Ana Laura Ferreira
Nos últimos anos, vimos explodir uma aura nostálgica que cerca a década de 1980. De influências musicais à moda e cinema, a estética da época é reaproveitada aos montes numa tentativa de trazer toda a sua magia para o momento atual, o que por vezes não passa de uma cópia barata do que funcionava anos atrás. É certo que alguns artistas conseguem refrescar suas influências e apresentar obras primas como After Hours, de The Weeknd, enquanto outros apenas se perdem em meio a referências. Para a nossa sorte, Euphories sabe onde pisa e desfila pela década com a confiança necessária para entregar algo novo e ainda old school.
O álbum é o primeiro da banda Videoclub, que já vinha desde 2018 trazendo ritmos datados para o presente de forma bem feita e natural. Construindo uma identidade marcada que lembra ícones da época como Duran Duran, a banda firma seu estilo da mesma maneira que outras obras, como Stranger Things, conseguiram nos últimos anos. A combinação de sintetizadores e melodias retrôs combinam bem com a proposta do disco, criando uma atmosfera saudosa, mas ainda assim interessante e jovem.
E como todo bom disco recheado de influências, não poderiam faltar as canções que se encaixam com perfeição na discografia das estrelas da época, entre elas Euphories. A faixa que dá nome ao álbum carrega uma leveza dançante que nos transporta para uma discoteca moderna, lembrando os singles de Cyndi Lauper como a clássica Girls Just Wanna Have Fun. Mas mesmo cercada de interferências, a canção ainda consegue trazer traços contemporâneos com uma letra que fala muito mais sobre a geração Z e suas paixões do que uma simples ode à distante década.
É nessa dualidade entre letra e melodia que Euphories constrói toda sua força e estima, provando ser muito mais do que apenas uma simples homenagem aos anos 80. Apesar de toda a animação das sonoridades, da atmosfera festiva e das batidas contagiantes, Videoclub traz letras profundas, e um tanto pesadas, que poderiam facilmente passar despercebidas. Em Amor Plastique, por exemplo, somos embalados por um som alegre enquanto escutamos Adèle Castillon e Matthieu Reynaud cantarem: “Eu sou apenas sua sombra/A respiração latejante/De nossos corpos no escuro”.
Toda essa dicotomia é propositalmente atada a uma construção de atmosfera que cresce aos poucos e se preocupa em ter certeza que fazemos parte dela. Por isso que 808 chama a atenção ao ser uma faixa puramente instrumental quase ao fim do disco. A prática de trazer um musical nesses parâmetros é recorrente e ajuda a nos inserir na história, mas a banda foge do padrão ao escolher sua posição como uma chamada de atenção, para ter certeza que estamos presentes, acompanhando a narrativa, e não nos perdemos nesse túnel do tempo.
A construção tardia da atmosfera ajuda a nos puxar de volta para a obra depois da desastrosa What Are You So Afraid Of. A faixa, cantada em inglês, é a que menos impressiona e pode ser considerada a grande “bomba” do disco. Sem graça e sem sentimento, Adèle não consegue imprimir toda sua emoção na língua estrangeira, tornando a música esquecível e descartável. Talvez ela tenha sido trazida como uma tentativa de tirar o álbum do circuito francês e trazê-lo para o mundo, mas seria mais efetivo se tivessem lembrado que música é sobre sentimento e não precisa ser entendida ao pé da letra.
Chega a ser cômico o apego das novas gerações por uma década que sequer presenciaram. Essa falsa nostalgia, empregada como um tributo aos anos 80, constrói um estereótipo caricato que se perde em meio aos neons e aos cabelos desfiados da época. E brincando com essa construção burlesca que Videoclub entrega uma obra com personalidade mesmo em meio a tantas repetições. A sensação de “já ouvi isso em algum lugar” se mantém durante todo o trajeto de Euphories, mas ainda assim é um caminho interessante para se andar.
E talvez seja a língua ou a incógnita da paixão pela década, mas seja o que for, o álbum sabe o que faz e não se importa de cair em alguns esteriótipos caso eles sejam usados para construir uma grande obra, que vista de longe tem muito mais personalidade do que imaginávamos. Abrindo caminho entre o pop mainstream americano que tanto escutamos, Videoclub entrega um disco completo e forte o suficiente para ganhar o mundo. Com Euphories entendemos o que significa ser datado e o que é inovador.