Sabrina G. Ferreira
Para amenizar os males emocionais causados durante a Segunda Guerra Mundial, nas décadas de 50 e 60, houve o que se pode chamar de Era de Ouro dos musicais nos cinemas. Mostrando que é possível criar obras de qualidade fora dos muros de Hollywood, o diretor francês Jacques Demy (Os Guarda-Chuvas do Amor, A Baía dos Anjos) se destacou com o sucesso de bilheteria lançado em 1967, Duas Garotas Românticas (Les Demoiselles de Rochefort), arrebatador tanto pela energia vibrante que provém de cada cena, quanto pela simplicidade da trama, ao tratar assuntos considerados sérios de forma leve e sutil.
O longa conta a história das irmãs gêmeas “nascidas sob o signo de gêmeos” – tal qual o tema principal das personagens cita – Delphine, professora de balé, e Solange Garnier, compositora e pianista, protagonizadas, respectivamente, pelas irmãs na vida real Catherine Deneuve e Françoise Dorléac. As duas se vêem em busca de um grande amor quando a pacata região no sudoeste da França, Rochefort, recebe a quermesse anual, espécie de carnaval extraordinário, criando uma animação inabitual na cidade. O evento acaba por acentuar ainda mais seus sonhos em encontrar o verdadeiro amor em uma breve esquina.
Entre encontros e desencontros, e as peças que o destino nos prega, somos apresentados a personagens igualmente contagiados e ludibriados pelo sentimento do amor. Dentre eles estão Yvonne (Danielle Darrieux), mãe das gêmeas protagonistas e dona de um movimentado café localizado na praça central da cidade, e Simon (Michel Piccoli), seu antigo amante, proprietário de uma recém-aberta loja de Música. Eles cantam pela falta que sentem um do outro e só não se reencontraram por raramente saírem de seus locais de trabalho. Além deles, há Maxence (Jacques Perrin), um marinheiro pintor que reproduziu em uma de suas artes a sua mulher ideal, sendo esta fielmente semelhante à Delphine Garnier.
Outro personagem que encanta os espectadores com seus números musicais repletos de coreografias mais aprimoradas que os demais colegas de elenco, é interpretado por nada menos que Gene Kelly, no papel do famoso músico americano Andy Miller. O personagem aparece na cidade à procura de seu velho amigo Simon Dame. Um encontro casual entre Andy e Solange Garnier desperta interesse em ambos – sendo que nenhum imagina quem o outro possa ser, e uma partitura esquecida por ela servirá de pista para que o artista possa reencontrá-la em um momento futuro.
Na trama, destacam-se ainda os amigos Etienne (George Chakiris) e Bill (Grover Dale), como dois dançarinos viajantes que estão na cidade para uma apresentação especial e ficam sem suas parceiras de dança. Ambos são fregueses assíduos do café de Yvone, e acabam por pedir ajuda às suas filhas, as gêmeas (e também dançarinas) Garnier. Por consequência, eles vêem nelas uma possibilidade de romance, no entanto, sem reciprocidade por parte das moças. Estes encontros irão resultar nas cenas cômicas de Duas Garotas Românticas.
“Eles estão achando que somos strippers!” – Delphine
“Sem dúvida!” – Solange
A narrativa do filme gira em torno dos desejos, anseios e sonhos das personagens, envoltos em uma atmosfera romântica, repleta de cenas multicoloridas e diálogos que são sempre interrompidos e intercalados por números de canto e dança bem produzidos, e, o mais importante: sem que haja quebra no tempo, mantendo a continuidade da história. Vale ressaltar que as belíssimas canções, compostas por Jacques Demy e pelo consagrado pianista Michel Legrand, acabaram rendendo à obra uma indicação ao Oscar de Melhor Trilha Sonora de Filme Musical, em 1969.
Além de ser uma comédia musical exageradamente colorida e alegre, Duas Garotas Românticas impressiona também pela boa atuação da dupla de protagonistas, em especial pelo talento inigualável e a habilidade de desenvolver a personagem de maneira simples e espontânea de Françoise Dorléac. Infelizmente, a atriz tem neste um dos seus últimos trabalhos, já que veio a falecer em um acidente de carro três meses após a estreia do filme.
É inegável que haja nos espectadores de hoje um certo estranhamento diante da necessidade das protagonistas pela busca de uma companhia masculina. Entretanto, devemos considerar que, sendo este um filme gravado nos anos 60, ele acaba por refletir os costumes de outras gerações. Há também a questão do ambiente familiar em que as personagens principais são inseridas, sendo ambas criadas somente pela mãe, que, na maior parte das vezes, lamentava pelo amor perdido, desencadeando nelas um possível desejo de companhia e medo da solidão.
No desfecho, quando a maior parte dos casais finalmente se encontram, o diretor nos deixa com a apreensão de que o pintor Maxence e seu ideal feminino, Delphine, possivelmente não irão se encontrar. Até que chegamos à última cena. Demy habilmente anula as chances de um final previsível e típico de Hollywood, e, em vez disso, mantém o filme da forma que ele é idealizado até o momento, ou seja, num mundo de sonhos e de fantasias. Sendo assim, não há o encontro dos amantes. A nós, só resta a incerteza, à medida que a sucessão de caminhões da quermesse vão se afastando da cidade, e a esperança de que eles num futuro próximo irão se encontrar.
Por fim, Duas Garotas Românticas, mesmo sendo desconhecido pelo grande público, merece ser lembrado, ainda que após 55 anos de seu lançamento no país de origem, a França, pois conquistou seu lugar na história dos musicais e serviu de forte inspiração para obras mais conhecidas, como o recente La La Land: Cantando Estações, de Damien Chazelle. Para o espectador, fica a dúvida deixada pelo filme, se é possível o amor encontrado ser igual ou similar ao amor imaginado, e também, a sensação de alegria transmitida nessa busca, pelas duas garotas de Rochefort.