Mateus Conte
Na noite de 13 de maio, um Teatro Municipal lotado recebeu, em Botucatu, a atriz Maitê Proença em seu monólogo O Pior de Mim. Redigida pela própria atriz e dirigida por Rodrigo Portella, a obra aborda de forma áspera a vida e a carreira da ex-global, que por diversas vezes percorreu os palcos do interior paulista com suas apresentações.
Logo de início, a peça surpreende por sua sobriedade. O figurino aparenta vir diretamente do guarda-roupas da atriz, sendo os mesmos looks que vemos nas atentas fotos da Revista CARAS ou nas páginas do finado Ego. Seu objetivo é claro: trazer autenticidade aos relatos contados pela protagonista-autora, tornando sua imagem no palco o mais próximo possível da realidade cotidiana de Maitê.
A luz, por sua vez, também é simples: sem muita pompa, a direção sabe o que fazer com o mínimo, apostando em um enfoque básico durante as falas e trocas repentinas de cores em momentos mais impactantes da trama, servindo como marcador temporal para passagem de um bloco narrativo para outro. Mérito de Portella, que também coordena a iluminação do espetáculo.
Mas não só de trivialidade vive O Pior de Mim. Em uma experiência rara no teatro mainstream, o próprio diretor entra em cena para filmar a protagonista. As imagens – em preto e branco, vale ressaltar – captadas pela câmera são exibidas automaticamente nas cortinas localizadas atrás do palco, em uma inovação narrativa recheada de significado: demonstra como a presença das lentes é constante na carreira da atriz, que estreou nas novelas em 1979.
Tratando de artifícios pouco utilizados nas grandes peças que vêm ao interior, uma logo chama a atenção dos espectadores: a não-linearidade da narrativa. Cada história se intercala com as outras, sem haver um ponto medular que as organize, trazendo a sensação de uma aparente confusão. Mas isso tem um porquê.
Durante a peça, Maitê assume que, durante quatro horas por semana, fez terapia pelo período de quatro anos. Não há dúvidas que essa experiência de autoconhecimento foi transportada para o roteiro, transformando o palco em um divã psicanalítico. A intertextualidade com uma sessão de terapia se reflete até mesmo na duração do espetáculo: a peça dura escassos cinquenta minutos, o que não foge do tempo médio de um encontro marcado com um psicólogo.
Esta psicanálise com a presença do público passa pelas mais trágicas histórias da vida da autora, o que tende a justificar os traumas e bloqueios mais profundos de sua mente ao longo da apresentação. Como nem tudo são espinhos, também há espaço para os relatos de superação que Maitê passou para conseguir deixar todos esses obstáculos para trás.
O teatro não é apenas o que se apresenta no palco, mas também aquilo que impacta na plateia; ao vivo, ela acompanha ininterruptamente o espetáculo. Por isso, é impossível não perceber que, ainda que possam ser diferentes, sempre existem momentos nos quais o público se identifica com a atriz que está em cena.
Um sentimento específico do público é, ao mesmo tempo, alimentado e escrachado pelo texto: o prazer em bisbilhotar os detalhes mais sórdidos da vida alheia, ainda mais quando se tratam de celebridades. Como diz a própria sinopse da peça, “neste voyeurismo desenfreado, nos comparamos, para melhor compreendermos a nós mesmos. Não é assim? Venha espiar, eu deixo”. Esta descrição acompanha o espetáculo desde sua primeira exibição, realizada de forma totalmente on-line, no pandêmico ano de 2020.
Esta exposição das aflições vividas pela atriz, por trás das populares câmeras das inúmeras novelas que estrelou, evidencia o fato de que, antes de ser uma profissional, Maitê Proença é uma pessoa de carne, osso e sentimentos. Sentimentos, esses, que foram atingidos pela exploração massiva e impiedosa de sua vida privada por parte da imprensa e que, nesta peça O Pior de Mim, resolve escancarar para o mundo – mas, desta vez, a sua versão dos fatos. Maitê Proença, volte sempre!