Esther Chahin
Em 2024, Sofía Vergara recebeu sua primeira indicação ao Emmy como protagonista. A colombiana concorre na categoria de Melhor Atriz em Série Limitada ou Antologia ou Telefilme. Por sua vez, o título que lhe rendeu o destaque foi Griselda, lançado pela Netflix em Janeiro. A produção, dirigida por Andrés Baiz, debruça-se sobre a história da narcotraficante natural da Colômbia, Griselda Blanco. Ela fundou um dos cartéis de tráfico mais lucrativos da história e dominou o comércio de cocaína em Miami durante as décadas de 1970 e 1980, sendo assassinada em 2012, aos 69 anos.
Dividida em seis episódios, a minissérie percorre a história de Griselda desde a separação de seu segundo marido, Alberto Bravo, até a condenação em 1985. A narrativa se desenrola em torno dos membros da família da personagem, que inclui seus quatro filhos, Uber, Dixon, Oswaldo e Michael, além de seu terceiro e último marido, Darío Sapúlveda. Os principais cúmplices e parceiros que a auxiliaram no desenvolvimento de seu cartel, como a família Ochoa, também desempenham importante papel no decorrer da trama, assim como os investigadores que acompanhavam seus passos.
Não é incomum que os vilões conquistem o público com seu carisma controverso. Para Villanelle, por exemplo, um vestido rosa bufante e um humor pouco usual foram suficientes para ofuscar todos os ‘bonzinhos’ de Killing Eve (2018-2022). Em Griselda, porém, são visíveis os esforços para que o espectador se simpatize pela protagonista. A tentativa pode surtir algum efeito, mas custa a complexidade de uma personagem como Griselda Blanco.
Em títulos da Netflix, há um vício no uso de modelos narrativos clássicos do mainstream e o seriado indicado ao Emmy de 2024 não contraria a tendência. Embutidas na narrativa, as tentativas de tornar a narcotraficante uma heroína são nocivas à produção. Por diversas vezes ao longo dos episódios, ‘La Madrina’ (como também era conhecida) se compadece com os assassinatos, defende pautas feministas e os direitos dos imigrantes latino-americanos, e procura refúgio nos braços de Darío – aqui, nosso ‘mocinho’ –, quando se vê desamparada. A apelação faz da obra a escolha errada ao espectador que procura embebedar-se com a realidade do universo dos cartéis colombianos.
A representação de Griselda não é apenas reducionista, mas também problemática. Ainda que a colombiana tenha sido considerada rainha do narcotráfico, a alcunha não lhe poupou da construção social do feminino quando representada na ficção. As escolhas da produção não foram feitas apenas pela praticidade de se seguir um modelo reproduzido inúmeras vezes: é intragável que uma mulher – sempre gentil e cuidadora – seja fria e cruel. Dificilmente retrataria-se Pablo Escobar recebendo o acalento de sua parceira enquanto lamenta as injustiças do narcotráfico, o que acontece com Griselda, ainda que o fundador do cartel de Medellín tenha relatado temer a também apelidada de ‘viúva negra’.
Embora a produção tenha ressalvas, Sofía Vergara, de fato, revolucionou sua carreira interpretando a gigante do tráfico de cocaína. Até então mais conhecida por dar vida à Gloria, em Modern Family, Vergara provou que seu talento não se restringe apenas ao cômico. Com próteses nos dentes e nariz, alterações nas sobrancelhas e muitos, muitos cigarros, a atriz percorreu cenas de tensão, violência, frustração e desespero sem dificuldades aparentes.
Os diversos extremos, no entanto, não foram o único destaque da estrela ao longo da produção. Entre o quarto e quinto episódio da minissérie, há um salto de quatro anos, período esse em que Griselda reformula desde o corte de cabelo até sua relação com a família. As bruscas mudanças no olhar, maneirismos e crenças de ‘La Madrina’, na pele de Sofía Vergara, bastariam para que o público captasse o avanço do tempo; o aviso estampando a primeira cena de Paraíso Perdido (o quinto episódio da trama) não passa de mera formalidade.
Mesmo trazendo uma representação controversa da protagonista, as seis horas de Griselda divididas em seis episódios retêm a atenção do espectador. As dificuldades da colombiana em se destacar no narcotráfico, bem como a sua imprevisibilidade quando consolida-se no negócio, estimula o público. Durante toda a minissérie, a pergunta que paira é ‘como acaba essa história?’. Os figurinos próprios da época e a Fotografia da produção não são simples detalhes dentro da narrativa: eles dilatam a pupila assim como os outros aspectos da minissérie. Por fim, resta alertar: a dose é pequena, mas Griselda gera abstinência.