Julie Anne
Em 7 de maio de 2021, a funkeira MC Dricka fortaleceu mais uma vez o cenário musical brasileiro ao lançar sua produção artística mais recente, o EP Acompanha. Embora a artista já seja referência para o funk feminino e independente desde 2019, o lançamento do EP se revelou como uma importante ferramenta para consagrar o potencial artístico da cantora, que alcançou destaque até mesmo na cena internacional.
Poucas semanas após o lançamento do set, as faixas da obra já reúnem significativos números nos streams, contabilizando mais de 760 mil views somente no YouTube. Tal destaque é fruto da autenticidade e personalidade que Dricka imprime em suas letras, sempre reverenciando o papel das mulheres e cantando que chegou a hora de ocupar o espaço que historicamente foi negado a elas, em especial às pretas, periféricas e livres.
Fernanda Andreoli Nascimento, mais conhecida nos bailes como a Rainha dos Fluxos ou MC Dricka, é cria da Vila Cachoerinha, Zona Norte de São Paulo. Educada somente por sua mãe, a cantora viveu inúmeros obstáculos, e, para registrar esses relatos, dedicou uma música no último mês de maio relatando as dificuldades enfrentadas por sua mãe ao longo da criação da artista e de seus demais irmãos. Dricka também traz consigo o orgulho em ser uma mulher negra, da favela e lésbica – características essas que sempre se destacam em suas produções revolucionárias.
Os holofotes sobre a carreira da mandraka são recentes se comparados com a trajetória artística precoce da paulista. Aos 11 anos de idade, se mudou para Sergipe, tendo seu primeiro encontro com o canto e com instrumentos musicais em um coral de igreja. Logo em seguida, aos 15 anos, retornou para Sampa, onde se identificou com a cultura do funk e fez carreira conquistando espaços de destaque.
Uma outra particularidade de Acompanha são os posicionamentos diretos da MC, que fez com que fosse vista com certa antipatia pela crítica. Mas ao contrário do que os mais caretas pensam, as músicas do set são um símbolo de força e exalam a postura feminista adotada por Dricka em suas aparições. O papo com Igão e Mítico no podcast Podpah é apenas uma amostra da cantora, que transmite uma mensagem que busca promover a ideia de liberdade feminina. Nesse sentido, o feminismo é muito bem empregado e cumpre seu papel emancipatório ritmado pelo pancadão envolvente.
O processo criativo do EP é de extremo detalhamento por parte da funkeira, que, assim como exposto em uma entrevista ao Profissão Repórter, gosta de estar presente em todas as etapas de suas produções autorais. Da letra aos ajustes finais, a Rainha dos Fluxos é minuciosa quando o assunto é a qualidade de sua arte cantada. O resultado não poderia ser diferente: a capa da produção é uma sobreposição em três perspectivas distintas, na qual ostentação e marra se mesclam a fim de entregar uma imagem ousada, única, luxuosa e típica da MC, que deixou seu público sedento pelos clipes das faixas.
Acompanha, composto por 7 faixas, deixa nítido desde o título das composições para quem e por quem Dricka escreve e interpreta. Seja para as parceiras da faixa Medley Pras Talaricas ou para o ex esquecido em Pra Esquecer Seu Ex Marido, a mensagem é clara: mulheres, se conheçam, desçam até o chão, bebam bebidas caras e esbanjem seus carrões e suas conquistas. Já aos homens, o papo é ainda mais sucinto – o lugar de destaque nunca pertenceu somente a vocês, por isso abram mão da arrogância masculina e ponham limites em seus egos frágeis e simplórios.
O sucesso das produções de Dricka é resultado de 13 longos anos de carreira, dificuldades e oportunidades negadas pela sociedade, mas, além disso, é também a resposta para a luta e esforços de mulheres que, assim como ela, um dia sonharam com uma cena mais plural no funk. Nomes como MC Tati Quebra Barraco, MC Marcelly, e MC Carol de Niterói fazem parte dessa concretização e são ídolos para a paulistana. Afinal, quando uma MC preta chega ao topo, parte das vozes que a conduziram durante a caminhada também ganham destaque. É nítido que ainda falta muito, mas, em um futuro próximo, o funk produzido pelas minas de quebrada também será reconhecido.
A carreira em ascensão de Dricka já dá apontamentos de destaques internacionais, já que foi a única mulher brasileira a ser indicada ao BET Awards, premiação que destaca lendas negras do entretenimento. Além do feito histórico, a braba também apareceu no telão da Times Square em uma campanha do Spotify e da Equal, que busca promover a igualdade de gênero na indústria musical. Diretamente da Vila Cachoeirinha para os EUA, ninguém segura a lenda dos mandelões. Acontecimentos como esses mostram que o trabalho da cantora é revolucionário e necessário não só para o Brasil, mas para o cenário cultural do mundo como um todo.
A artista irreverente já mostrou à cena do que é capaz, dando uma respostas aos comédias que desacreditaram de sua arte e atingindo patamares inimagináveis na mente dos bicos. A qualidade refinada de Acompanha é o resultado de toda perseverança ao longo da trajetória da Rainha dos Fluxos e do profissionalismo presente no funk. Somente quem conhece a arte do gênero é capaz de dimensionar os feitos grandiosos de Dricka para a sociedade. A pretinha que emplaca diversos hits não canta para fazer mídia – a arte de MC Dricka é feita para fazer história.