Maria Vitória Bertotti
11:58:20. O relógio do juízo final, criado em 1947 e atualizado em 2020, nos dá pouquíssimos minutos antes da meia-noite para repensarmos nossas atitudes antes do fim. Levados por essa simbologia, a banda californiana Linkin Park lançou, em 2007, o Minutes to Midnight, seu terceiro álbum de estúdio que chegou ao público após uma longa espera. Ao contrário dos dois primeiros discos, esse funcionou como uma rachadura, diferenciando com o experimentalismo, o som que a banda já estava acostumada a fazer há 15 anos.
Conceituado como rock alternativo e nu-metal, ainda seguindo nos gêneros de costume, o álbum traz músicas semelhantes às de seu antecessor, Meteora (2003). Porém, inova ao incluir um tom mais eletrônico e melódico em algumas faixas. Na época, esse desvio de ritmos causou um alvoroço entre os fãs da banda, que alegavam uma transformação do Linkin Park “raiz” em uma baladinha. Apesar dessa questão ter causado certa rejeição, a banda teve grande retorno no mercado musical com o lançamento de Minutes to Midnight em maio de 2007, apresentando as melhores vendas do ano e entrando em primeiro lugar no ranking Billboard 200.
De suas 12 faixas, Wake segue o modelo introdutório já presente no álbum anterior, porém mais longa desta vez. Ela apresenta o início da “revolução” tecnológica que o grupo propõe, com batidas agradáveis aos ouvidos e mantendo a bateria numa tensão crescente, que se dissipa ao final de seus quase 2 minutos. Com mais elementos, ela cumpre sua função transitória para o início das vozes e inova o conceito do Linkin Park.
Em seguida, Given Up agita qualquer um que estiver sem ânimo. Sendo uma das únicas músicas do disco que possuem os famosos gritos de Chester Bennington, ela relembra a fase anterior à mudança, voltando às origens do Hybrid Theory (2000), sem muitas inovações. Com base no metal, a característica que mais se destaca é a presença marcante da guitarra de Brad Delson. Apesar de ter um tom mais agressivo no ritmo, sua letra ainda carrega melancolia; dessa forma, o screaming só serve pra colocar essa angústia e raiva para fora.
Num conceito completamente diferente de Given Up, a canção Leave Out All the Rest pode ser comparada a um pop levemente triste, mas gostoso de ser ouvido. Trazendo um lado mais melódico e eletrônico, ainda acrescenta a orquestra de cordas de David Campbell, sendo a primeira faixa do álbum a introduzir a sonoridade de violinos e baixos. Mesmo que a música aborde um tema já recorrente, a depressão, ela inclui uma segunda pessoa na história, aquela a quem as lembranças seriam deixadas após a partida. Ouvi-la nos dias de hoje nos faz repensar sobre o legado de Chester, que, ao contrário do que escrevia, conseguiu deixar inúmeras razões para ser lembrado.
Com participação dos seis membros nas composições, a produção ficou por conta de Mike Shinoda e o convidado Rick Rubin – conhecido por atuar em discos de outras bandas famosas, como System of a Down e Slayer. Levando em consideração os recursos e a cena do rock alternativo na época, que já contava com vários nomes no nu-metal, do qual o Linkin Park foi precursor, a qualidade musical de Minutes do Midnight é excelente. E ainda, a parceria com Rubin estendeu-se pelos próximos dois álbuns, sendo determinante para o caminho que trilharam enquanto músicos.
Contrariando as novas tendências experimentalistas, a faixa Bleed It Out é outra que relembra um som mais pesado, com o protagonismo contagiante da guitarra e do baixo de Dave Farrell. É a primeira a realizar uma pequena transição entre o seu final e o início da música seguinte. Além disso, ela estreou o rap do disco, que trouxe o ritmo necessário para embalar o público, sendo o destaque da canção apesar dos vocais serem agressivos e certeiros. O conjunto consegue transmitir o exato sentimento com que foi escrita: “Foda-se, isso dói, não vou mentir/Não importa o quanto eu tente”, ou seja, você pode estar mal, mas consegue seguir em frente, nem que seja na força do ódio.
Já Shadow of the Day se assemelha ao pop rock, novamente tentando mostrar o lado bom da vida em meio à escuridão. Agradável aos ouvidos, mas sem muito para agregar: o famoso “só o básico”. O que a diferencia das outras é o efeito 8D de quase 40 segundos no final, proporcionando uma espécie de transe sensorial. Uma das mais memoráveis faixas do disco é What I’ve Done, que tomou grandes proporções após aparecer como trilha sonora no filme Transformers (2007), além de render a participação da banda em toda a trilogia. Com ela retornando ao rock alternativo, o single do álbum também está disponível no jogo Guitar Hero World Tour, justamente pelo destaque dado à guitarra – contando com um solo magnífico – e a aparição do teclado, que conduz certa leveza durante o decorrer da trilha.
