Guilherme Machado Leal
Quando assistimos a uma premiação, sempre vem aquela dúvida na cabeça: será que o ganhador realmente é o melhor? O merecimento vence o favoritismo? Infelizmente, em muitos dos casos, não. O clássico que vem à memória é a edição do Oscar de 1999. Naquele ano concorriam cinco atrizes: Cate Blanchett, Emily Watson, Fernanda Montenegro, Gwyneth Paltrow e Meryl Streep. A vencedora da estatueta foi ninguém menos que Paltrow. Chocando os presentes e aqueles que viam de casa, a injustiça cometida é lembrada anualmente pelos amantes da Sétima Arte. E com essa lembrança, surge a palavra lobby.
Na política, a prática serve para influenciar pessoas com objetivo de conquistar espaços decisórios através dos poderes Executivo e Legislativo. Paralelamente a isso, no Cinema, o ato possui uma conotação diferente. Lobby em premiações se refere a um conjunto de ações pensadas para favorecer um produto cultural em competições votadas pela crítica especializada. Por exemplo, Harvey Weinstein, abusador e produtor de inúmeros filmes dos anos 1990 e 2000, através dos estúdios Miramax, levou a protagonista de Shakespeare Apaixonado ao palco da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas na fatídica 71ª edição da cerimônia.
A grosso modo, elogiar os votantes é um dos primeiros passos do movimento. Além disso, fazer jantares e presenteá-los também ajuda na construção de um bem-intencionado lobby. Assim, a temporada de comemoração dos conteúdos produzidos naquele determinado ano ganha outra conotação, já que, na hora de escolher o vencedor, a classe se lembra das boas festas e dos champanhes caros. Em 1999, Fernanda Montenegro, por Central do Brasil, estava ao lado de gigantes hollywoodianas e, se somente o talento fosse o critério, poderia voltar ao seu amado Brasil com a honraria.
A avaliação do que é bom ou ruim é totalmente parcial, isso é um fato. Ao assistir a um conteúdo, é comum entender qual a sua ‘função social’. As famosas séries para fazer a unha, por exemplo, já mostram a que vieram: ser uma válvula de escape da realidade e um passatempo para a rotina corrida de quem precisa, nem que seja por meia hora no dia, se entreter.
No entanto, quando se fala sobre premiações, os grandes estúdios são detentores das maiores campanhas da temporada – a exemplo do marketing de Maestro no Oscar 2024. Assim, produções independentes, de estúdios não tão reconhecidos, acabam não chegando à lista final de indicados. Ter uma obra chegando a uma premiação de nome é um divisor de águas na carreira de qualquer produto audiovisual, uma vez que os holofotes se voltam para aquela determinada produção, que receberá investimentos para o seu desenvolvimento.
No mundo das séries, um dos casos recentes, inclusive, aconteceu no Emmy Awards e retomou as discussões acerca do método de seleção em premiações. A série Emily in Paris foi indicada à categoria Melhor Série de Comédia no ano de 2021 e surpreendeu a todos. Se fizessem um bolão das obras televisivas que apareceriam na cerimônia, a história protagonizada por Lily Collins sequer seria a última opção – na verdade, ela não passaria pelo imaginário de qualquer ser humano com o mínimo de criticidade.
Veja bem, não é um ataque à produção: Paris é realmente linda, como vemos em Antes do Pôr do Sol, mas a criação do aclamado Darren Star (Sex and the City) não é digna de ocupar um lugar tão importante em meio a tantas produções, que são escolhidas a dedo anualmente. A controvérsia em volta da série ganhou ainda mais desconfianças após os jornalistas votantes do Globo de Ouro irem à Paris para visitar os sets de Emily in Paris.
De fato, a imprensa realmente visita os locais de produção no momento em que os programas estão sendo feitos. Entretanto, o choque se deu em relação ao preço que gastaram com o comitê de votação: eles teriam ganhado duas noites em um hotel cinco estrelas. Depois da viagem, um membro revelou, anonimamente, que eles foram tratados como ‘reis e rainhas’. Após essa situação, a obra da Netflix e Lily Collins foram indicados, respectivamente, em Melhor Série de Comédia e Melhor Atriz em Série de Comédia.
Chegou a ser cômico ver a comédia ao lado de Ted Lasso e Hacks na 73ª edição do evento. As duas últimas, sucessos de crítica especializada e espetaculares no que se relaciona às piadas e os temas que tratam, de forma alguma deveriam ser colocadas lado a lado a uma das maiores pataquadas dos últimos tempos. Os momentos vergonhosos da personagem-título na cidade parisiense são inúteis perto das sacadas competentes com o uso de variações linguísticas na dinâmica do treinador de futebol-americano com os seus jogadores britânicos. O que fala mais alto, no final do dia, é quem tem dinheiro. E, nesse caso, a gigante dos streamings tem de sobra.
