Anna Clara Leandro Candido
“Minhas riquezas e tesouros? Se vocês quiserem, eu os deixo pegar. Procurem por ele, deixei tudo naquele lugar!“. Foi com essa icônica frase que uma jornada de mais de 25 anos começou. One Piece, série produzida pela Netflix, é a adaptação em live-action do mangá e do anime homônimos criados por Eiichiro Oda em 1997. Com oito episódios, a produção enfrentou grande resistência do público antes mesmo de seu lançamento em Agosto de 2023. No entanto, apesar dos cortes de conteúdo e da simplificação de algumas tramas, a adaptação do famoso pirata elástico não apenas agradou os fervorosos fãs de longa data, como também atraiu novos companheiros para essa jornada rumo à Grand Line.
One Piece conta a história de Monkey D. Luffy (Iñaki Godoy), um garoto que deixou sua vila com apenas um barco furado e um sonho: encontrar o tesouro do famoso Gold D. Roger e, assim, tornar-se o Rei dos Piratas. Seu carisma, espírito aventureiro e sua autoconfiança tocam o coração de vários personagens ao longo do caminho, reunindo amigos que se juntam à sua desafiadora aventura. Entre eles, estão: o espadachim Roronoa Zoro (J.J. Jr. Mackenyu), a ladra astuta Nami (Emily Rudd), o contador de histórias Ussop (Jacob Gibson), e o habilidoso cozinheiro e mestre dos chutes Sanji (Taz Skylar). A trama mostra o início dessa aventura, ou seja, como cada um se conheceu e como decidiram buscar seus próprios sonhos e ambições juntos.
Não se pode falar de One Piece sem, primeiro, contextualizar algumas coisas. A mais importante é a magnitude e a relevância da trama. Com 26 anos de publicação na Weekly Shōnen Jump, o mangá superou até mesmo Batman em número de cópias vendidas em todo o mundo. O anime, com mais de 1000 episódios, foi produzido pela Toei Animation e possui uma legião de fãs. Apesar do histórico de sucesso, quando a Netflix anunciou em 2015 que estava produzindo um live-action, a recepção da notícia não foi das melhores por parte dos admiradores de longa data. Porém, após sua estreia, a série foi ovacionada tanto por aqueles que acompanham o título original quanto pelo público que desconhecia a obra.
Logo nos primeiros minutos da produção, podemos perceber que os produtores Marty Adelstein e Becky Clements, ao lado do autor Eiichiro Oda, conseguiram trazer com maestria o mundo de One Piece para a nossa realidade, aproveitando-se de uma linda direção de Fotografia, feita pelas mãos de Nicole Hirsch Whitaker, que só acrescenta à beleza desse universo. Outros desafios foram: tornar os oceanos repletos de enormes monstros marinhos, usar caracóis como telefones e, até mesmo, transformar as ilhas exóticas da história em algo que parecesse real. A equipe cenográfica não apenas realiza essas tarefas com sucesso, como também respeita o material original, ou seja, evitam criar um mundo realista que perca a cor e a vivacidade dos ambientes e personagens, como ocorreu em outras adaptações, a exemplo de Death Note (2017).
O live-action se destaca notavelmente pelo respeito e cuidado com os personagens, especialmente através de atuações marcantes. Iñaki Godoy brilha como Luffy, capturando com maestria a essência carismática do protagonista, enquanto Mackenyu Arata oferece uma interpretação precisa de Zoro, demonstrando seu conhecimento e experiência. Emily Rudd entrega uma interpretação cheia de carga dramática como Nami, transmitindo habilmente as nuances da personagem. Já Jacob Gibson encarna seu papel com Usopp com leveza e diversão, e Taz Skylar se destaca ao combinar charme e carisma como Sanji. Inclusive, o comprometimento de Skylar com o papel é evidente, especialmente ao realizar todas as cenas de luta sem dublês. Dessa forma, a diversidade de talentos e a profundidade das atuações contribuem significativamente para a riqueza da adaptação.
