Há 25 anos, as irmãs Wachowski entravam para a história de Hollywood com Matrix

No centro está Neo. Ele está de frente para a câmera, com o braço estendido e a mão aberta. Em direção a ele estão indo 8 balas, que deixam marca no ar quando passam.
“Minha previsão te revelou o futuro ou os fatos ocorreram em influência do que eu previ?” (Foto: Warner Bros. Pictures)

Guilherme Moraes

No final do século XX, Lily e Lana Wachowski criaram um universo onde a humanidade foi dominada e escravizada pelas máquinas que buscavam fazer a manutenção de seu poder e sua existência. Com roupas pretas, realidade simulada, pensamentos filosóficos, temas bíblicos e bullet time, Matrix entrou para a história do Cinema hollywoodiano e consagrou duas diretoras que iriam se rebelar contra o sistema.

O longa foi lançado e se popularizou um pouco antes da onda realista tomar a indústria cinematográfica norte-americana. Isso consegue explicar o sucesso de público e crítica, mesmo que as cenas de ação apelem para a farsa, se assimilando com o Cinema de ação chinês e de Hong-Kong. Ademais, ele aceita o misticismo e a fé de maneiras distintas para cada personagem. Morpheus (Lawrence Fishburne) enxerga de forma abstrata, esperançosa e sonhadora; Trinity (Carrie-Anne Moss) e Neo (Keanu Reeves) tem um olhar um pouco cético quanto à profecia, eles só conseguem acreditar a partir de ideias mais concretas. Na prática, a personagem de Carrie-Anne Moss só crê quando percebe que está apaixonada por Neo; e o hacker, por outro lado, entende seu destino, quando ressuscita igual Jesus.

 Na imagem estão Neo, à direita, e Trinity, à esquerda. Eles estão de frente para a câmera, lado a lado. Ambos estão vestidos de preto e com óculos escuros. Neo segura uma arma em sua mão esquerda.
Em 2021, foi lançado o quarto filme da saga (Foto: Warner Bros. Pictures)

Toda a questão sobre a religião é muito interessante na filmografia das irmãs. Enquanto, infelizmente, no mundo real, as temáticas sobre sexualidade, religião, cultura, amor e amizade, são conflitantes; nas obras das Wachowski, tudo consegue encontrar algum ponto em comum e construir relações a partir disto. Nesse sentido, a obra mais chamativa da dupla é Sense8, mas em Matrix, esses tópicos já estavam inseridos.

No longa de 1999, as metáforas sobre transsexualidade se davam por meio da forma e do fazer cinematográfico. Isso não era apenas uma escolha artística, como também, uma maneira de passar pela censura do estúdio. O figurino estilizado e com cores neutras; os nomes neutros como Neo e Trinity – com um adendo para a cena em que Neo diz que achava que Trinity era um homem –, e personagens que se enxergam de outra forma, com outros corpos e diferente sexo, dentro da Matrix; reforçam o subtexto de Lily e Lana Wachowski.

Ainda sobre esse prisma, as diretoras abordam sobre o desejo como algo natural ao ser humano, porém, não necessariamente atrelado ao sexo e aos corpos: “Negar os nossos impulsos, é negar aquilo que faz de nós humanos”. Frase essa dita por Mouse (Matt Doran) ao oferecer a Neo a oportunidade de se encontrar com uma garota na Matrix que, na verdade, é apenas uma programação de computador. Dessa forma, as idealizadoras concebem o desejo e o sexo para além dos corpos e da fisicalidade, em uma medida muito intimista e pouco normativa.

A imagem mostra duas palmas abertas e viradas para cima. Na direita contém uma pílula vermelha, na esquerda uma azul.
“Cedo ou tarde você descobrirá a diferença entre saber o caminho e percorrer o caminho” (Foto: Warner Bros. Pictures)

Há diversas camadas filosóficas que vão de René Descartes até Jean Baudrillard. Contudo, o que mais chama a atenção é a Alegoria da Caverna de Platão. Se para os gregos, a fuga da ignorância é representada pela saída da caverna, para Neo e todos dentro da Matrix, é a escolha entre a pílula azul e a pílula vermelha. Existe uma alusão mais direta a isso, quando o personagem acorda no mundo real e seus olhos começam a doer, o que se assemelha ao incômodo sentido pelo homem que se livrou das correntes da gruta e viu as formas reais pela primeira vez.

No entanto, essa alusão foi tomada pela extrema direita e pelo conservadorismo na atualidade, o que é totalmente contraditório com os ideais das Wachowski. Os chamados redpill, adotam o discurso de tomar a pílula vermelha para enxergar a suposta verdade. São compostos, em sua maioria, por homens que defendem os valores tradicionais e criticam práticas progressistas, principalmente relacionadas ao feminismo e o movimento LGBTQIA+.

A imagem está toda desenhada em códigos de cor verde e com fundo preto. Ela mostra um corredor com, ao fundo, três homens virados de lado e com o rosto em direção à câmera.
O lançamento do quarto filme não estava nos planos das criadoras (Foto: Warner Bros. Pictures)

Todo o estilo de Lily e Lana foi se esgotando diante de uma visão de Arte cada vez mais realista e estéril, visualmente e sexualmente. A abordagem mais farsesca das imagens, o exagero visual, a resolução a partir do amor e da amizade – de maneira até brega – e o sexo intrínsecamente ligado ao ser humano, foi substituído por tons acinzentados, decisões que partem para uma lógica mais racional, ‘piadinhas’ feitas para evitar o drama e a breguice, e a visão utilitarista do sexo em Hollywood.

Nesse contexto, as obras das diretoras – menos o longa em questão – passaram a ser menos valorizadas. Contudo, se engana quem pensa que elas deixaram de fazer seus filmes aos seus moldes. A dupla se tornou uma resistência dentro da própria indústria, mantendo suas características, pois acreditam e vêem sentido no Cinema que produzem. Mesmo dentro de grandes blockbusters como O Destino de Júpiter (2015), não há concessões, e elas impõem sua autoralidade e crêem em sua própria visão artística.

É muito difícil a tarefa de escrever sobre Matrix. Uma revisita não é o suficiente para compreendê-lo de maneira ampla e com suas complexidades. Fé, religião, capitalismo, maquinização do homem, filosofia e sexualidade. São tantas temáticas diversas e bem articuladas dentro da narrativa ao ponto de não caber em um único texto. A história de Lily e Lana Wachowski marcou época, fazendo sucesso entre o público e crítica, o que fez com que a Warner Bros. Pictures forçasse  uma continuação em 2022 em meio a onda de remakes e continuações. Matrix é considerado o melhor filme da, injustiçada, filmografia das irmãs, e merece ser revisitado mais vezes do que a cada cinco anos.

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