Luiza Lopes Gomez
Angústias, perdas, negação e reencontro. Estas são algumas das palavras que caracterizam e são usadas como base para a criação do quarto álbum da banda mineira Lagum. Depois do Fim é lançado como um olhar diferenciado sobre o mundo e traz à tona questões filosóficas talvez nunca aprofundadas nos últimos discos – pelo menos, não na mesma intensidade. A chegada do projeto recorre a jornadas internas em meio ao entendimento do despertar depois do fim, abordando temáticas como o destino e o acaso, a saudade, o reconhecimento pessoal e esclarecimentos internos na mente de um jovem reflexivo.
O álbum e a turnê que o segue já garantem seu impacto inicial a partir da escolha do título. Questionamentos tão profundos e pouco decifráveis perante uma realidade limitada são abordados em resposta a uma possibilidade de existência após desfechos por vezes inesperados, interpretado de forma complexa e traduzido nas relações interpessoais, espirituais e internas construídas em meio a uma jornada de vida que possui prazo de validade. Assim, o disco adquire sua notoriedade com base na apresentação de abordagens e perspectivas de um futuro muito mais amplo e mutável, traduzindo sensações que, mesmo partindo de um ‘eu’, são compartilhadas por tantos ouvintes.
O caráter mais livre e de experimentação poética em meio às composições, unido a melodias e batidas envolventes, constrói um ambiente envolvente para quem escuta, acompanha as experiências e reflexões do eu lírico, e desenvolve uma proximidade intensa e, ao mesmo tempo, reconfortante com as faixas. A transformação da mentalidade em desenvolvimento e a transição entre um ser coberto de máscaras sociais para um indivíduo autêntico e presente pode ser percebida facilmente em Depois do Fim. Uma nova fase e a percepção acerca do início de uma diferente jornada de autoconhecimento por parte da banda pode ainda ser explicitada através da comparação com seu segundo álbum, Coisas da Geração, imerso em um universo muito mais jovem e descontraído, distante de certa profundidade emocional e preocupação com seu próprio desconhecimento.
Ouvir a discografia da Lagum é permitir-se reinventar conceitos e abordar olhares diferentes sobre temas às vezes tão conhecidos. Desde maior complexidade romântica, até interpretações e críticas sobre nossa geração, como a canção Habite-se, lotada de reflexões e analogias potentes, o grupo consegue transpor de forma animada e contagiante sentimentos únicos. Essa característica tão particular é reforçada em Depois do Fim, capaz ainda de desenvolver passagens sentimentais e até mesmo temporais de forma muito mais íntima e menos romantizada, podendo ainda ser reconhecido como um álbum muito subjetivo, interior a mentes fragilizadas em decorrência das inúmeras passagens de ciclos e vivências talvez não tão confortáveis, porém importantes.
As composições seguem ainda um caminho poético e metafórico condizente com o momento de amadurecimento e desprendimento. A exposição das dores reprimidas em meio a tentativas incessantes de parecer curado e leve, bem como a dificuldade de ver o agora e tomar ação mediante o presente, exprimem um pouco da abordagem atual das faixas. Funcionando como uma representação de uma nova fase de percepção da realidade e da existência em meio a jornada da vida adulta, as trilhas unem-se em um decorrer de acontecimentos que permeiam os conflitos de uma vida mais equilibrada e realista com o espírito do eu lírico em crescimento.
A necessidade de habitar-se, entender-se como um ser incluso na sociedade que o rodeia e as dificuldades atreladas a isso são responsáveis por construir uma setlist variada, porém centrada na emoção, na intensidade e nos sentimentos. De tal forma, é perceptível a gradação das dores em meio as faixas e minutos de música como uma maneira de representar o desespero humano em meio a escassez de resoluções ou confusões emocionais, sem ver um futuro confortável por perto. Assim, Lagum traz para Depois do Fim composições recortadas por poesias faladas. Ainda, consegue mesclar canto e versos recitados que atingem profundamente o ouvinte, como uma forma de imersão dentro dos pensamentos mais profundos do outro, criando momentos de tensão e maior proximidade com o espectador, receptor direto da mensagem.