A outra canção em que Mike entra como rapper é Hands Held High, cheia de críticas sociais. Apesar de ter sido escrita uma década atrás, ela continua completamente atual, abordando com muita clareza e indignação a violência mundial e a intolerância religiosa. Novamente, o teclado e efeitos eletrônicos dão as caras, comandados por Joe Hahn, que faz um excelente trabalho ao acrescentar vocais de coro de igreja ao ritmo da rima. É importante ressaltar, ainda, o apoio que a bateria de Rob Bourdon oferece para a composição dessa vibe espiritual. Hands Held High fala, sem medo, dos líderes demagogos e do estrago que causam na sociedade: “Quando o rico aposta na guerra, é o pobre quem morre”. É considerado o rap de maior valor para o álbum e um dos maiores da carreira da banda em questão de representatividade. A canetada de Shinoda foi certeira.
O single No More Sorrow esquece a sutileza e coloca tudo pra quebrar com mais guitarras e baterias de estourar os miolos. Os gritos de Chester marcam presença nessa música, onde o descontentamento com o sistema é explícito, estando corrompido por ganância e mentiras. O grito – “Ladrões e hipócritas!” – é a voz da população lutando contra o que há de errado.
A falta de transição gradual entre uma faixa e outra é um dos erros cometidos no disco, já que canções super agitadas pulam para outras mais sossegadas. É o que acontece com Valentine’s Day: não recebe bem o astral da anterior e não repassa energia suficiente para a próxima. Tirando isso, ela é bem mediana, melancólica a maior parte do tempo e animada só no final, quando não há mais necessidade de ser. A intitulada In Between começa com um arranjo semelhante ao de uma marcha fúnebre, e continua nesse rumo. O que mais chama a atenção é que, partindo de sua metade, há uma sobreposição das vozes de Mike e Chester, formando uma bela sintonia até gostosinha de se ouvir.
Em pedaços esfacelados e distantes do que o Linkin Park costumava ser, In Pieces combina o pop ao eletrônico, deixando o rock apenas no solo de guitarra do final da canção – o que acaba dando um toque especial na experiência. O beat relembra um pouco a icônica Breaking the Habit, do anterior Meteora, pela mixagem e semelhança de ritmos, mas não tem tanto sal pra ser um single – e por isso mesmo não é. Serviria como um ótimo hit de verão (e isso é um elogio).
Para encerrar com chave de prata, a última música no lançamento global do álbum é Little Things Give You Away. Com efeitos do Mr. Hahn, a batida eletrônica mescla bem com o que lembra um violão, e ainda conta com a Orquestra de Campbell para abrilhantar ainda mais o instrumental, sendo a metade da faixa para o encerramento seu ponto alto. As cordas parecem imperceptíveis, mas criam a atmosfera melódica que se mistura perfeitamente às vozes intercaladas de Chester, Dave e Mike. Ela merece essa classificação por resumir a intenção da banda de inovar conceitos, mas peca por ser longa demais e atrativa de menos.
Uma das injustiças de Minutes to Midnight é não ter incluído No Roads Left na edição padrão. A música bônus, também indisponível no Spotify, pode ser considerada uma das mais chamativas de todo o disco, mas só foi revelada ao mundo na edição de venda do iTunes. Ela é inteiramente cantada por Mike, que se desvencilha do rap e mostra muito talento como vocal principal. Foi produzida com strings em conjunto da guitarra, transformando a canção numa experiência única ao ser ouvida, e as cordas, apesar de estarem num segundo plano, fazem toda a diferença no resultado final. É uma pena que tenha sido, e ainda seja, negligenciada e deixada às traças dessa forma.
Disponível no canal do YouTube da banda, o documentário The Making of Minutes to Midnight traz grande parte do processo de produção do álbum durante os anos que antecederam seu lançamento. Desde a composição das letras até a gravação dos instrumentos, o vídeo mostra além da Música, abrangendo o nível pessoal que o Linkin Park faz questão de imprimir em todas as suas obras. Além disso, a amizade e parceria entre os membros só deixou os fãs com ainda mais saudade dos seis juntos.
Como fruto dessa vontade de mudança, a evolução da sonoridade foi alcançada com sucesso. Ao misturar elementos do lírico, rap e metal com os da Música eletrônica, é visível o esforço que o Linkin Park fez para sair da zona de conforto. Após gravar dezenas de vezes as mesmas faixas, a combinação dos ritmos com as letras reflexivas e críticas deu certo. As contribuições individuais também rendem elogios, como os encaixes perfeitos arranjados por Joe, os solos de Brad e Rob (que apesar de poucos foram inesquecíveis), o baixo de Dave e os vocais de Mike e Chester.
Transitando de um rock mais agressivo para origens suaves, muitos fãs da época não curtiram nada essa inovação: queriam a antiga banda que fazia “som de verdade”. Ignorando as opiniões mais adversas, o disco até que envelheceu bem, tanto por parte do público que viria a gostar dos trabalhos, quanto por parte da própria banda, que conseguiu se desvencilhar do cansaço de replicar o mesmo som. Com poucas músicas realmente memoráveis, Minutes to Midnight ainda causa controvérsia nos riscas-faca do mundo todo.