Rafael Gomes
Ficção Americana é a história de Thelonious Ellison – também conhecido como Monk –, um escritor que não lança um livro há anos e que está cansado de como histórias de pessoas negras são tratadas na cultura americana. O filme se divide em dois: a primeira metade é sobre sua família excêntrica e disfuncional, que conta com uma irmã afetuosa (Tracee Ellis Ross), um irmão rebelde (Sterling K.Brown, que rouba a cena) e sua mãe adoecida (Leslie Uggams), que ele visita em Boston. A segunda parte é sobre o livro fictício My Pafology, uma história sobre traficantes armados, tráfico de drogas e pais ausentes, escrito sob a alcunha de Stagg R Leigh e enviado ao seu agente. Monk esperava que a Indústria entendesse a sátira e os estereótipos colocados sobre autores negros, ao forçá-los cada vez mais a escreverem esse tipo de história. Porém, o efeito foi o contrário: o livro se tornou um best-seller e vira o maior sucesso do protagonista.
O longa traz a estreia de Cord Jefferson no Cinema, após grandes sucessos na TV como Master of None, The Good Place e Watchmen. Outro destaque é a atuação de Jeffrey Wright, conhecido por papéis em Westworld e Batman. Wright traz um Monk carrancudo e irritado com tudo por meio de uma representação sutil, mas espetacular. Com desempenhos fantásticos, o maior destaque vai para Sterling K. Brown – famoso pela série This is Us – que interpreta Cliff e rouba o destaque das poucas cenas em que aparece, com uma pitada cômica e ao mesmo tempo trágica, ao trazer um personagem que apenas quer ser reconhecido e ao adicionar drama à trama.
O núcleo familiar de Monk é único e bem diferente dos retratados nos best-sellers que o protagonista é contra. Ainda com cicatrizes abertas por conta do suicídio do pai, tendo que lidar com uma outra morte próxima à família e com as crises de Alzheimer da mãe, além de seu irmão “rebelde”, o protagonista tem sua própria tragédia familiar. Esse drama doméstico é uma construção importante para entendermos as motivações do personagem, ao enxergamos neles a pluralidade de gostos, as histórias e as experiências que o autor busca em personagens negros da literatura. Essa jornada familiar é o coração do filme, enquanto a crítica do livro seria a cabeça.
Ficção Americana brilha como uma sátira incisiva, sendo ao mesmo tempo provocativa e extremamente acessível. Seu grande trunfo está em criticar quem clama pela diversidade, mas a quer apenas para ganhar mais dinheiro ou para reforçar estereótipos étnico-raciais. Em sua maioria, os criticados são todos brancos, mas também há espaço para quem se aproveita do sistema, em que mesmo atacando um mercado que só pensa no monetário, ajuda a difundir obras que amplificam o pensamento de que as minorias devem ter histórias determinadas pelo sofrimento. O filme defende uma gama maior de narrativas negras, mas não somos levados a acreditar que Monk está 100% correto no descarte da comunidade, das ruas e da violência, pois essa é a realidade da vida de muitos.
O longa recebeu cinco indicações ao Oscar 2024 nas categorias de Melhor Filme, Melhor Ator, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Ator Coadjuvante e Melhor Trilha Sonora. O roteiro, escrito por Cord, foi premiado no BAFTA e representa a melhor chance de premiação. Porém, isso não é garantia de vitória, por causa das concorrências de peso como Oppenheimer, Pobres Criaturas, Barbie e Zona de Interesse.
O ponto mais fraco do filme está em seu final. Com uma conclusão metalinguística, que admite a dificuldade de finalizá-lo, mesmo sendo curiosa e diferente, ela decepciona, por falhar na hora de oferecer resolução ou de se apoiar na falta dela. Com atuações espetaculares e direção e roteiro precisos, Ficção Americana é um duro golpe para quem acredita que a diversidade é apenas uma discussão rasa para preencher cotas. Ao negar a problemática de uma indústria que tem pouco interesse em aprofundar pautas importantes, o longa as leva para o grande público de maneira instigadora, cutucando na ferida através do humor.