Gabriel Oliveira F. Arruda
Seria difícil imaginar, em 2010, o que a franquia aptamente denominada Como Treinar o Seu Dragão se tornaria. Baseado vagamente na série de livros homônima de Cressida Cowell, o primeiro filme conta a história da amizade improvável entre um viking e um dragão, capaz de dar fim a gerações de violência. Mas mais do que isso, o filme contou uma história de amadurecimento pautada em subversões de conceitos de masculinidade e de heroísmo prevalentes na grande maioria de histórias de fantasia, oferecendo uma nova perspectiva para a jornada do herói e dos passos que a acompanham.
Em Como Treinar o Seu Dragão 2, acompanhamos a construção do protagonista como um líder, capaz de tomar responsabilidade para proteger aqueles que ama, se reconectando a uma importante figura feminina que o ensina a lidar com os dois lados de sua personalidade e a aceitá-los de maneiras distintas, culminando em um final que o força a tomar ação e a ter fé no seu dragão.
Agora, no último capítulo da saga, Soluço (Jay Baruchel) precisa confrontar novas questões como novo chefe de Berk, tendo que lidar com um novo tipo de inimigo capaz de acabar com tudo que ele lutou tanto para construir. Mas é no constante desenvolvimento da amizade entre Soluço e Banguela, o seu dragão Fúria da Noite, que Como Treinar o Seu Dragão 3 encontra sua alma e seu coração, entregando um final emocionalmente satisfatório e realizador – mesmo que a jornada até ele seja imperfeita.
Após os eventos do segundo filme, Soluço luta para manter a paz entre humanos e dragões não só em Berk, mas ao longo de todos os lugares pelos quais passam. Suas ações, no entanto, acabam transformando a ilha de Berk em um alvo para aqueles interessados em acabar de vez com a raça dos dragões ou a usarem em prol de seus próprios objetivos. É aí que entra Grimmel (F. Murray Abraham), um caçador de dragões que mais tarde se revela o responsável pela extinção dos Fúrias da Noite – ou assim ele imaginava, até descobrir que o último desses dragões se encontra sob a proteção do chefe de Berk. É aí que Grimmel jura terminar o que começou e ir atrás de Banguela e Soluço, destruindo o que vier pelo caminho.
Em Berk, Soluço precisa lidar com as pressões e expectativas da vida adulta, onde se vê obrigado a tomar decisões tanto pelos humanos quanto pelos dragões, e o crescente sentimento de solidão que sente, mesmo contando com o apoio de Astrid (America Ferrera) e Valka (Cate Blanchett) e do resto da turma que o acompanhou ao longo de sua jornada: Bocão (Craig Fergusson), Eret (Kit Harington), Perna-de-Peixe (Christopher Mintz-Plasse), Melequento (Jonah Hill), Cabeçaquente (Kristen Wiig) e Cabeçadura (Justin Rupple).
Como sempre, o mundo de Como Treinar o Seu Dragão vibra com cor e personalidade em cada canto. Até mesmo as mudanças não vistas de um filme para outro são perceptíveis e impactantes, em um nível de atenção a detalhes que vai desde o design dos dragões, expressivos e marcantes, até a refração da luz após atravessar um meio translúcido. A animação do capítulo final da história é um testamento da evolução da série como um todo, e do talento e dedicação dos animadores da DreamWorks.
Assim como seus antecessores, Como Treinar o Seu Dragão 3 não tenta entregar arcos complexos para todos os personagens do longa, focando apenas em Soluço e naqueles mais próximos dele, mas fornecendo caracterização mais do que suficiente para os outros de modo que seja divertido ver eles interagindo em cena justamente por causa da interpretação selvagem que os atores e atrizes dão.
Grimmel é introduzido quase como uma antítese de Soluço, alguém que cresceu de maneira similar e que teve algumas das mesmas oportunidades, mas que acabou seguindo por um caminho completamente diferente. Ele é metódico, calculista e toma prazer em perseguir ele e Banguela. Fica claro a cada novo embate entre os dois que Grimmel está sempre um passo na frente de Soluço. O embate intelectual entre eles, em que um tenta passar a perna do outro forma algumas das melhores cenas do longa, mesmo que falte uma presença maior do personagem para caracterizá-lo como o melhor (e último) vilão da saga.
O ritmo do filme também sofre ao tentar equilibrar o peso de concluir o arco principal de Banguela e Soluço junto com a ameaça imediata de Grimmel, mas o diretor e roteirista Dean DeBlois (responsável pelos outros dois filmes) faz um bom trabalho orquestrando essas duas medidas para que, ao final da aventura, as duas tenham a mesma conclusão. A trilha sonora, mais uma vez composta por John Powell, articula perfeitamente novos e antigos temas da franquia, usando-os com deliberação e escolhendo muito bem a hora de encaixar as faixas mais poderosas nos momentos finais do longa.
Como Treinar o Seu Dragão 3 encerra a franquia de maneira excepcional, tomando cuidado ao não abocanhar mais do que consegue mastigar e fornecendo um final satisfatório à jornada de Soluço e Banguela que certamente irá ressoar tanto com fãs de longa data da história quanto recém-chegados. O epílogo do filme consiste de uma das sequências mais emocionalmente catárticas dos últimos anos, reunindo todos os temas até ali apresentados e nos dando um último momento com esses personagens que passamos quase 10 anos conhecendo e acompanhando.
O último filme da série não é só uma carta de amor aos fãs, mas uma carta de amor à histórias bem contadas e que não tem medo de acabar, porque sabem que viverão na memória do público para sempre.
Um comentário em “Como Treinar o Seu Dragão 3 traz um final emocionante e catártico para a aclamada franquia”