Caroline Campos
Extravagante, icônico e controverso. A descrição pode ser facilmente aplicada a Ryan Murphy e suas criações, mas não há ninguém que contemple mais intensamente os três adjetivos do que o protagonista de sua nova minissérie: Halston. O rosto esquecido da moda americana, dono de um legado perdido e uma existência dramática, é tudo, menos comum. Halston chegou de mansinho no catálogo da Netflix – muito diferente do estardalhaço que o estilista fez no cenário frenético dos anos 70 – e, protagonizada por Ewan McGregor, voltou novamente os holofotes para a vida autodestrutiva daquele que revolucionou a forma como o mundo olhava para o estilo estadunidense.
Os 5 episódios voam como foguetes para tentar contornar pelo menos o mínimo de quem foi e o que fez Roy Halston Frowick. Sem a aprovação dos familiares do designer, a produção é carregada em glamour, mas seu formato apressado se assemelha mais a uma antologia de contos do mesmo personagem. Incapaz de suportar o peso da importância de Halston, o roteiro de Sharr White e Ryan Murphy, baseado no livro Simply Halston, de Steven Gaines, esbanja caretice e cai na mesmice das narrativas de ascensão e queda de uma grande personalidade.
Pulando de ano para ano sem muito critério, Halston se apoia em flashes da vida do estilista que funcionam, principalmente, por seu elenco primoroso. O boom com o chapéu pillbox de Jackie Kennedy engatilha a história, mas o império de Halston é construído quase que subitamente através de percalços insignificantes e uma superficialidade absurda. É como se o ícone setentista de McGregor fosse criado narrativamente com a profundidade de uma fatia de pão.
Além disso, Halston conta com um batalhão de coadjuvantes de luxo que possuem o mesmo peso na cultura pop que o estilista e, ainda assim, são renegados à falta de personalidade dentro da minissérie de Murphy. Liza Minnelli, Elsa Peretti, Joe Eula, Eleanor Lambert, David Mahoney – a lista pode ser extensa, mas a carga dramática desses personagens é irrelevante. Elsa, por exemplo, é uma estrela nata, impecável. A designer de joias mais famosa da Tiffany é magistralmente interpretada por Rebecca Davan, só que seu papel na trajetória vem e vai sem muito contexto, e a personagem sai de cena sem finalização alguma.
No entanto, se há alguém que consegue encher os olhos do espectador, é Krysta Rodriguez. Sua Liza com Z – e não Lisa com S – envolve e encanta desde a primeira aparição, reproduzindo o charme natural da vencedora do Oscar. É talento de sobra para o pouco tempo de tela que Rodriguez recebe. Felizmente, a produção da Netflix não falha em representar a amizade da atriz com Halston, responsável por juntar as pecinhas quando o protagonista desmonta e colar tudo no devido lugar.
Quando se trata de seu protagonista, Halston não sabe no que está mirando. O artista passa os cinco episódios preso em um furacão emocional que não se decide quanto a fonte de tanto desespero. De início, há o drama de uma família disfuncional, alimentado por flashbacks pontuais e perdidos que não agregam em absolutamente nada no conjunto da obra. Quando a mãe do personagem morre, sequer sabíamos se ele ainda possuía uma ou se, por acaso, ainda mantinha alguma conexão com ela.
Depois de se desprender dos conflitos familiares, vem a relação tenebrosa com Victor Hugo. Interpretado por Gianfranco Rodriguez, o amante de Halston irrita especialmente pela falta de concretude e pela instabilidade de caráter. Sempre gritando que é um artista sem nunca mostrar qual é sua arte, o arco ainda decide finalizar com uma chantagem seguida de uma tentativa de reconciliação. Nesse momento, poderia facilmente surgir pontos de interrogação na tela para representar o estado de espírito de Ryan Murphy.
Ainda, a cereja do bolo: o vício em drogas que desaparece do nada. Após uma construção gradual da dependência química, que começa com uma resistência responsável e caminha até um GET IT, SASSY esbaforido por mais pó, Halston, de uma cena para outra, está limpo. Simples assim. Mesmo que Liza tenha ido para a reabilitação e insistido para que ele a acompanhasse e Joe continuasse evidenciando como o vício impactava suas criações, o roteiro decidiu que não precisávamos entender o processo de recuperação do estilista.
Mas aí esbarramos em um problema: como se revoltar com tanto furo na trama do protagonista quando este é interpretado pelo fabuloso Ewan McGregor? Pois é, impossível. O maior acerto da minissérie é a escalação pomposa do talento multifacetado de McGregor, que esbanja golas altas, óculos escuros e passa a temporada inteira rodeado de cigarros e orquídeas. Cheio de trejeitos, o ator abocanhou a única indicação da produção no evento principal do Emmy 2021, integrando a lista recheada da categoria de Melhor Ator em Série Limitada ou Antologia ou Telefilme.
Krysta Rodriguez, por sinal, foi injustamente cuspida para fora da premiação. Tudo bem que, se indicada, a atriz iria à festa pelos comes e bebes e para assistir à vitória de Kathryn Hahn, mas sua falta foi sentida em uma categoria lotada de estrelas de Hamilton e Mare of Easttown. Já para Ryan Murphy, o Oscar da TV é destino conhecido e o roteirista e produtor conta com 36 indicações na sua carreira. Tudo que tem dedo do americano chama a atenção, em especial do Emmy, muito amigável às suas produções. AHS, ACS, Glee, Hollywood, Ratched, Feud, The Politician – todas trilharam seus caminhos no tapete vermelho.
No Emmy Criativo, Halston conquistou outras 4 indicações, com destaque para o episódio 2, Versalhes, que aborda a maior rinha da moda contemporânea, e o episódio 4, A festa acabou, com aquele gostinho das noitadas históricas e polêmicas do Studio 54. Sim, Murphy trabalha compulsivamente. Agora, se todas suas ideias são boas, já é outra história.
Do alto de sua imponência, no 21ª andar da Olympic Tower, Halston assiste à derrocada de seu império vermelho-sangue. A influência mercadológica na sua arte se torna insustentável e, tendo escolhido a popularidade acima da exclusividade, logo surgem questionamentos muito mais interessantes para a narrativa. Quando seu legado é sua marca e sua marca é seu nome, por quanto você o venderia? A queda dramática do estilista, agora sem assinatura, é o desfecho clássico de uma biografia que praticamente seguiu um modelo pronto de produção. No fim das contas, Halston precisava de um ponto final, mas recebeu grandes e incompletas reticências.
Móveis, vestidos, chapéus, malas, perfumes. Se viesse com o autógrafo corrido do estilista genial, o sucesso era certo. Esquecido pela história e maltratado pelo mundo dos negócios, Halston faleceu em 1990 por complicações com a AIDS – a produção da Netflix optou por uma abordagem rasa e trivial da doença no último episódio. Ainda com críticos ferrenhos e seguidores devotos, o artista vai muito além do compilado de eventos que Murphy escolheu. Afinal, não é todo dia que se revoluciona a moda de um país inteiro.