Vitória Lopes Gomez
Dezembro chegou e a época mais bonita do ano pede as suas tradições. É a hora de tirar a árvore da caixa, desembrulhar os enfeites, comprar o chocotone e escolher a comédia romântica natalina da vez. Mas nada melhor que um Natal atípico para deixar algumas tradições de lado: chega dos romances heterossexuais repetidos. Happiest Season, a primeira produção do gênero com um casal lésbico protagonista, chegou para mostrar que é mais do que possível unir a representatividade aos clichês natalinos que amamos.
Na trama, Abby (Kristen Stewart) pretende pedir a namorada em casamento no feriado de Natal, que as duas passaram na casa da família de Harper (Mackenzie Davis). Porém, seus planos são adiados quando, no caminho, ela revela que não é assumida para a família, que acredita que a namorada é sua colega de quarto. A convidada, então, concorda em fingir que as duas são apenas amigas enquanto Harper não conta aos pais da sexualidade, que ela promete que acontecerá logo após o feriado. Mas aproveitar as festividades escondendo a relação e lidar com a família perfeita enquanto tentam não estragar o Natal torna-se um verdadeiro desafio.
Abby e Harper são o casal perfeito: é como descreve John (Daniel Levy), o melhor amigo de Abby, após ela revelar suas intenções de pedir a namorada em casamento. Mas, já na casa de infância de Harper, Abby percebe que a namorada, que tenta a todo o custo agradar os pais conservadores, não é a mesma pessoa ao redor da família.
Não bastasse o relacionamento em segredo, o pai concorrendo a prefeito e a mãe preocupada demais com os preparativos e com a imagem da família, a visita da outra irmã de Harper, Sloane (Alison Brie), aumenta o caos da viagem. A chegada da mais velha, com sua família perfeita, revive a competitividade que sempre existiu entre as duas, que vivem brigando para impressionarem os pais.
Enquanto Harper lida com a pressão da família e com os preparativos para as festas de Natal, Abby encara a própria insegurança de ter de esconder a sexualidade e ser tratada como apenas uma amiga. Ao mesmo tempo, tem de assistir a sogra empurrar sua namorada para o ex, que se aproxima cada vez mais, sem poder fazer nada.
Mesmo com os clichês essenciais das comédias românticas, como os pais modelos e as irmãs em conflito, a diretora Clea DuVall consegue o melhor dos seus atores. Com um elenco de peso reunido, ela soube dosar a participação de cada um, de forma que todos tenham o seu momento de brilhar, como sabem fazer.
A versátil Kristen Stewart, que ainda é lembrada – e, às vezes, criticada – por trabalhos passados, se encontra no papel de Abby. Com a autenticidade da personagem, nos faz torcer e ter o nosso coração partido com ela. Mackenzie Davis, que ganhou notoriedade com o episódio San Junípero, da série Black Mirror, e participou de outras grandes produções, se destaca ao mostrar o desconforto de se passar por outra pessoa na frente da família. Em uma das cenas mais bonitas do casal, ela emociona ao desabafar seu verdadeiro medo em se assumir.
Mas não só de protagonistas se faz o filme e em Happiest Season os coadjuvantes roubaram a cena. As veteranas da comédia Alison Brie e Mary Holland, que faz Jane, a terceira irmã, abraçam os estereótipos de malvada e excluída, respectivamente, e agregam ao clichê da família disfuncional. Daniel Levy, que vem de uma série de vitórias em premiações com Schitt’s Creek, rende os momentos mais engraçados da comédia, mas também emociona em um monólogo final, um dos melhores do filme.
Para complementar (ainda mais) o elenco, Aubrey Plaza, que dispensa apresentações, vive Riley, a ex-namorada secreta de Harper. Mas a personagem, que poderia ser um problema para Abby, rapidamente se torna uma amiga: as duas, de fora daquela comunidade conservadora e aparentemente perfeita, se unem diversas vezes (e queríamos mais) e trocam desabafos.
O roteiro, assinado por DuVall e Holland, que também atua no filme, acerta no tom. Apesar do quesito romance estar menos presente do que o esperado, os trocadilhos e o humor sutil garantem a comédia. Mas, para além do romance e das risadas, a dupla consegue trazer discussões importantes. Aos poucos, as duas fazem o espectador mergulhar na família comercial de margarina e mostram que a competitividade inocente entre Harper e as irmãs é, na verdade, uma disputa pelo amor dos pais.
Mais preocupados em manter a própria imagem na sociedade suburbana que vivem, Tipper (Mary Steenburgen) e Ted (Victor Garber) impõe papéis às irmãs, mesmo que inconscientemente, ao ponto de Harper não conseguir se assumir e Sloane fingir a relação com o ex-marido para não anunciar o divórcio. Por medo de, ao quebrarem as expectativas impostas, perderem o amor dos pais, elas se escondem. O clichê da família disfuncional ganhou profundidade nas mãos das roteiristas.
E a discussão acerca da sexualidade e de se assumir para a família, ponto central da premissa, também é trazida da forma mais delicada possível. A trama não esconde a frustração de Abby, que, já assumida há muito tempo, tem de ‘voltar para o armário’ e ver a namorada escondê-la, mas também mostra a dificuldade e a insegurança de Harper quanto à própria sexualidade. Para o público LGBT, é impossível não se identificar com uma das duas, mas o cuidado de Happiest Season em trazer ambas as partes cria perspectivas para que os dois lados sejam validados e entendidos.
O potencial para possíveis polêmicas existe, mesmo quando se trata de um filme levinho de Natal, mas a autenticidade da narrativa garante que os ensinamentos se sobressaiam. A história, que partiu de uma experiência própria de DuVall, só acentua a delicadeza e a sensibilidade com que o assunto foi retratado, assim como reafirma a importância de artistas LGBT terem espaço para contarem suas histórias. Lésbica assumida, ela conta que fez o filme para entreter, mas também para que pessoas da comunidade se sentissem representadas em um gênero em que, antes, estavam invisíveis.
Como John ensina, a história de cada um é diferente. O tempo de cada um é diferente e ninguém deveria se sentir forçado a assumir algo quando não se está pronto, muito menos por pressão da família ou do parceiro. Fórmula do ‘final feliz’ ou não, quando Harper conta que é lésbica e vai atrás de Abby, não só ela se liberta, mas inspira a família a fazer o mesmo.
Sem escapar de alguns dos clichês dos filmes natalinos ou ousar demais nas discussões, Happiest Season é a perfeita comédia romântica levinha de Natal que você vai querer reassistir o ano inteiro. A honestidade da história, que entretém e emociona, somada a um final de aquecer o coração, tornam o filme a alternativa ideal para, neste Natal, deixar os clichês heterossexuais repetidos de lado.
Com a produção abrindo caminho e, esperançosamente, inspirando outros artistas, que nos próximos anos tenhamos ainda mais opções de produções LGBTQ+ para todos os tipos e gostos (até nos clichês natalinos). Mas, com Happiest Season nesse Natal, o presente já chegou.