Amabile Zioli
Quem nunca achou que sua vida amorosa não tinha mais salvação? Fresh abraça esse sentimento, junto com a tensão, angústia e aflição comumente provocados pelo suspense e cria uma atmosfera diferente da que estamos acostumados: o terror vem acompanhado de uma comédia leve e usa o romance como seu coadjuvante.
Em seu longa de estreia, Mimi Cave dirige um verdadeiro show de horrores. Mantendo a fotografia e edição como cúmplices, a diretora monta um thriller sem ter tanta coisa nova para contar. Já saturados, o roteiro e o encaminhamento sofrem alguns ajustes nas mãos de Cave. Afinal, quem quer ver mais uma história sobre a vítima indefesa nas mãos de um homem perverso?
O enredo principal segue Noa (Daisy Edgar-Jones), uma jovem que, em uma busca exaustiva por um relacionamento bem-sucedido, acaba encontrando um possível pretendente no local mais inusitado possível: no hortifruti de um supermercado. A partir desse momento, a trama se desenrola conforme a protagonista descobre, junto com a audiência, os segredos mais bizarros de Steve (Sebastian Stan), o ‘cara do mercado’.
De primeira, Fresh parece não inovar, mas, no final, o filme traz uma nova perspectiva sobre a relação entre os gêneros. Estrelado por dois grandes nomes, Edgar-Jones e Stan, a obra tem grande prestígio agregado à impecável escolha de elenco; nisso, Cave não errou. Os protagonistas têm tanta química quanto seus personagens, o que fez toda a diferença no desenvolvimento da trama. Além dos principais, o longa não deixa a desejar na escalação de coadjuvantes. Jonica T. Gibbs e Charlotte Le Bon vivem Mollie e Ann, respectivamente, e não falham ao representar caricaturas complexas e profundas.
Fresh não teria o mesmo impacto sem os frames de bocas mastigando ou carnes sendo cortadas sob uma iluminação difusa e avermelhada, fruto da fotografia, cúmplice de Cave. Tudo isso dá sentido visual ao que está sendo abordado no longa, e, disso, Pawel Pogorzelski entende muito bem. Com experiência na direção fotográfica de outros suspenses, como Midsommar e Hereditário, o cineasta coloca na tela o sentimento de estranheza e anormalidade ambientados até em um supermercado.
A premissa da produção já é revelada ao telespectador na campanha de divulgação, mas, felizmente, a película não fica dependente disso para fluir. Com o plot twist já familiar, o roteiro de Lauryn Kahn precisa focar em outros aspectos para prender a atenção do público. É aí que entra Mollie, a quem acompanhamos durante todo o clímax na tentativa de tentar solucionar o desaparecimento de Noa. Em várias partes, temos a impressão de que aquela busca terminará de uma forma diferente e não mais um clichê hollywoodiano. No entanto, a reviravolta dos bonzinhos e o final (meio) feliz e nauseante acontecem e quebramos a cara esperando alguma inovação.
De forma sorrateira, o filme trata sobre a maneira com que os relacionamentos estão se formando na atualidade. Noa é retratada como alguém que tem problemas para encontrar pessoas e se relacionar, acabando por se render a aplicativos de namoro. Tal particularidade influencia a jovem a se arriscar e dar seu número para alguém que acabou de conhecer.
Entre os pontos que Mimi Cave consegue diferenciar, destaca-se a criação de laços entre o telespectador e os personagens. A capacidade de gerar apego em figuras que nós nunca sequer vimos o rosto é algo assustador e muito bem executado. Nos momentos em que Noa interage com Penny (Andrea Bang), a voz atrás da parede, cultivamos simpatia pela mulher, que só é apresentada oficialmente ao público nas cenas finais.
Além disso, a direção faz um excelente trabalho na ambientação da película. Nos primeiros trinta minutos, o cenário elaborado é típico de romance e a iluminação e trilha sonora pensada por Alex Somers, principalmente, evidenciam muito isso. Após a introdução do título, da água para o vinho, a obra se torna um suspense, carregado de tensão com entrecortes de comédia.
No final, Fresh entrega o que promete: não muita coisa. É um produto que diverte nas cenas cômicas, como quando o protagonista fatia a carne de um ser humano como se fosse apenas um açougueiro em horário de trabalho, ou nos momentos em que Steve prepara refeições como um chef gastronômico e, junto com Noa, fazem uma degustação acompanhada de vinho e luz de velas. E não passa disso: um longa que entretém, mas que, depois de um tempo, você sequer vai lembrar das suas particularidades.