Nathan Sampaio
O que faz um filme se tornar clássico? No caso de …E o Vento Levou (1939) foi sua popularidade e bilheteria. Já Titanic (1997), além dos fatores anteriores, conta com vitórias em importantes premiações. Por fim, há aqueles que revolucionaram o Cinema, como fez Cidadão Kane (1941). O Enigma de Outro Mundo não se encaixa em nenhuma dessas categorias, mas se estabelece como um clássico por ser o retrato exemplar do gênero de Horror e por se manter influente na cultura pop mesmo após 40 anos do seu lançamento, em 1982.
O longa acompanha um grupo de cientistas estadunidenses vivendo em uma base na Antártida para realizar seus experimentos. Até que, certo dia, surge uma dupla de noruegueses atirando em um cachorro. Prontamente, os pesquisadores salvam o animal e matam os perseguidores. Porém, com o passar do tempo, o cão se revela algo monstruoso, que pode se transformar e matar qualquer um no complexo.
O Enigma de Outro Mundo é inspirado no conto Who Goes There?, de 1938, do escritor estadunidense John Campbell Jr. Em 2018, descobriu-se que a história faz parte de uma obra maior chamada Frozen Hell, publicada em 2019. Além da adaptação de 1982, outra, intitulada O Monstro do Ártico, foi lançada em 1951, em uma releitura menos fiel à original. Tanto a história base quanto a dos anos 50 são referenciados no filme.
O roteiro de Bill Lancaster se esforça para diferenciar o projeto das demais obras de terror da época. Uma das maneiras encontradas pelo roteirista foi a de não ter um protagonismo individual, mas dar o destaque para o coletivo, de forma que possamos conhecer todos e até mesmo nos sentirmos parte daquele grupo de cientistas em busca de sobrevivência.
A direção de O Enigma de Outro Mundo é de John Carpenter, um dos mestres do Horror e responsável por filmes como Halloween (1979), Fuga de Nova York (1981) e Eles vivem (1988). Como é esperado, o diretor consegue transmitir de forma excepcional a paranoia que o grupo vive, sem saber quais deles ainda são humanos e quem será a próxima vítima. O espectador – imerso nessa sensação de incerteza – também passa a fazer parte do coletivo, uma vez que começa a buscar qual dos personagens já foi pego pelo monstro.
A paranoia e a desconfiança, por mais interessantes que sejam, não sustentariam a trama sozinhas. Para auxiliar nessa tarefa, é necessário que se escale a tensão entre os personagens e o roteiro se utiliza das mortes e das aparições da criatura para elevar o suspense. Visto que, em cada um desses momentos, tanto quem assiste quanto os personagens sempre descobrem algo novo sobre o monstro, e isso os ajudará a combatê-lo.
Essa desconfiança, que permeia todo o enredo, proporciona situações inquietantes ao espectador. Até mesmo o seu final ambíguo, um traço característico do diretor, faz com que o público continue pensando sobre o ocorrido e no que deve ter acontecido depois de tudo. Inclusive, obras posteriores, como a prequel homônima de 2011, dão pistas sobre o desfecho do filme anterior. Também, o jogo de PlayStation 2, lançado em 2002, conta o que acontece após os eventos do primeiro longa.
O conceito da criatura é espetacular: ela acumula mistérios em volta de sua figura, criando uma aura de incógnita e provocando medo pelo desconhecido. A equipe de efeitos visuais de O Enigma de Outro Mundo, liderada por Rob Bottin, fez um trabalho primoroso, criando monstros amorfos e que desafiam a lógica humana, aumentando a mística e o assombro pelo algoz.
Mesmo sem um desenvolvimento aprofundado, todos os personagens de O Enigma de Outro Mundo são bem construídos e marcantes, com um traço de personalidade que os tornam únicos. O elenco também foge dos clichês do terror, com figuras espertas e criativas para saírem de situações de perigo. Os destaques são MacReady (Kurt Russell) e Childs (Keith David), que recebem um tempo de tela maior e personificam o grupo e a paranoia de estar naquela condição.
John Carpenter é conhecido por conceber a trilha sonora de todos os seus filmes, sendo um dos nomes mais reconhecidos do horror synth, gênero musical que mistura Música eletrônica com batidas de suspense e terror. Mas, para a realização desse projeto, o diretor fez parceria com Ennio Morricone, um dos compositores mais respeitados da indústria cinematográfica. Morricone era conhecido pela trilha de clássicos do faroeste, como Três Homens em Conflito (1966) e Era um vez no Oeste (1968).
Mesmo tendo um roteiro caprichado, efeitos especiais inacreditáveis, músicas inesquecíveis e uma direção magnífica, O Enigma de Outro Mundo não foi bem recebido em seu lançamento. Na época, os críticos não compreenderam o projeto, acusando-o de ser raso e com efeitos especiais problemáticos. A recepção negativa do grupo especializado proporcionou um fracasso de bilheteria, prejudicando a carreira de Carpenter nos anos seguintes. No ano de seu lançamento, o filme foi criticado em todos os âmbitos possíveis e chegou até a receber indicações ao Framboesa de Ouro, a paródia do Oscar que premia as piores obras do ano. Até mesmo Morricone foi indicado na premiação.
Porém, quando as locadoras se popularizaram, o longa-metragem foi redescoberto, e logo passou a receber o devido reconhecimento da crítica e do público. Atualmente, o projeto é reconhecido como uma das melhores obras de terror, considerado uma referência dentro dos gêneros do Suspense, Horror corporal e Horror cósmico, sendo uma das melhores e mais conceituadas de John Carpenter.
Ennio Morricone também recebeu os méritos por seu trabalho. Isso ocorreu tanto no reconhecimento das canções do filme, quanto anos mais tarde, já que algumas das músicas não aproveitadas em O Enigma de Outro Mundo foram reutilizadas em Os Oito Odiados (2015), e proporcionaram ao compositor uma vitória no Oscar de Melhor Trilha Sonora Original.
A maquiagem e os efeitos visuais do projeto também são tidos como uma referência no meio em que o filme está inserido. Todos eles são práticos, ou seja, foram realizados artesanalmente, como maquiagens, animatrônicos e até mesmo fantoches. Essa maneira de confecção fez com que a criatura se tornasse mais palpável e crível.
O Enigma de Outro Mundo é um dos melhores filmes de terror já feitos: o roteiro e a direção criam ótimos momentos de tensão e suspense, os personagens são cativantes e espertos, e a criatura é enigmática e ameaçadora na medida certa. O projeto captura a essência do gênero e a transmite perfeitamente em seus 110 minutos de duração. Muito mais que um clássico cult, o The Thing merece destaque como um clássico do Cinema.