Anna Clara Leandro Candido
“You get the best of both worlds, Chillin’ out, take it slow. Then you rock out the show.” É quase impossível que qualquer um pertencente a geração de crianças dos anos 2000 seja capaz de ler essa frase sem cantá-la. Hoje, produções como essa estão em decadência, sendo substituídas por narrativas que agradam mais as novas gerações que estão chegando e preferem streamings ao bom e velho sofá em frente à TV.
Contudo, uma onda de remakes recentemente começou a trazer séries e filmes de 10-20 anos atrás e adaptá-las a nova realidade onde seu público-alvo se encontra. Julie and The Phantoms é exatamente isso, uma série com os mesmo moldes de Hannah Montana, As Visões da Raven e High School Musical, mas atualizadas para a nova geração de crianças e adolescentes.
Adaptada pela Netflix a nova versão criada pelo streaming não se preocupa com uma produção grandiosa ou plots-twists inovadores. Ela utiliza de uma narrativa e personagens clichês para entreter o novo público, e trazer o sentimento de nostalgia para aqueles que cresceram assistindo esse tipo de produção.
A série conta a história de Julie (Madison Reyes), uma garota apaixonada por música e muito talentosa que, por conta da morte da mãe, não consegue mais tocar ou cantar. Um dia ela coloca o CD antigo de uma banda dos anos 90 chamada Sunset Curve para tocar em sua garagem/estúdio e três fantasmas aparecem para ela.
Alex (Owen Patrick), Reggie (Jeremy Shada) e Luke (Charlie Gillispie), os integrantes da banda, estavam quase alcançando a fama quando morrem por comer um cachorro quente estragado. Os personagens começam a se entender e descobrem que quando cantam com Julie, as pessoas vivas podem ver e escutar os meninos. Eles então decidem montar uma banda juntos.
Essa história é, na verdade, uma adaptação do seriado brasileiro Julie e Os Fantasmas, produzindo pela Band e a Nickelodeon entre 2011 e 2012. A base narrativa das duas produções é a mesma, mas apenas isso. A versão estadunidense mudou vários pontos para melhor adaptá-la ao novo público de crianças que assistem a série . Enquanto a produção brasileira, protagonizada por Mariana Lessa, focou no triângulo amoroso que foi criado entre os personagens, a da Netflix possui como foco principal as músicas e coreografia.
Não por menos, já que o diretor de Julie and The Phantoms é Kenny Ortega, responsável também pela produção de High School Musical e de Os Descendentes, dois musicais bem aclamados pelos público infanto-juvenil, tanto o atual quanto o antigo. O produtor, além de ter uma marca registrada e experiência com musicais, sabe amarrar narrativa e música de uma maneira que agrada e envolve o espectador.
Com um diretor mais do que envolvido em musicais, era de se esperar uma certa qualidade na produção das músicas e coreografias da série. Há uma grande variedade de ritmos e estilos que marcam não só a narrativa mas também os personagens que as cantam. A banda Sunset Curve é bem puxada para o rock, mas quando eles estão com Julie o som fica mais para o pop-rock.
O fato da série se valer da banda para justificar toda a música e dança traz um tom mais realístico e fácil de aceitar. Diferente de muitos musicais que utilizam das letras e melodias para narrar a história, tornando-se incômodo para alguns espectadores que não são muito fãs desse estilo. As coreografias e fotografia também são muito bem trabalhadas e bonitas de se ver, valendo o destaque para o número musical do vilão Caleb, que protagoniza um show no estilo cassino de Las Vegas.
O antagonista também merece ser destacado por sua presença na série e atuação. Cheyenne Jackson, o ator que dá vida a Caleb, é um típico vilão no maior estilo Disney Clássica possível. Cheio de carisma, risadas maléficas e planos diabólico, o personagem é responsável por dificultar o vida dos meninos e trazer um pouco mais do lado fantasmagórico do trama.
Além das músicas cativantes, outro ponto positivo que o remake traz é a representatividade. Enquanto o elenco brasileiro da série é majoritariamente branco, a atriz principal escolhida por Ortega, Madison Reyes, é latino-americana, assim como a família da personagem na série. Já Alex, o baterista, é abertamente homossexual e possuí seu próprio plot e interesse amoroso com Willie (Booboo Stewart). Ainda há uma relutância da série em aprofundar as demonstrações de afeto entre os personagens, mas espera-se que isso evolua com o passar da produção.
Julie and the Phantoms é uma produção feita visando um público infantil de no máximo 12 anos, ou seja, o plot, roteiro e direção não são complexos nem inovadores. Se forçada a ser qualquer coisa além disso, as qualidades que a série possuí irão decair, e os defeitos de uma narrativa infantil serão acentuados. Pois é praticamente impossível querer dar um sentido realista a uma narrativa onde a banda da garota é composta por três fantasmas, que só aparecem quando eles cantam juntos e ela fala para o público que são hologramas.
No entanto, a série é uma grande conquista para o público juvenil que não pôde ter o prazer de pegar seu prato do almoço ou jantar, sentar no sofá em frente à televisão e assistir As Visões da Raven, Zack & Cody: Gêmeos em Ação ou Rebeldes. A nova geração hoje assiste aos filmes e seriados a hora que quiserem através das plataformas de streaming, uma realidade que os produtores originais de Julie e Os Fantasmas nem sonhavam na época.
Portanto, é importante que os antigos modelos dos seriados de sucesso sejam readaptados e atualizados, com representatividade e assuntos sociais importantes a serem discutidos, sem perder sua essência. Pois, além de proporcionar um entretenimento às crianças e adolescentes dessa nova geração, traz aos espectadores das produções originais um sentimento nostálgico e uma oportunidade de se distrair do cotidiano adulto. Julie and The Phantoms é o melhor, não só de dois mundos, mas também de duas gerações, possuindo ainda muito potencial e espaço para melhorar.