Júlia Caroline Fonte
Há 10 anos chegava aos cinemas a animação que abalaria as histórias de princesas da Disney. Ao encantar tanto crianças quanto uma grande parcela do público adulto, Frozen – Uma Aventura Congelante (2013) surpreendeu os amantes dos estúdios com uma narrativa muito diferente daquelas que estávamos acostumados para suas personagens. Apesar de contar com um visual deslumbrante, o filme se destaca por abordar aspectos mais profundos de suas protagonistas mulheres e por discutir novas perspectivas sobre o amor, indo contra o felizes para sempre clássico.
A história se passa no reino de Arendelle, onde duas irmãs princesas vivem isoladas por trás dos portões de seu castelo, que são abertos no dia da coroação da primogênita, Elsa (Idina Menzel). A futura rainha esconde seus poderes mágicos ligados ao gelo, mas tem seu segredo revelado no dia da coroação, surpreendendo até mesmo sua irmã Anna (Kristen Bell). Com medo, a mais velha foge para as montanhas e, sem querer, espalha um rigoroso inverno pelo reino. Anna decide salvar a irmã e o reino e, no caminho, encontra a ajuda de Kristoff (Jonathan Groff) e sua rena Sven, além de Olaf (Josh Gad), um divertido boneco de neve que adora abraços quentinhos.
Após as grandes mudanças no papel das princesas e o abalo causado por Valente, Frozen – Uma Aventura Congelante vem para deixar claro que o Walt Disney Animation Studios toma um novo caminho para suas personagens. A animação traz mais uma vez uma nova perspectiva do papel destas personagens, que agora de fato protagonizam suas próprias histórias. O filme tem como foco a relação das duas irmãs, muito diferentes entre si, que carrega uma forte crítica aos ideais que o próprio estúdio pregou ao longo de décadas: Anna é a clássica garota que sonha em viver um grande amor à primeira vista com um príncipe encantado, enquanto Elsa foca em si mesma, sem abrir espaço para romance em sua vida.
Anna é uma personagem única e com uma personalidade divertida, mas que carrega consigo o clichê do amor romântico; sua representação entra em choque com o momento em que o filme é lançado, em uma sociedade na qual as mulheres ressignificam seu papel social e seus relacionamentos. A princesa, que passou a vida trancada em um castelo e isolada apenas com alguns funcionários, belos livros e românticas obras de arte, passa a ter uma visão idealizada e espera desesperadamente por um homem perfeito que a amará incondicionalmente e a libertará de sua solidão. É então que conhecemos Hans (Santino Fontana), um belo, carinhoso, protetor e amável príncipe, o candidato ideal para a jovem sonhadora. No entanto, para a surpresa de todos, a roteirista Jennifer Lee não poupa suas críticas ao modelo Disney e o jovem encantador se torna um perverso vilão, que ao enganá-la com promessas de amor encontra na fragilidade da princesa uma forma de destruí-la em benefício próprio, partindo seu coração iludido.
Frozen nos faz refletir sobre nosso imaginário do amor romântico que, assim como Anna, crescemos acreditando no ‘felizes para sempre’ que Branca de Neve – a primeira princesa do estúdio – nos apresentou ao receber seu beijo de amor verdadeiro. Hoje, ao compreender suas fantasias de infância, no primeiro contato com a narrativa, o público vê Anna de forma ridicularizada, principalmente quando comparada a Elsa, que tem consciência do absurdo que é querer se casar com alguém que acabou de conhecer. Porém, a princesa de Arendelle é uma personagem muito bem construída, uma vez que somos capazes de compreender suas ilusões iniciais, bem como de onde elas vieram, e vê-la amadurecer seu entendimento de mundo e do amor, principalmente em Frozen 2 (2019). Ela reflete um pouco das experiências de cada um que a assiste, merecendo nossa empatia.
No entanto, a animação ainda quer nos ensinar sobre esse sentimento em todas as suas formas, mas agora de modo mais próximo da realidade. O amor romântico não é algo para ser rejeitado e a narrativa nos comprova isso ao apresentar Kristoff, um jovem que aos poucos conquista o coração de Anna, mesmo com todos os seus defeitos. Afinal, é isso que vivemos: nos permitimos amar e sermos amados sendo quem somos, e não um modelo idealizado que deveríamos seguir. É com Kristoff e os amigos dele “especialistas em amor” que a princesa começa a entender um pouco o que esse sentimento envolve e o quanto ainda não sabia sobre isso.
Além disso, o amor da amizade também tem seu momento na história, tanto na relação entre Kristoff e sua rena Sven quanto na de Anna e Olaf. O boneco de neve aparece inicialmente como um alívio cômico, cumprindo muito bem esse papel, mas é quando Anna está em perigo que aprofundamos esse sentimento, já que ele se mostra disposto a fazer sacrifícios para salvar a amiga. Olaf não apenas sabe amar, como foi criado pelo amor de Elsa por Anna, e é essa relação fraterna que se destaca. Quebrando paradigmas dos finais felizes, a Disney inova ao criar seu desfecho neste vínculo entre as personagens, rompendo com a ideia do príncipe encantado como herói e sinônimo de felicidade para a mulher.
