Instinto Materno é alimentado por clichês, mas pelo menos conta com Anne Hathaway e Jessica Chastain

Cena do filme Instinto Materno. As personagens Céline e Alice interpretadas, respectivamente, por Anne Hathaway e Jessica Chastain, estão sentadas à mesa em uma varanda externa. Céline é uma mulher branca com cabelos castanhos e usa um vestido azul-claro típico dos anos 1960. Alice é uma mulher branca com cabelos muito louros e usa um vestido rosa. As duas estão com as mãos dadas.
Anne Hathaway e Jessica Chastain têm uma química que deveria ter sido ainda mais explorada (Foto: Imagem Filmes)

Ana Clara Archanjo

No primeiro ato de Instinto Materno, que se passa na década de 1960, as casas vizinhas e os filhos da mesma idade são o pano de fundo para a amizade entre Céline (Anne Hathaway) e Alice (Jessica Chastain). Como ponto de tensão, ocorre um acidente que transforma a relação entre as duas e desperta o que há de mais instintivo entre essas mulheres. O desenrolar, em um suspense fraco e previsível, é pautado em desconfiança e inveja, que interferem na amizade entre as protagonistas. Não é um exercício de criatividade muito complexo imaginar o final de Mothers’ Instinct (no original). Então, é preciso se esforçar para capturar os únicos acertos do filme: as atuações.

A história, em si, não é inédita. O roteiro do longa é baseado no livro homônimo de Barbara Abel e a obra já havia sido adaptada às telonas em 2018, sob a direção de Olivier Masset-Depasse. Originalmente, o cineasta belga também encabeçaria a refilmagem norte-americana, mas teve que deixar o projeto. Com a cadeira de diretor vaga, Benoît Delhomme, que já assinava a direção de fotografia, viu uma oportunidade de estrear no comando da produção. 

Delhomme é um cinegrafista francês conhecido por seu trabalho em O Menino do Pijama Listrado (2008), Um Dia (2011) e A Teoria de Tudo (2014). Em entrevista ao Estadão, o diretor de Instinto Materno conta: “Três dias antes do início das filmagens, Anne e Jessica, disseram: ‘Benoît, se você não fizer, o filme vai colapsar. Se aceitar dirigir também, poderemos seguir em frente’”.

Cena do filme Instinto Materno. A personagem Céline, interpretada por Anne Hathaway, sorri dentro de um carro antigo. A personagem tem pele branca e apoia um braço na porta do carro, ao passo que a sua outra mão está segurando o volante. Celine usa óculos escuros e tem um cabelo castanho curto.
O longa chegou aos cinemas nacionais em Março de 2024 (Foto: Imagem Filmes)

Fórmulas clássicas e preguiçosas de se fazer suspenses são as ferramentas favoritas do cineasta. É por esse motivo que é fácil saber para onde o filme quer levar o espectador logo nos primeiros minutos de exibição. Com a mediocridade do roteiro de Barbara Abel e Sarah Conradt-Kroehler escancarada nas cenas iniciais, fica difícil não se lembrar constantemente que as protagonistas têm um Oscar em cada um de seus currículos e que a presença das duas no elenco é o que o filme tem de melhor.

Para além de premiações, ambas também são queridas pelo público. Anne Hathaway, anteriormente, mostrou potencial e encantou em O Diabo Veste Prada (2006), Os Miseráveis (2012) e Interstelar (2014), que também conta com Jessica Chastain. Essa, para além do clássico, entregou uma atuação espetacular na minissérie Cenas de um Casamento (2021). Não importa o gênero, as duas atrizes já têm uma filmografia suficientemente completa e amada para provar que, mesmo no mais fraco dos suspenses, como é o caso de Instinto Materno, são capazes de entregar atuações revigorantes e convincentes. Então, a presença delas no longa não apenas fez com que as pessoas fossem ao cinema, como também garantiu que elas não percebessem – pelo menos, logo de cara – o quão ruim a narrativa é.

Em outras palavras, a relação construída entre as protagonistas de Instinto Materno só tem pontos positivos graças à interpretação das atrizes. Há, aliás, um ‘quê’ de homoerotismo iminente – mas não explorado –, que poderia trazer uma nova camada às personagens. Isso, no entanto, só aconteceria em nossos sonhos mais loucos, porque o filme não se cansa de firmar seu endereço no ‘lugar comum’.

Cena do filme Instinto Materno. A personagem Alice, interpretada por Jessica Chastain, está sentada à mesa em uma varanda externa. Alice é uma mulher branca com cabelos muito louros e usa um vestido rosa.
A atuação de Jessica Chastain é empática e sensível, dentro do possível (Foto: Imagem Filmes)

Sem profundidade nenhuma, os temas que perpassam diferenças de gênero, luto e maternidade compulsória existem na narrativa como se fossem notas de rodapé. Com a química e habilidades excepcionais entre Hathaway e Chastain e com o roteiro certo, inveja, desconfiança e luto poderiam ter sido aproveitados com maior profundidade e cuidado. Nos momentos em que Delhomme ensaia trazer um assunto mais sério, o tema logo é substituído por mais uma cena batida de suspense. E, no que diz respeito ao clima de tensão em si, não há nem um ‘gostinho’ de quero mais, porque o filme se dá por satisfeito mesmo sem entregar nada. 

Visualmente, o filme constrói um cenário imersivo e bem elaborado. Nele, a ambientação das casas vizinhas das protagonistas reflete diretamente nas características de cada uma e contribui – brevemente – à construção da personalidade delas. O problema, então, é que nada disso é genuinamente explorado. Há um ensaio constante de se aprofundar na personalidade intrigante das protagonistas, mas não há um exercício efetivo do diretor, Benoît Delhomme,  em fazê-las. Ao assistir Instinto Materno, a impressão que fica é que Anne Hathaway e Jessica Chastain fazem o máximo para tirar leite de pedra em uma atuação simultaneamente empática e assustadora. O potencial existe, mas apenas de potencial não se faz bons filmes.

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