Andreza Santos
“Você é um leão ou um cordeiro?” Essa é uma das perguntas feitas à Marla Grayson, protagonista do novo filme da Netflix intitulado Eu Me Importo, interpretada pela brilhante e muito competente Rosamund Pike (de Garota Exemplar), o que lhe rendeu uma indicação – vitoriosa – ao Globo de Ouro de Melhor Atriz em Filme de Comédia ou Musical. Todos os elogios são válidos para a protagonista, mas o longa infelizmente deixa a desejar.
A trama conta a história da cuidadora de idosos Marla, que ganha dinheiro em cima de velhinhos por meio de determinações judiciais, não podem mais ser responsáveis por si mesmos. E é justamente assim que o filme começa, ela em um tribunal argumentando contra liberar uma das idosas que vive na sua clínica e ganhando o caso facilmente, pela sua influência no ramo de cuidadoras.
Grayson e Fran (Eiza González) têm a relação mais aprofundada do filme, além de aplicarem golpes juntas, elas também são namoradas, um relacionamento invejável e muito carinhoso. Fran é o braço direito da clínica, ela investiga os pacientes antes da companheira entrar com a ação judicial e tem contatos suficientes para revirar a vida de qualquer um.
Eis que surge uma idosa “cereja” – assim apelidada por elas. Jennifer Peterson (Dianne Wiest) é aposentada, mora sozinha, nunca se casou, sem filhos, e com uma conta bancária bem recheada, se tornando tudo o que elas querem. Atentamente observada pela dupla, ela é retirada de sua casa após sentença judicial movida pela médica Dra. Amos (Alicia Witt) – também envolvida no esquema – é levada a uma clínica de repouso.
Mas após a idosa ser instalada no asilo, ela começa a ser procurada por amigos próximos, que infernizam a vida de Marla a fim de resgatá-la. É nesta parte, que descobrimos que a senhorinha indefesa, na verdade, faz parte da máfia russa.
Eu Me Importo tem uma boa jogada de cenas rápidas mesmo no início, quando vemos diversos cuidadores de asilos com a narração da protagonista, já se entregando como uma vilã ambiciosa de forma bem sincera. A direção de arte utiliza muito dos tons claros no primeiro ato. Já no segundo, há algo bem mais sombrio nas cenas, até a chegada do último ato, que finaliza a história deixando tudo equilibrado em cena, como se o mundo voltasse aos eixos.
Um fato interessante sobre a trama é que não há mocinhas a serem resgatadas, todos ali são passíveis de culpa ou já fizeram algo de ruim. Até mesmo no embate entre a vilã, Marla, com Roman Lunyov – interpretado pelo genial Peter Dinklage (de Game of Thrones) – ela se torna implacável e debochada, o que traz um carisma muito cretino para a personagem. Não há para quem torcer, os dois competidores são cruéis, entretanto o charme de Rosamund nos leva a inconscientemente desejar a vitória dela.
As viradas do roteiro após as confusões na vida da protagonista a tornam tão imbatível, como se de repente ela ganhasse superpoderes, é inacreditável tudo o que essa mulher faz por dinheiro. Como ela mesmo disse “Sou uma leoa, cacete!”. Essa forma de se safar das coisas tem um quê de Good Girls, porque, assim como as protagonistas da série, ela está acima de qualquer suspeita e passa completamente despercebida pelas autoridades.
Eu Me Importo não é excelente porém cumpre um papel diferente no meio cinematográfico, traz o capitalismo abertamente com sarcasmo, zombando do tal sonho americano que os estadunidenses buscam ser. A forma como o diretor J Blakeson (de A 5ª Onda) guia o filme, provoca mudanças e dúvidas de até onde ele pretende ir, ou do quanto ele quer crescer mais a história. Não há clareza no gênero principal do filme já que ele permeia entre tantos e não se prende propriamente a nenhum.
I Care a Lot é um boa pedida para assistir no fim de semana, mas peca em tentar agradar a todos com sua trama indecisa e, às vezes, mirabolante. Apesar disso, trazer dois vilões disputando poder e influência sobre idosos foi um ponto cego bem trabalhado. Desde Garota Exemplar (do magnífico diretor David Fincher), Rosamund Pike não havia conseguido outro hit em sua carreira.
Ela teve sim outras protagonistas mas nenhuma conseguiu chamar tanta atenção até ela ser agraciada com essa vilã caloteira de pouco caráter mas muita presença, roubando a cena como ninguém. Pike é especialista em fazer o público odiá-la, mas também se apaixonar por seus papéis. Confesso, estou agoniada pelo enorme cliffhanger deixado por J Blakeson, mas não posso afirmar que uma sequência seria bem-vinda e, até o momento, nada foi confirmado pela Netflix.