O encanto da história está exatamente no afeto entre as irmãs, que além de causar muitas reflexões nos fãs sobre novas formas de enxergar o amor verdadeiro, é a chave para salvar as protagonistas. Elsa, que passou a vida convivendo com o peso de seus dons, tomada pelo medo e seus traumas, vê no isolamento a única solução para manter todos em segurança. No entanto, seus métodos não foram suficientes para proteger a irmã, que acidentalmente tem o coração congelado. O filme se torna mais complexo quando acompanhamos o arco da rainha e entendemos que o afeto foi fundamental para descongelar o seu coração – e não só o de Anna -, gélido pelas inseguranças que a perseguiram e reprimidos em um castelo de gelo, que se torna perigoso e se despedaça à primeira batida nas portas.
Frozen se aprofunda ao tentar nos mostrar um outro lado de uma protagonista, e a permite ser vulnerável assim como nós. As emoções de Elsa ganham espaço na narrativa à medida que elas passa a controlar todos os seus movimentos. O alívio de seu fardo chega no momento em que consegue ver beleza em seus dons, fazendo as pazes com o que antes via com aflição e repulsa – consagrando a clássica canção Let it Go. Porém, o breve momento de paz e liberdade faz com que a rainha cegamente se perca ao recusar a ajuda para se curar e, ao invés de cuidar de suas feridas, abafa as emoções que a machucam, o que abre espaço para que cada vez mais seus poderes saiam do controle.
Assim, entendemos que o verdadeiro vilão da narrativa é o medo que consome Elsa. Frozen traz figuras clássicas para tentar refrear suas protagonistas, como o Príncipe Hans e o desagradável Duque de Weselton, porém são apenas peças que conduzem a narrativa a olhar para o que realmente conflitua com a rainha. O confronto passa a ser interno, tirando assim a antiga dualidade entre bem e mal, e fazendo com que a personagem carregue esses dois aspectos sobre si mesma. Elsa é a causa de seus infortúnios e precisa lutar contra si mesma para vencê-los, mas não sendo a vilã que os outros personagens enxergam.
Ela precisa superar seu inimigo, mas aprende de um jeito difícil que não conseguirá fazer isso sozinha, e que a ajuda que recebe é fundamental para acabar com seu sofrimento. Disso temos a conclusão que cativou o público e que o aproximou ainda mais das personagens, apresentando uma nova perspectiva do amor que talvez nunca tenhamos nos dado conta. Um final que permite diversas reflexões e interpretações, e conclui de forma excelente a jornada das irmãs, preparando-as para dar novos passos em suas relações.
No que se refere ao visual, Frozen – Uma Aventura Congelante é impecável e mais cativante quando olhamos para suas raízes. Inspirado na obra A Rainha da Neve de Hans Christian Andersen, o longa teve sua história e cenários inspirados nas terras da Noruega, impulsionando impulsionando um interessante movimento da Disney (e já muito comum na Pixar) de trazer elementos étnicos e culturais com cada vez mais força em suas obras, e assim, o local se torna parte da história e não apenas um pano de fundo. O folclore norueguês se destaca nos poderes e conhecimentos dos trolls, e no segundo filme da saga das irmãs, é essencial para conduzir a narrativa com outros personagens míticos. Além disso, traz também a influência dos povos originários do país, que tem seus elementos identitários destacados do início ao fim.
Desde sua estreia, Frozen fez sucesso não apenas entre os amantes da Disney e o público em geral, mas também pela crítica, garantindo diversos prêmios, entre eles o Globo de Ouro, BAFTA e o Oscar de Melhor Filme de Animação em 2014; abrindo espaço para novas narrativas em Arendelle. A nova vida das princesas é explorada em Frozen: Febre Congelante e seus arcos são mais desenvolvidos no filme Frozen 2, que foi determinante para o amadurecimento dos personagens. Olaf também ganha seus derivados e seu carisma garantiu o especial de natal Olaf em uma Nova Aventura Congelante de Frozen e a divertida série Olaf Apresenta. Assim, deixa os fãs curiosos para descobrir quais serão as próximas histórias dessas princesas, principalmente com o anúncio de Frozen 3.
Por fim, Frozen completa 10 anos celebrando uma obra singular, capaz de gerar um forte impacto para as princesas Disney, refletidos principalmente em Raya e Último Dragão e em Wish: O Poder dos Desejos. Com uma narrativa diferente e recheada de plot twists, a animação foi capaz de surpreender ao quebrar os padrões e enfatizar a importância das histórias das personagens mulheres, essenciais para inspirar e dar força às novas gerações, empoderando garotas, que sendo princesas ou não, serão encarregadas de decidir o seu ‘felizes para sempre’.