Davi Marcelgo
A produção da A24, Eu Vi o Brilho da TV (I Saw The TV Glow, no original), longa dirigido e escrito por Jane Schoenbrun, faz parte da seção Perspectiva Internacional na 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Na trama, Owen (Justice Smith) é um garoto tímido que faz amizade com Maddy (Brigette Lundy-Paine), uma garota com muita personalidade, que apresenta a ele um programa de televisão sobre duas amigas com uma conexão psíquica. Anos depois, o protagonista questionará o que é ficção e realidade. Pode parecer que essa história é um suspense, mas, na verdade, é um drama queer.
Dessa TV não só saiu o brilho, como também o selo A24, posto que muitos elementos remetem às produções da empresa. Músicas lentas, estética atraente – lembrando As Ondas (2019) – e conversas existencialistas marcam presença no longa. Tematicamente, é um prato cheio para a Geração Z, o público LGBTQIAP+ e apreciadores das novas comédias teens com protagonistas deslocados de suas realidades, como Lady Bird: A Hora de Voar (2017) e Booksmart (2019).
A coloração em neon deixa I Saw The TV Glow extremamente charmoso, parecendo uma série da década de 1990, e constroem a narrativa queer com cores de bandeiras da comunidade. A história abre mão da linearidade, vai para passado e futuro, é narrado em primeira pessoa e mistura recursos visuais do programa que eles assistem com o mundo real, causando a sensação de confusão de Owen e Maddy, os personagens principais do longa.
Com a câmera estática, usando de planos ora abertos, ora fechados, ou colocando os protagonistas separados ou juntos, a direção de Schoenbrun não é tão marcante. Embora suas cores possam dar uma sensação de autoralidade, o coração do filme é o enredo e seus diálogos, estes com uma excelente interpretação de Justice Smith, que solta um sorriso volta e meia, como se soubesse que suas falas são ridículas – no sentido mais dramático que um adolescente pode ser.
Nessa história em que a Televisão provoca identificação e de certa forma desconforto para mudar a realidade, existe uma metalinguagem, mas não explícita, nem dentro da história. Quem assiste ao filme tem os mesmos sentimentos que Owen e Maddy, não com uma série televisionada e, sim, com o Cinema. A garota diz que vai “morrer se continuar nessa cidade”, e o garoto, morador do subúrbio americano, experimenta a sensação de ficar e sentir a deterioração do corpo e de um destino – que ele nunca soube verdadeiramente qual era.
Pelo menos no Brasil, crescer em uma pequena cidade do interior provoca os mesmos sentimentos, principalmente sendo queer, como cita James N. Green em Além do Carnaval: “Para muitos jovens que fugiram do controle e condenação da família, dos parentes e de uma cidade pequena em busca do anonimato das metrópoles”, escreve.
Esse glow perpassa gêneros, faz o masculino querer ser o feminino, criar vínculos com mulheres protagonistas e com divas pop, assim como laços de amizade tendem a solidificar através de vivências comuns de gênero e sexualidade. Entretanto, Schoenbrun dá um salto maior e comenta sobre vida adulta e exaustão, invisibilidade e a ausência de brilho em coisas que no passado podiam se confundir com o sol.
Afinal, qual é o destino de uma pessoa LGBTQIAP+? O que foi escrito, definido e o que ela pode ser? Cabe a eles decidir e traçar as rotas; fugir de casa, se enterrar, dar um sumiço para então assumir gêneros, histórias malucas sobre poderes psíquicos e um vilão chamado Senhor Melancolia, que tira seu coração e põe em um freezer industrial. O enredo não sai do convencional, porém conceitualmente se apodera de um lado mais fantasioso para criar alusões sobre a vivência queer de uma maneira interessante, principalmente porque cria monstros com maquiagens e designs impactantes. A reflexão que fica é a respeito de quais caixas e gêneros a comunidade está pertencendo.
Existe uma parcela que vai assistir I Saw The TV Glow e se identificar com a narrativa. No entanto, sem grandes momentos ou grandes inspirações, o filme, assim como seus personagens, poderia ser muito mais, sem medo algum de misturar em um grau maior ficção e realidade, apelando para um lado lúdico. De propósito ou não, o longa parece querer emular para o sentimento de tédio e falta de prazer que Owen sente ao passar trinta anos em sua cidade – mas veja só, apenas passou 100 minutos.