Por falar em lutas, as coreografias de One Piece não decepcionam. Desde as batalhas de espadas de Zoro até os socos de Luffy e os chutes de Sanji, os duelos são executados com maestria e dinamismo. Isso é essencial, já que, embora o personagem principal seja um pirata que estica, não se pode depender de caros efeitos especiais o tempo todo. Estes, aliás, estão muito bem feitos, considerando a complexidade de se adaptar poderes elásticos e habilidades como a capacidade de desmembramento. Embora o CGI tenha algumas falhas e ocasionalmente leve a cenas em ambientes totalmente escuros ou com pouca luz, isso não prejudica a experiência do espectador. Pelo contrário, é tão bem executado que torna crível a existência de um homem de borracha.
O roteiro, escrito por Matt Owens, um grande fã da série, e Steven Maeda, produtor de Lost, segue os principais eventos da história original de forma notável. Eles fazem um ótimo trabalho ao adaptar 45 episódios em oito, mantendo a essência da narrativa presente em cada quadro, ao mesmo tempo em que a ajustam à linguagem seriada. Os capítulos têm um ritmo dinâmico: alternam entre o presente e o passado dos personagens. Isso cria uma história envolvente que atrai aqueles que não estão familiarizados com a cadência narrativa dos animes.
No entanto, algumas mudanças na história do live-action ocasionaram a diluição de personagens e arcos que, na obra original, possuem um peso dramático considerável. As vilas visitadas pelos Chapéus de Palha e seus habitantes se tornaram um mero plano de fundo para o vilão da vez. Dessa forma, a história progride sem explorar o sofrimento dessas pessoas e o impacto que a tripulação causa ao passar por elas. O personagem mais prejudicado por essas alterações foi Usopp. Ele teve menos tempo de tela e relevância em seu próprio arco. Dessa forma, houve uma falta de desenvolvimento adequado de seu sonho e de sua motivação para explorar os mares.
Embora em menor escala, o mesmo acontece com os arcos de Sanji e Nami, que acabam sofrendo com a narrativa hollywoodiana de pensar que o público não é capaz de interpretar as nuances e o peso de uma história mais complexa e subjetiva. No original, o restaurante e a vila onde cada um vive desempenham papéis ativos em ambos os arcos narrativos, adicionando complexidade ao inserir os sentimentos e as expectativas de mais pessoas. Contudo, no live-action, essa participação é reduzida e os personagens secundários passam a ser muito mais parte da paisagem do que do enredo. Com o anúncio da segunda temporada, só nos resta esperar que os produtores levem em conta esses pontos e adaptem os próximos arcos em toda sua complexidade, principalmente porque os novos fãs serão apresentados à Alabasta, uma das sagas mais políticas e importantes da obra original.
A dublagem brasileira é outra joia da obra e acrescenta à experiência de assistir One Piece. Com o retorno de todos os dubladores do anime – com exceção de Luffy, dublado no anime 2D por Carol Valença e, no live-action, por Vyni Takahashi – as traduções das falas para o português ajudam a caracterizar e aproximar os personagens do público, além de arrancar algumas risadas. O elenco conta com nomes de peso como Wendel Bezerra (Sanji), Adrian Tatini (Ussop), Tatiane Keplmair (Nami) e Glauco Marques (Zoro), todos executando um ótimo trabalho a cada fala.
Por fim, One Piece: A Série é o live-action que quebrou a maldição e, apesar de ter algumas áreas a serem aprimoradas, agradou tanto os fãs quanto aqueles que nunca imaginaram que uma história sobre um pirata de borracha pudesse ser tão envolvente. É uma narrativa que proporciona diversão e emoção para qualquer pessoa, seja ela criança ou adulto. One Piece é uma série de aventura que traz em seu coração as batidas e emoções da liberdade.