca acabar, a produção do cineasta Rishab Shetty comete o erro de se alongar o bastante para desintegrar o raciocínio do público. Mesmo com poucos diálogos, é nítido que a proposta não mira no contemplativo e, por isso, a trama de Pedro seria melhor absorvida com alguns minutos a menos. Até porque os próprios atores são amadores: Gopal Hegde é pai do diretor e o guia atordoante dos acontecimentos na pele do protagonista, uma grata surpresa e a escolha certa para viver tais cenários. Em adição a entrega do elenco, o jogo de câmeras e a fotografia de Vikas Urs são peças fundamentais para a ilustração.
“Meu cachorro de ouro morreu”. Com a relação entre homem e animal em mente, o filme remete à problemática da Literatura de Graciliano Ramos em Vidas Secas, afinal, quanto vale a vida de um homem? Na pequena comunidade que cerca a fazenda onde o povoado trabalha, certamente menos que a figura divina de uma vaca; Pedro é obrigado a se afastar de tudo e de todos após atingir o animal com um tiro enquanto embriagado. Assim como na prosa do escritor brasileiro, em momentos o personagem é animalizado, permitindo, em contrapartida, a humanização da natureza indomável.
Fazendo jus ao microcosmo particular de sua ambientação, o núcleo familiar de Pedro marca grande parte dos conflitos do enredo. Com a forte camada de casos amorosos clandestinos entre castas, a montagem de Natesh Hegde e Paresh Kamdar ganha a dramaticidade necessária para conduzir os eventos, em especial, as ótimas sequências iniciais. No entanto, o ápice é alcançado com a abordagem única da religiosidade, sem estereótipos ou sensibilidade excessiva, fato que a faz transbordar pela narrativa ao atingir o pico de autenticidade e ritmo no terceiro ato.
Pedro captura a vivência de um vilarejo tradicional indiano, mas, ao mesmo tempo, diz muito sobre o planeta Terra como um todo. Desde os costumes sagrados, passando pela desigualdade social até o uso da violência em nome de algo maior, a obra consegue se adaptar a diferentes realidades com o retrato bruto da vida, no qual repousa a sua beleza. Através do olhar carregado de um homem simples, a direção de Hegde faz a presença de um protagonista como Pedro na seção Perspectiva Internacional da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo ser vital.