Mesmo que em segundo plano, perdendo o foco principal na maioria das canções, a temática amorosa aparece como forte fator de percepção do eu lírico. Aparecendo ainda como uma espécie de ferramenta de momento de virada na vida de quem sofre em meio a devaneios de insegurança e fragilidades, tal percepção auxilia na busca por reviver um passado favorável em prol do esquecimento da dor das perdas. Tal construção pode ser percebida em faixas como Ou Não, Sobre Mim e Nem Vi que o Tempo Voou. A conexão entre as três composições e o sentimento de saudade e tentativa de resgate de um eu mais concreto, não tão perdido no mundo, se dá como forma de demonstração da angústia pessoal em se ver só e ter que olhar para dentro de si, deixando claro a transição entre a leveza da união e o sofrimento da solidão, responsável por crises existenciais que incendeiam a mente.
A casa em chamas, a estética destrutiva e o desconforto são pontos fortes de Depois do Fim, exprimindo visualmente uma tentativa de encontro em meio às turbulências da vida e os embates entre acaso e destino. O falecimento de um importante membro da banda em 2021, o baterista Tio Wilson, surge como ponto de início para a criação do álbum, bem como inspiração para drásticas mudanças de olhar perante o presente e futuro de nossa existência. Isso vem como uma lembrança de jornadas compartilhadas entre indivíduos em desenvolvimento e ascensão, e também como representação do luto, da perda e muito da introspecção.
Aproximar o público de um contexto tão humano, porém tão pouco falado, é usado como ferramenta de engajamento e reflexão em Depois do Fim. O álbum aparece na atualidade como uma conversa muito mais íntima do que qualquer um dos outros discos do quarteto, deixando como mensagem final que, mesmo com longos processos de caos, saudades e sofrimento, o cenário pós-instabilidade pode ser esclarecedor, e não só amedrontador. Os versos do single-título explicitam a relação conflituosa, mas libertadora, proveniente do reconhecimento de um novo eu em formação. Assim dito, com a estrofe “Não olha pra trás que eu to seguindo em frente/tem gente que começa só depois do fim” pode-se observar o processo de aceitação e renovação do indivíduo perante a vida, desabrochando e iniciando um novo ciclo mais real e intimista.
Além disso, o desprendimento do passado é simbolizado eficientemente e de maneira tocante através da construção visual, com o indivíduo em reinvenção sendo afastado de memórias antigas e a prisão emocional existente no passado em decorrência do incêndio de sua morada, com o antigo tornando-se cinzas e a necessidade do novo surgindo como fator existencial. Buscando retratar tal transcendência vinda de vivências difusas e transformadoras, tem-se na canção De Amor Eu Não Morri os dizeres “Ainda é tempo de ser bem maior/ainda é tempo de ser bem melhor”. A reflexão proposta torna-se clara: a vida passa, momentos são efêmeros e temos que aproveitar verdadeiramente cada dia olhando o passado como nascente de aprendizado, presente como fase de experimentação e renovação, e futuro como uma tela vazia prestes a ser pintada.
É um desafio descrever a emoção que envolve Depois do Fim, bem como os desafios em trilhar novos caminhos honestos a cada dia. O álbum pode ser consagrado como uma união de cumplicidades e poesias reais responsáveis por refletir um panorama tão amplo que rodeia a experiência de viver sem medo, errar, reconhecer e se encontrar inúmeras vezes em ambientes diferentes. A inspiração para a criação de uma nova era com certeza deixa cicatrizes irreparáveis na vida de cada um dos integrantes da Lagum e dos fãs. Por outro lado, também aparece como uma porta de entrada para ensinamentos tão sagrados e poéticos, compartilhados como joias nas mãos de amantes de músicas leves, intensas e que combinam razão e emoção. O depois do fim é incerto, mas as jornadas prometem recomeços estrondosos.