A Marvel, que luta há anos com o tema de fazer Arte ou não, conseguiu algumas indicações ao Emmy com o lançamento da sua primeira série pelo Disney+, WandaVision. A jornada dos personagens-títulos emocionou o público e foi aclamada criticamente pelas atuações e pelo design de produção. Sendo a minissérie mais indicada na edição de 2021, com 23 prêmios, não houveram questionamentos do motivo dela estar ali. No entanto, sua irmã Falcão e o Soldado Invernal, trama que acompanha Sam Wilson e Bucky Barnes pós Vingadores: Ultimato, se tornou um caso curioso: Don Cheadle, o Máquina de Combate, recebeu uma nomeação na categoria Ator Convidado em Série de Drama.
Aliás, o protagonista de Hotel Ruanda não entendeu, já que a única cena em que aparece dura somente dois minutos e é um diálogo entre o seu personagem e o herói Falcão. A Emmy Tape, nome dado ao episódio ou momento de maior destaque do ator, é muito importante porque é a partir dela que os críticos avaliam o trabalho e consideram se a indicação é válida ou não. Por esse lado, o material de Cheadle era fraco e não possuía nuances no que se diz respeito às camadas de atuação, levando o público a questionar os critérios de avaliação e, dessa forma, relativizar a importância da cerimônia.
Quando soube da nomeação, o veterano reagiu de maneira inesperada. Em um tweet já apagado, Don Cheadle concordou com as críticas que recebeu devido à indicação. “Obrigado Simpatizantes. Desculpe, ‘haters’. Concordo [com a reação de vocês]. Eu realmente não entendi também essa indicação. Mas vamos lá”, publicou ele no X, antigo Twitter.
Voltando para a maior premiação do Cinema nos últimos dois anos, o Oscar apresentou duas inconsistências que valem a pena relembrar. Em 2023, a atriz Andrea Riseborough foi indicada à categoria de Melhor Atriz pelo filme To Leslie. No entanto, a campanha foi um tanto quanto estranha: amigos famosos de Riseborough postaram fotos divulgando a obra e enaltecendo o trabalho da britânica. Veteranas como Gwyneth Paltrow e Jennifer Aniston foram algumas das pessoas que promoveram a amiga pelas redes sociais.
Embora tenha chegado ao Oscar, a atriz não recebeu indicação no Critics Choice Awards, Screen Actors Guild of America, Globo de Ouro e o BAFTA, as outras premiações que formam o circuito anual da temporada. É importante pontuar que esse caso não se configura como lobby, uma vez que o longa não foi distribuído por grandes companhias com festas e jantares de divulgação, além de não ter tido marketing durante o lançamento. No entanto, a campanha da atriz descumpriu as regras ao permitir que Mary McCormack, esposa do diretor Michael Morris, e outros amigos enviassem mensagens para o comitê de votantes a fim de fazer com que assistissem a To Leslie.
Já na 96ª edição do Oscar, um votante revelou antes do dia da premiação que escolheu Robert Downey Jr. em Oppenheimer como o vencedor da categoria Melhor Ator Coadjuvante. O motivo, de acordo com ele, foi devido ao encontro que teve com o artista em uma festa e, por conta da interação, colocou o nome dele. Duas inconsistências são presenciadas: a revelação dos votos antes do evento acontecer e o argumento que o votante utilizou para definir o vencedor desta categoria, mostrando, mais uma vez, que o lobby ainda está presente nesse meio, já que o encontro aconteceu em um evento de promoção do longa de Christopher Nolan.
Obviamente esse é um processo que acontece de dentro para fora. Caso surpresas como essas não acontecessem, a integridade dos maiores eventos do Cinema e da televisão não seriam colocadas em cheque. Tirar a vaga de uma produção independente para valorizar aquelas de maior audiência apenas traz desvantagens, pois minimiza o trabalho árduo e afasta os amantes da temporada de premiações do seu maior prazer: acompanhar, em uma só noite, tudo o que a televisão e a Sétima Arte ofereceram naquele determinado ano. Aos aficionados por desenvolvimentos de personagens, narrativas rebuscadas e atuações intensas, ainda há chances, já que, no final do dia, os vitoriosos continuam sendo os mais elogiados pela crítica.